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Depois de uma novela e 2 filmes, Caio Blat quer descansar

Ator que interpretou o vilão José Pedro em 'Império', da Globo, conversou com o Caderno C: ele poderá ser visto nos cinemas nos filmes 'Meus Dois Amores' e 'Ponte Aérea'

Fábio Trindade
19/03/2015 às 05:00.
Atualizado em 24/04/2022 às 02:38
Apesar de estar sempre na telinha, Caio Blat, desde o começo da carreira, há quase duas décadas, dedica-se principalmente ao cinema ( Divulgação)

Apesar de estar sempre na telinha, Caio Blat, desde o começo da carreira, há quase duas décadas, dedica-se principalmente ao cinema ( Divulgação)

Caio Blat ficou os últimos meses nos holofotes graças ao trabalho como o vilão José Pedro em 'Império', trama global das 9 que acabou na última sexta-feira (13). Entretanto, o ator, desde o começo da carreira, há quase duas décadas, dedica-se principalmente ao cinema. Exatamente por isso são mais de 20 filmes no currículo, incluindo dois que serão lançados só este mês. O primeiro, que estreia nesta quinta-feira (porém, ainda não chega a Campinas), é a comédia 'Meus Dois Amores', longa inspirado no universo mágico de Guimarães Rosa sobre um homem noivo (Blat), mas que também está apaixonado por sua mula. O segundo é o romance 'Ponte Aérea', produção de Julia Rezende ('Meu Passado me Condena') que chega aos cinemas no próximo dia 26 para mostrar o relacionamento inesperado entre o carioca Bruno (Blat) e a paulistana Amanda (Letícia Colin). Blat conversou com o Caderno C e falou sobre os projetos, a carreira e o panorama do cinema nacional.Caderno C — Como foi fazer um personagem que é apaixonado por uma mula?   Caio Blat — Esse é um filme tão especial porque é uma comédia caipira que é quase uma brincadeira, mas, ao mesmo tempo, nasceu de um texto tão importante ('Corpo Fechado'), de um autor brasileiro tão relevante. Ou seja, no meio dessa brincadeira, você tem frases belíssimas, marcantes e inesquecíveis. Talvez seja o primeiro contato com o Guimarães Rosa para muita gente, inclusive para as crianças. Elas, aliás, estão adorando o filme, justamente por mostrar esse personagem, o Manuel, apaixonado por uma mula. É divertido ver que eles cresceram juntos, dormem juntos, tomam banho juntos, porque tudo isso, querendo ou não, é muito engraçado. E a noiva ainda morre de ciúmes da mula. Além disso, nessa cidade em que eles moram, todo mundo que casa precisa enfrentar um matador que chega para roubar a noiva, mas como ele é muito covarde e não quer enfrentar o matador, acaba se apegando ainda mais com a mula para adiar sempre o casamento. É uma história realmente muito boa.Como foi a sua preparação para viver esse caipira?O trabalho todo teve uma preparação muito cuidadosa, porque a gente tinha que fazer a comédia sem caricatura. Foi feito um trabalho com máscaras, foi feita uma pesquisa grande sobre a obra do (Guimarães) Rosa, um estudo da própria prosódia mineira para criar toda a delicadeza que o filme precisava, toda a graça que esse trabalho tinha que ter. Foi muito bonito ver tudo isso nascer e foi a primeira vez que levei meus filhos ao cinema para me assistirem. Então ele se tornou um filme muito importante para mim e, mais do que isso, acredito que é o tipo de obra que resgata a tradição do cinema brasileiro. Os filmes caipiras sempre foram fortes aqui, desde da época do Mazzaropi, de quem sou muito fã. Assisti a todos os filmes dele para fazer 'Meus Dois Amores'. 'Marvada Carne' também foi um filme que marcou a minha infância. O caipira é um personagem importante da nossa história, da nossa literatura e do cinema também.O cinema sempre fez parte da sua carreira, desde trabalhos experimentais, ousados, filmes políticos, comédias. Poucos atores brasileiros se dedicam tanto assim ao cinema. Por que você seguiu esse lado?Isso foi aparecendo aos poucos. Quando eu comecei a ser ator, ainda garoto, adolescente, eu não tinha essa perspectiva porque não existia cinema no Brasil. Quando veio a retomada, eu devia ter uns 17 anos, eu já comecei a fazer filmes, acho que com 'Caminho dos Sonhos', e isso ocupou um espaço muito especial na minha vida. Ainda bem. Fui bem aceito no cinema, e um trabalho vai trazendo outro. Cinema é muito isso, um trabalho chama o próximo, então tenho filmado bastante nos últimos anos, tenho me dedicado muito a isso. Eu sempre fui um ator mais de teatro, mas o teatro é uma coisa muito efêmera, ele só existe na memória das poucas pessoas que estiveram ali, naquela noite, e depois desaparece. O cinema não, ele continua, fica como registro, ele viaja, atravessa o tempo, você pode ver um DVD anos depois de um filme ter sido feito. É um formato muito forte, fascinante, e hoje em dia você pode ver no celular, no computador. Eu gosto de dizer que o cinema não tem fronteiras, é um veículo poderoso de comunicação. E eu tive o privilégio de ter sido lembrado por grandes diretores, de ter feito filmes sobre a história brasileira, sobre o Xingu, sobre a Ditadura, sobre problemas sociais. O cinema brasileiro, na retomada, fez questão de falar de muitos problemas sociais, fiz 'Carandiru', fiz 'Bróder', fiz 'Alemão'. Quer dizer, eu passei por vários gêneros e, agora, aproveitando que o cinema está crescendo e se diversificando, novos gêneros estão surgindo, como romance, que é o caso de 'Ponte Aérea'. O importante agora é batalhar pela diversidade do cinema brasileiro.O Paulo José fez críticas severas ao cinema nacional, principalmente às comédias, e, aproveitando o posicionamento, muito se falou sobre a qualidade dos filmes nacionais de hoje, sempre para o lado negativo. Você, que fez muitos filmes e, como disse, de temas importantes para o Brasil, como vê isso e o atual momento do cinema brasileiro?Eu entendo quando o Paulo José diz que o cinema antes era feito mais por paixão, pela arte, e hoje em dia ele funciona muito a favor do mercado. Com isso, a criatividade está renegada, está em segundo plano. Eu entendo um pouco isso porque ele viveu uma época maravilhosa, o Cinema Novo, o começo dos anos 60, quando se tinha toda a liberdade para criar. Hoje em dia, a gente tem um mercado muito cruel, em que a gente luta contra os filmes americanos, em que a gente luta contra as grandes comédias brasileiras, e a gente luta para convencer os distribuidores que tem que ter de tudo, tem que ter documentário, tem que ter romance, drama. A gente que faz filmes médios, filmes pequenos, filmes autorais, a gente está sempre brigando com o sistema para ter mais espaço, para que esses filmes consigam chegar até as pessoas. O mercado é um pouco burro, porque quando uma coisa dá certo, eles só querem vender aquilo. Na verdade, você só vai ter público por um grande tempo, se você oferecer produtos variados para ele. Estamos sim em fase de formação de público no Brasil, é importante que a comédia seja uma forma de trazer bastante gente que não estava acostumada a ver filmes brasileiros, mas, aos poucos, com festivais e bons distribuidores, filmes diferentes têm que começar a chegar nas casas das pessoas.'Ponte Aérea' é um filme que vai ter de lutar muito para chegar às pessoas, já que, infelizmente, mesmo sendo um ótimo filme, vai sair com apenas 60 cópias?Sem dúvida. O 'Ponte Aérea' é um filme que vem cavando seu espaço desde a produção, a captação, é um filme belíssimo, muito bem realizado, um filme gostoso de ver, um filme que você torce pelo casal, que você se emociona. Mas também é um filme que vai ter de batalhar para encontrar seu público, só que tenho certeza que todas as pessoas que conseguirem chegar até o filme vão se encantar. Isso mostra que quanto mais espaço a gente tiver, mais filmes saírem, mais público teremos. O Brasil ainda é um País que sofre com a falta de salas, principalmente no interior. A televisão brasileira ainda exibe poucos filmes nacionais, algo que está mudando aos poucos. Só que digo sempre que o filme tem vida longa. Por mais que ele não seja um estouro de bilheteria no cinema, depois ele vai para DVD, streaming, vai passar na TV fechada e, por último, na aberta. Os filmes têm sim vida longa, e isso é gostoso.Papéis diferentes são sempre bem-vindos, mas aceitar fazer um carioca totalmente estereotipado justamente para brigar com uma paulista, que é o caso de 'Ponte Aérea', é mais do que isso. Eu sei que você é muito amigo da Julia Rezende (diretora do filme) e do Silvio Guindade (marido de Julia e o melhor amigo do personagem Bruno no filme). Isso, de alguma forma, fez você, um paulista, aceitar o desafio de ser esse carioca da gema?(Risos) Olha, teve um pouco da influência da amizade sim (risos). Eles ficaram fazendo aquela sedução do personagem o tempo todo. Mas não foi só isso. Eu sou conhecido como um paulista que vive no Rio, eu sou o estereótipo do paulista vivendo no Rio. Muitas vezes você vai me ver andando de calça jeans no calçadão, e outras coisas do tipo. Então fazer o Bruno foi realmente o inverso do que eu sou, porque eu me tornei um carioca que acaba conhecendo e se conectando com São Paulo por conta de um amor. Foi difícil fazer o sotaque carioca. É um desafio enorme fazer aquele “s” chiado, até porque esse “s” nos ouvidos do paulista é quase um atentado terrorista. Reproduzir esse sotaque foi difícil, mas o estilo de vida não, porque estou habituado com tudo, conheço muito bem. Conheço, inclusive, muitos caras que vivem como o Bruno, que trabalham um pouco com design, com artes plásticas, gostam de frequentar a praia a noite, dividem apartamento com amigos. Esse clima é próximo da minha realidade, tenho amigos assim, e o Bruno poderia perfeitamente ser um dos meus amigos.Você morou e teve uma forte ligação com Campinas. Ainda visita a cidade, tem amigos?Eu fiquei alguns anos casado com uma moça de Campinas (a cantora lírica Ana Ariel), morei alguns anos na cidade, mas era essa coisa difícil de ponte aérea, como no filme, porque eu tinha que trabalhar no Rio e voltar correndo para Campinas. É difícil isso para mim, porque você nunca está onde quer estar. Se está com a família se preocupa com o trabalho. Quando está trabalhando, só pensa na família. Mesmo assim foi bom, porque Campinas é uma cidade adorável, principalmente a região de Barão Geraldo, onde eu morava. Tenho grandes amigos lá até hoje, vez ou outra eu apareço por lá. A gente gravou uma cena de Ponte Aérea em Campinas, sempre participo do Festival de Paulínia, quando tem, no último eu apresentei um filme, inclusive, então arrumo tempo para passar pela cidade. É bom.Não tem como não falar da enorme repercussão do fim da novela 'Império' e sobre seu personagem, que acabou se revelando o grande vilão. Foi uma surpresa atrás da outra inclusive para vocês do elenco?Foram surpresas enormes, eu diria. Eu só soube que assumiria esse personagem do Fabrício Melgaço na semana final. Estou sendo muito honesto, nenhum dos atores sabia quem seria o vilão, mas quando descobri que eu teria essa função, foi um barato. A sequência da descoberta foi muito bem escrita, muito bem pensada, e o final foi ainda mais surpreendente, um dos finais de novela mais impactantes dos últimos anos. Foi emocionante fazer e, sem dúvida, é um papel que vai ficar marcado na minha carreira.A fotografia do último episódio foi incrível, inclusive a cena da morte do Comendador. Isso te anima a continuar no formato e diminuir o ritmo no cinema?'Império' foi realmente uma novela muito caprichada, com um final surpreendente. Mas eu faço novela porque eu gosto mesmo. A novela faz parte da vida dos brasileiros, as pessoas acompanham os personagens como se eles fizessem parte de suas vidas, e sofrem quando a trama acaba. É algo muito típico da gente, um dos produtos mais importantes da nossa cultura, tanto que ninguém faz novela como a gente. E Império se superou no quesito realização. Nos últimos episódios, ela ficava duas horas no ar. Ou seja, praticamente um longa-metragem que você faz todo dia. Para isso, você tem que ter uma estrutura muito grande e atores muito bem preparados. A equipe precisa ser afiada para poder entregar com aquela qualidade duas horas de programação todo dia. O brasileiro é um maluco de conseguir fazer novela.E o que vem por aí?Um descansinho. Eu mereço.

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