CINEMA

Cota de tela: o que é, qual a sua importância e o que muda com ela

No último dia 15, o presidente Lula sancionou o projeto de lei que prevê espaço obrigatório para filmes nacionais nas salas de cinema

Aline Guevara/ [email protected]
29/01/2024 às 09:12.
Atualizado em 29/01/2024 às 09:12
No último dia 15 de janeiro o presidente Lula sancionou o PL que recria a cota de tela (freepik)

No último dia 15 de janeiro o presidente Lula sancionou o PL que recria a cota de tela (freepik)

A cota de telas para o cinema nacional voltou a ser uma realidade. No último dia 15 de janeiro o presidente Lula sancionou o PL nº 5.497/19 que recria a cota de exibição comercial de obras brasileiras nas salas de cinema, estendendo o prazo de obrigatoriedade até 31 de dezembro de 2033. A regra tinha perdido a validade em 2021, quando não foi prorrogada.

Segundo o texto do projeto de lei, a medida visa garantir "a variedade, a diversidade, a competição equilibrada e a permanência efetiva em exibição de obras cinematográficas brasileiras de longametragem em sessões de maior procura". O descumprimento pode resultar em multa correspondente a 5% da receita bruta média diária de bilheteria do complexo até o limite de R$ 2 milhões. Mas o que isso significa e o que altera para os cinemas brasileiros, inclusive para os de Campinas?

O QUE É

A cota de tela é uma medida que obriga os cinemas a exibirem durante um número mínimo de dias títulos do cinema nacional, determinados por decreto presidencial anualmente, prevendo uma diversidade de obras em cartaz e pode até determinar um limite de ocupação de salas num único lugar por um mesmo filme. De acordo com o professor de Produção em Cinema da Unicamp, Noel de Carvalho, a regulação será proporcional. "Em um cinema que tem mais salas vão ter mais sessões de cinema nacional, aqueles que tiverem um menor número vão precisar de menos".

A COTA É ANTIGA

Esse projeto de lei não é novidade. Na verdade tem quase 100 anos, pois começou com Getúlio Vargas, em 1932, e foi fortalecido posteriormente em 2001 na gestão Fernando Henrique Cardoso. Mas em 2021, quando deveria ter sido renovada, a medida foi deixada de lado em 2021 pelo governo Bolsonaro. "Foi um governo que - isso é fato - não estimulou e ainda travou muito a cultura brasileira e leis de incentivo. Também tivemos a questão da pandemia, pois na época as pessoas não estavam indo ao cinema, e aí tudo ficou parado", aponta Noel. Sem a cota, o que ocorreu foram exibidores priorizando produções internacionais, especialmente dos EUA, e quando haviam filmes brasileiros em cartaz, estes acabavam em sessões com horários antes das 16h.

PROTEÇÃO DO CINEMA E ECONOMIA NACIONAL

O coordenador de comunicação da Câmara Temática do Audiovisual de Campinas (CTAv) e produtor de cinema Adriano Meneses acredita que vale usar o senso crítico para analisar a situação. "A sala de cinema está no Brasil, em estados e cidades brasileiras, e o produto brasileiro não encontra um mínimo de espaço aqui". Ele pontua que mesmo diretores premiados, reconhecidos internacionalmente e até votantes do Oscar, como a cineasta Anna Muylaert (que está com o "Clube das Mulheres de Negócios" com previsão de estreia para 2024), têm dificuldades para distribuírem seus filmes.

"Mas não é só a vontade do diretor. Ter o filme nacional no cinema é valorizar a cultura brasileira, gerar a identificação do público com aquela obra que fala do nosso país e nossa população. Além disso, a medida ainda protege toda uma cadeia enorme de milhares de profissionais brasileiros do audiovisual que giram essa economia criativa dentro do Brasil", detalha Adriano.

OUTROS PAÍSES FAZEM O MESMO

A política de cotas de telas não é exclusividade brasileira. Países como França - que está com "Anatomia de uma Queda", vencedor do Festival de Cannes, indicado a seis Oscars - é um deles. Coréia do Sul, que em 2020 venceu o Oscar de Melhor Filme com "Parasita" e vê o sucesso de suas séries no streaming, é outro. O projeto de lei, somado a muitos incentivos à produção audiovisual fortalece muito o mercado interno destas nações e projeta o cinema e as séries locais para o restante do mundo. "Você liga a TV na França e vê cinema francês. Você não liga a TV brasileira e vê cinema nacional", afirma o professor universitário.

DESVALORIZAÇÃO HISTÓRICA

Noel explica que historicamente a indústria do cinema brasileiro não recebeu o mesmo incentivo como cultura voltada para as massas, para grande população, como a televisão recebeu. "E quem preencheu os cinemas, uma vez que não tínhamos uma estrutura capitalista na indústria do cinema brasileiro para ocupar esse mercado? O cinema estrangeiro", conta o professor da Unicamp. Adriano vai além, pois ele acredita que no geral a população brasileira tende a valorizar mais o que vem de fora do país em detrimento do que é produzido aqui. "Isso vai passando de geração em geração, a ideia de que filme brasileiro é ruim ou que é coisa para intelectual. A pessoa vai consumindo a vida inteira assim, é ensinado assim, e continua reproduzindo. Isso é uma questão de educação também", acrescenta o produtor.

O LADO DAS EXIBIDORAS

Algumas exibidoras questionam essa obrigatoriedade da exibição de filmes brasileiros e a aplicação das multas em caso de descumprimento do PL. Segundo Noel, caso exista prejuízo para os donos de empresa, poderia sim haver um aumento de valor de ingresso como forma de compensação. "Existe um custo de manutenção da sala que precisa ser suprido, de marketing também. E quem tem uma sala não está vendendo cultura, mas sim pipoca, refrigerante, quer o lugar cheio para ganhar dinheiro". Em uma opinião pessoal, o docente da Unicamp acha que o filme nacional que deveria ter destaque é sim aquele que atrai público.

UM PROBLEMA MAIOR

Tanto Noel quanto Adriano acreditam que a cota de telas sozinha não resolve a valorização do cinema nacional e que a questão é ampla. Segundo o professor, é preciso foco em ações ligadas ao streaming, que permite muito mais espaço para a produção nacional e distribuição de verbas para a produção audiovisual. "Hoje as pessoas vêem muito menos TV, mas assistem no streaming", aponta ele. Adriano complementa: "Estamos vivendo um momento de fomento para o setor da cultura, mas ainda dependemos do humor dos gestores e também da divulgação na mídia, que acaba muitas vezes seguindo só uma agenda. A cota de telas é importante, mas só um passo que é dado."

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