JOÃO BARONE

Correio entrevista baterista do Paralamas

Músico lançou livro que transita pela literatura para expor seu fascínio pela Segunda Guerra Mundial

Marita Siqueira
04/07/2013 às 12:14.
Atualizado em 25/04/2022 às 09:53

As “baquetas mais velozes da América Latina” de João Barone, conforme disse certa vez Hebert Vianna, não bastaram para que o baterista do Paralamas do Sucesso conseguisse canalizar sua inquietação artística. A serenidade visível na personalidade do artista, que talvez o torne incapaz de entrar num campo de batalha, não tira, no entanto, suas preocupações quanto a assuntos políticos e sociais. Assim, paralelamente à sua carreira de 30 anos com o Paralamas do Sucesso, transita pela literatura para expor seu fascínio pela Segunda Guerra Mundial.

Em 2009, o carioca Barone, de 50 anos, lançou o livroA Minha Segunda Guerra (Pandas Books), a partir de relatos que havia ouvido desde a infância do pai, um ex-combatente. Agora, traz1942: O Brasil e sua Guerra quase Desconhecida (Nova Fronteira), sobre a presença brasileira no conflito, seus mitos e confusões abordados a partir de pesquisas em livros e documentos. Na semana passada, Barone fez o lançamento da obra na Livraria da Vila, no Galleria Shopping, em Campinas, onde conversou com oCaderno C sobre guerra, o hobby de restaurar veículos militares e, claro, música.

Caderno C — Você e seus irmãos cresceram ouvindo histórias de guerra?

João Barone — Sim, mas meu pai contava as coisa mais elementares e politicamente corretas do que era a guerra. Me lembro dele falar que era uma coisa horrível, via muita gente sofrendo. Isso nos dava uma dimensão real do que era a guerra, não aquilo que passava na televisão e no cinema, o mito de Hollywood do soldado-herói. Meus irmãos chegaram a perguntar se ele tinha matado alguém. Ele respondeu que nunca. O que fazia era dar um tiro para cima e os alemães já vinham com as mãos para cima. Crescemos com o ideal de um pai “herói silencioso”.

E esse fascínio foi para além da literatura. Você coleciona carros daquela época?

Na verdade, uma coisa foi levando a outra. Há 10 anos, eu decidi restaurar um jipe da 2 Guerra. Aliás, o jipe foi uma dessas muitas invenções da guerra que sobreviveram em tempo de paz e são muito importantes, assim como a penicilina, nylon, foguete, radar, até a própria energia nuclear. Enfim, eu comecei com essa brincadeira de colecionar jipe, comprei o primeiro, o segundo. Agora eu estou reformando uma picape usada nas bases americanas no Recife para fazer a patrulha do Litoral

Esses veículos são usados no cotidiano ou ficam guardados?

Uso, uso sim. Mas são veículos de coleção. Estão mais para o “antigomobilismo” do que para fazer trilha e tal. A brincadeira é restaurar o veículo com toda sua originalidade, inclusive vai uma placa preta especial do Detran (Departamento Estadual de Trânsito)apenas concedida para um colecionador. E como eu disse, uma coisa vai levando a outra. Como esse negócio da gente se agregar nesses clubes e grupo, fizemos uma trabalho de valorização aos antigos combatentes.

Foi fácil encontrar base documental para o livro?

Eu não fiz uma pesquisa para ficar escolado no assunto. Eu venho me deparando com o tema há décadas, desde a infância. Li muitos livros e assisti documentários, com toda a gigantesca oferta de informações que a gente tem. O historiador americano Rick Atkinson diz que nos Estados Unidos existem toneladas de documentos que ainda não foram liberados sobre a 2 Guerra Mundial. Então, existe muito ainda para ser descoberto.

Ou seja, existem interesses por trás disso.

Sem dúvida. Está fazendo 70 anos que a guerra acabou. Geralmente, em 50 anos os documentos já são desclassificados, liberados para pesquisas e avaliação pública. Acredito que ainda tenha muita coisa interessante para vir à tona. Há pouco tempo, vieram fatos contundentes de que os aliados conheciam os códigos secretos alemães e interceptavam. Isso ajudou a abreviar a guerra enormemente. Quem gosta do tema sempre espera por algo mais. E tem os oportunistas também, que acreditam que Hitler fugiu para a Argentina. Isso é pior que acreditar em ET.

Você fez o “turismo da guerra” pelos campos de concentração?

Não, porque eu não tenho interesse nessas páginas mais pesadas da guerra. Já estive na Alemanha e vi como a guerra ainda é um tabu para eles e, ao mesmo tempo, querem que ninguém esqueça o que aconteceu. Há um monumento muito bonito em Frankfurt com o nome de todos dos campos. Os alemães têm uma relação muito séria com a herança da guerra. Sou contra qualquer revisionismo do Holocausto. Foi algo hediondo, terrível, que nada vai alterar isso.

Você serviu o Exército?

Graças a Deus, não. Quando me alistei havia excesso de contingente, para minha sorte. Acho valiosa a carreira militar, mas nunca pensei em fazer isso.

Chegou a ir para rua em algum protesto?

Estamos viajando, mas também não acho que estou nesse contexto de se manifestar na rua. Tem muita gente já fazendo isso muito bem, então eu achei mais importante ficar em casa cuidando do meu filho. Valorizo e inclusive damos recados nos nossos shows há 30 anos. Vimos as pessoas pedirem o congelamento dos preço, as Diretas Já, os caras-pintadas. Enfim, agora é muito bom, um alívio, ver que não existe essa passividade da sociedade brasileira.

Política é um assunto que te envolve?

Meu interesse por política não é nada diferente do que qualquer brasileiro tem hoje em dia de reconhecer que a gente não deveria estar aonde está, com essa fachada que querem vender de que somos a sexta potência do mundo. A Fifa vem aqui e manda a gente reformar os estádios, e agora só tem rico que pode entrar. Então, o futebol não é mais do povo. Só a elite tem acesso. Tem alguma coisa que não está fechando.

Se você estivesse no estádio de Brasília na abertura da Copa das Confederações, engrossaria a vaia para a presidente Dilma Rousseff?

Talvez não por não me sentir tão algoz a ponto de fazer isso. Não teria esse ímpeto de jogar tomate em alguém. Acho que alguém vai jogar, mas eu prefiro assistir.

Com relação aos Paralamas do Sucesso, existe algum novo projeto em vista?

Seguiremos até o final do ano, pelo menos, com a turnê dos 30 anos, que eu acho um dos melhores shows que colocamos no palco, muito bem planejado com recursos que nunca usamos. Tem um telão de led enorme, e praticamente um clipe para cada música, criando identidade individual. Direção brilhante de Cláudio Torres e Batman Zavarese. Topamos fazer algo especial para os nosso fãs, quem nos deu esse aval ao longo de todos os anos.

Depois de uma turnê comemorativa, há sempre a expectativa de um álbum de inéditas.

Ano que vem a gente deve trabalhar num álbum novo. Íamos rever algumas inéditas do Hebert (Vianna, vocalista) quando veio a ideia dos 30 anos, mas em breve voltaremos a trabalhar em um próximo de inéditas. Antes disso, estamos pensando em alguns relançamentos dos sucessos.

Qual a influência do The Police para você e para o Paralamas?

Muito grande. Devo ao baterista Stewart Copland meu reencontro com a música. Eu era um beatlemaníaco frustrado porque a banda tinha acabado sonhava com o retorno que jamais iria acontecer. Fui atrás do que a música tinha para me oferecer e descobri coisas legais. O Police estava nesse contexto. Quando eu e Hebert começamos a tocar, tínhamos o apreço pela herança punk em comum.

E referências de bateristas, você pode citar algumas?

Ringo Starr (dos Beatles), que para mim foi o cara mais importante na descoberta do rock. Não concordo com muitas pessoas que dizer que Ringo só estava no lugar certo e na hora certa. Ele era ótimo, não era um baterista circense nem altamente técnico. Tinha a grande virtude de saber se colocar numa grande banda.

Então a alta capacidade técnica não é o principal para um baterista?

Também não. Da mesma forma, o Mick Jagger dizia que se a banda não tivesse um bom baterista jamais iria adiante. Acho que a música tem muitas formas de expressão e de impressão. Cabe falar aqui do John Bonham (1948-1980). Ele era tão importante que quando morreu o Led Zeppelin acabou.

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