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Cinquenta anos sem Oscarito

No cinquentenário de sua morte, em 4 de agosto de 1970, é hora de redescobrir a graça de Oscarito

Estadão Conteudo
Estadão Conteúdo
06/08/2020 às 13:01.
Atualizado em 28/03/2022 às 19:30
Natural de Málaga, Oscarito veio para o Brasil com a família circense e estreou no picadeiro ainda criança (Divulgação)

Natural de Málaga, Oscarito veio para o Brasil com a família circense e estreou no picadeiro ainda criança (Divulgação)

Com nome de monarca espanhol, ele virou rei da comédia brasileira. Oscar Lorenzo Jacinto de la Inmaculada Concepción Teresa Diaz nasceu em Málaga, em 1906, e morreu em 1970 no Rio de Janeiro, conhecido "apenas" como Oscarito. Há 50 anos ele nos deixava, no dia 4 de agosto de 1970. Toda uma página da história do cinema brasileiro pode ser contada pela trajetória de Oscarito, protagonista de um tempo em que o cinema brasileiro era de fato popular e as comédias cariocas atraíam milhões de pessoas aos cinemas. Oscar Lorenzo veio ao mundo no dia 16 de agosto de 1906 na cidade andaluza de Málaga, sendo assim conterrâneo de Pablo Picasso e Antonio Banderas. Chegou cedo ao Brasil, a tempo de virar carioca da gema. Filho de uma família circense, que emigrou para trabalhar em espetáculos de variedades, tinha apenas um ano ao chegar no Rio de Janeiro. Desde criança o picadeiro foi seu ambiente familiar. Conta-se que aos 4 ou 5 anos já atuava em quadros cômicos com a família. Crescendo, passou pelo rádio e o teatro de revista. Na peça Calma, Gegê, de 1932, estreia com nome artístico afrancesado, Oscarito Brenier. E, claro, acabou por chegar ao cinema, com uma primeira aparição nas telas em A Voz do Carnaval, de Adhemar Gonzaga, em 1933. Seria na Atlântida, porém, que Oscarito, em protagonismo solo, ou em dupla com Grande Otelo, conheceria seus maiores sucessos. Em Nem Sansão nem Dalila (1954), de Carlos Manga, paródia de Sansão e Dalila (1954), de Cecil B. DeMille, ele é empregado no salão de beleza Dalila. Vê-se transportado para a antiguidade por uma máquina do tempo. Torna-se um colosso, cuja força reside na peruca obtida em troca esperta com o verdadeiro Sansão. A graça da paródia reside tanto na plasticidade interpretativa de Oscarito, seu corpo maleável e expressão malandra, quanto nas referências à política brasileira. Em campanha eleitoral, Sansão se dirige aos "trabalhadores de Gaza" com as mesmas palavras e inflexão de Getúlio Vargas quando se endereçava aos "trabalhadores do Brasil". O tom crítico da paródia encontra em Oscarito seu intérprete ideal. Talvez o mais bem acabado exemplar seja O Homem do Sputnik (1958), também dirigido por Carlos Manga. Para mostrar como a chanchada era antenada em acontecimentos importantes da atualidade, basta lembrar que no ano anterior a União Soviética havia lançado o Sputnik 1, primeiro satélite artificial a orbitar em torno da Terra. A façanha pôs mais fogo na já incandescente Guerra Fria e desencadeou a corrida espacial entre as duas superpotências. Na história, um estranho objeto aéreo cai dos céus, e justamente em cima do galinheiro do sr. Anastácio (Oscarito). Ele e a mulher (Zezé Macedo) acordam com o estrondo numa noite de chuva. Anastácio constata que o objeto havia matado suas duas melhores galinhas. Mas não tem importância, pois logo o casal descobre que o artefato pode ser valioso, folheado a ouro. Sua venda pode mudar a vida do casal de caipiras. Se Oscarito já era ótimo, em dupla com Grande Otelo ficava ainda melhor. O par foi formado em Tristezas não Pagam Dívidas (1943) e consolidou-se em atuações memoráveis. Em Carnaval no Fogo (1949), uma sequência de antologia, com Romeu (Oscarito) fazendo sua declaração de amor ao pé do balcão de Julieta (Otelo), em farsa paródica de Shakespeare, com direito à peruca loira de Otelo. Ou em Matar ou Correr (1954), paráfrase do western clássico de Fred Zinnemann, Matar ou Morrer (1952). Em dupla com Grande Otelo, os dois atingiram o chamado "estado da arte" - o ponto mais alto da interpretação cômica. O crítico Alex Viany descreve dessa forma a força da dupla: "Oscarito, com suas caretas e seus passinhos de urubu malandro, Otelo com seu gênio trágico-satírico, representavam um fenômeno de comunicação popular, apreendendo o jeito de falar e agir, de pensar e sonhar, do típico malandro do Rio de Janeiro". Adorada pelo público, que se via nela representado, a chanchada, com suas paródias, heróis e vilões, galãs e mocinhas, era malvista por intelectuais e críticos. O maior detrator do gênero era o crítico Antonio Moniz Vianna, do diário Correio da Manhã. Achou Matar ou Correr um escândalo, com cenas "chupadas" dos faroestes que tanto amava. Já quem empregava Oscarito não via motivo para queixas. O dono da Atlântida, Luiz Severiano Ribeiro Jr., costumava dizer que Oscarito era "uma mina de ouro". Comparado com frequência a Chaplin, Totò e Cantinflas, Oscarito era mesmo um mestre em sua arte. Rosto e corpo "falam" mais que os diálogos e, além disso, era um ás do improviso. Para conferir seu talento, basta assistir a uma sequência de Os Dois Ladrões, quando, vestido de mulher, faz a famosa cena do espelho com Eva Todor, uma citação explícita de Hotel da Fuzarca, dos irmãos Marx. O público o adorava. Desprezada pela crítica em sua época, mais tarde a chanchada seria reabilitada e hoje é estudada a sério. Sérgio Augusto lançou em 1989 um livro referencial, Esse Mundo é um Pandeiro. O professor da Universidade Federal Fluminense, João Luiz Vieira, tem dedicado estudos ao gênero. São apenas dois exemplos.

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