Rodado 80% nos estúdios de Paulínia, "Colegas", venceu Gramado e abriu o Festival do Rio
O publicitário e cineasta Marcelo Galvão (Divulgação )
O publicitário e cineasta Marcelo Galvão, de 39 anos, nasceu no Rio de Janeiro, porém veio para Campinas com três meses. Os pais médicos, que ainda residem na cidade, queriam um lugar mais tranquilo para criar os filhos. E Marcelo viveu em Campinas até os 17 anos antes de se mudar para São Paulo, para onde foi estudar publicidade. “Posso dizer que Campinas é minha primeira cidade, pois foi o lugar onde moldei minha personalidade”, afirma o diretor, que estreia amanhã em todo o País seu longa-metragem Colegas, com três atores com síndrome de Down. Porém, ressalva, o filme não fala sobre pessoas com Down, mas sobre sonhos.
Rodado 80% nos estúdios de Paulínia e na Região Metropolitana de Campinas (RMC) — Escola de Cadetes, Instituto Agronômico e distrito de Sousas, entre outros lugares —, o filme participou de vários festivais no Brasil (venceu Gramado e abriu o Festival do Rio, ambos em 2012) e no Exterior, como o de Moscou e Trieste (Itália), com destaque para os prêmios de público, demonstrando que tem vocação popular. Em Gramado, foi aplaudido em cena aberta e, ao final, em pé — algo incomum. “Tem sido assim na maioria dos festivais”, afirma o diretor, que também produziu, roteirizou e editou o filme. Orçado em R$ 6 milhões, a produção também teve como cenário a praia de Torres (RS) e a cidade de Buenos Aires, dando-lhe o caráter de road movie.
Com Ariel Goldenberg, Rita Pokk (casados na vida real) e Breno Viola, Colegas narra a história de três amigos com síndrome de Down que tentam realizar os respectivos sonhos e, para isso, terão que superar as limitações: Stalone (Ariel) quer ver o mar pela primeira vez, Márcio deseja voar como um pássaro e Aninha espera arrumar um bom partido e se casar. Um dia, tendo como ponto de partida o filme Thelma & Louise (Ridley Scott, 1991), os três pegam um carro e fogem do orfanato onde vivem. A história é narrada pelo jardineiro da instituição, interpretado por Lima Duarte.
Nesta entrevista, Marcelo Galvão fala de preconceito, das dificuldades de conseguir patrocínio (além do aporte do Polo Cinematográfico de Paulínia, ele recebeu dinheiro de quase duas dezenas de empresas), e da campanha “Vem Sean Penn” lançada em 6 de fevereiro (o sonho real de Ariel era trazer o ator americano para a estreia do filme), que mobilizou redes sociais, imprensa em geral e até políticos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Aécio Neves (PSDB), que gravaram mensagens de apoio. A seguir, trechos da entrevista.
Correio Popular— A recepção do filme no 40º Festival de Gramado, no ano passado, deixou claro para você que Colegas tem apelo popular?
Marcelo Galvão — Eu sempre faço filmes populares, até porque nosso cinema é incentivado. Mas o público de Gramado referendou essa impressão, pois o aplaudiu em pé; a receptividade foi impressionante. Só me surpreendeu o fato de não ter ganhado o troféu Kikito do público (em Gramado esse prêmio é dado por jovens interessados em cinema escolhidos por diversos jornais do País), pois tal prêmio se repetiu em vários festivais no Exterior. Sim, Colegas é um filme popular e divertido e que agrada muito as pessoas.
O mercado de filmes brasileiros se divide atualmente em comédias muitas vezes apelativas que alcança alguns milhões de espectadores e filmes, digamos, de “arte”, que poucos veem. Onde entra Colegas nesse mercado?
Nossa expectativa é que o filme consiga uma bilheteria em torno de 1 milhão de espectadores, mas acho que ele vai chegar a esse público pelo boca a boca. Obtivemos intensa mídia espontânea, o que não é comum, participamos de muitos festivais e ganhamos prêmios. Tenho a impressão de que ele será recomendado sem medo pelas pessoas que o assistirem. Além de não ser apelativo, como muitas comédias brasileiras, ele é um produto diferente. Mas eu o acho um filme de arte e despretensioso, que não levanta bandeiras. Eu o colocaria na mesma linha de Pequena Miss Sunshine (Jonathan Dayton e Valerie Faris, 2006) e Forrest Gump - O Contador de Histórias (Robert Zemeckis, 1994).
E qual foi a estratégia de lançamento desse produto “diferente”?
Sempre estivemos atentos ao público chamado de formador de opinião. Para isso, fizemos exibições em escolas, instituições, festivais, públicos específicos de crianças, de terceira idade, de jovens. E essa estratégia tem funcionado. Na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em 2012, ganhamos o Prêmio da Juventude, que veio justamente de grupos de estudantes. Mostramos o filme, seguido de palestras, para crianças de menos de 10 anos, menos de 13, e a receptividade tem sido impressionante. Miramos também no exemplo de O Palhaço (Selton Mello, 2011, que começou pequeno, com poucas cópias e chegou a 2 milhões de espectadores, movimento também feito pelo boca a boca.
Assim como aconteceu com Tropa de Elite (José Padilha, 2007), em que os temas levantados foram mais debatidos que o próprio filme, você acha que o tema de Colegas é maior que o filme?
Sim, é maior, mas isso não lhe tira o mérito. Se ele consegue mobilizar pessoas é porque tem potencial cinematográfico, pois traz um tema universal que dialoga com o mundo todo. Por is
Mas você acredita que Colegas gere debates sobre pessoas com Down?
Já tem gerado e muitos debates. Temos percebido que ele toca especialmente aqueles que têm preconceito contra os Downs, o que é pura ignorância. Mas tenho tentado enfatizar este aspecto de que são pessoas com síndrome de Down, mas antes de tudo são atores interpretando personagens e fazendo o público rir.
E como tem sido a receptividade de instituições ligadas ao tema?
Hoje são só elogios, especialmente de pais que descobriram outra faceta dos filhos. Ouvi comentários do tipo: “Sempre vivi para meu filho, mas nunca pensei que ele também tivesse os próprios sonhos”. Outros tiveram nova visão do filho com Down. Um pai tinha acabado de ter o filho e me confessou que estava sem chão. Depois, ao ver o filme, disse que sentia orgulho do filho. Em Gramado, ouvi pessoas me dizerem que o filme tinha mudado a vida deles apesar de não terem ninguém conhecido com síndrome de Down.
Você disse, hoje. Por quê? Antes não houve apoio?
Quando estava em processo de captação de recursos eu não obtive apoio, especialmente porque os atores aparecem com armas de brinquedo e isso lhes pareceu inadequado. Na verdade, eu precisava de cartas de apoio para conseguir financiamento de empresas, mas ouvi muitos nãos. Agora, essas mesmas instituições embarcaram no projeto, pois entendem que todo o processo tem sido benéfico para o trabalho delas.
Sua inspiração veio de um tio que era Down?
Sim, um tio que morava no Rio de Janeiro e com quem eu passava minhas férias. Ele ficava três meses por ano com a gente e sempre foi muito legal esse contato. Ele tinha um coração gigante e uma alegria enorme, que são características dos Downs (o tio, chamado Márcio, morreu em 2011 com mais de 50 anos).
Como você recebeu as críticas (especialmente nas redes sociais) de que vocês estariam usando o Ariel Goldenberg apenas para promover o filme com a campanha “Vem Sean Penn”?
Não ligo para os críticos, leio os amigos e aqueles que estão interessados em contribuir positivamente para alguma coisa. Ora, promoção de filmes todos os produtores fazem. No caso da campanha, foi o próprio Ariel quem tomou a iniciativa. Ele se lembrou do sonho dele de conhecer Sean Penn, e o aliou ao contexto do filme — que é buscar um sonho. Ele é um rapaz dinâmico, que toma iniciativas. Pelo menos R$ 500 mil do orçamento foram conseguidos por ele. E o vídeo foi visto por 1 milhão de pessoas em três dias. Claro que promove o filme, pois deu enorme repercussão na imprensa em todos os segmentos. E não tenho nenhum problema em capitalizar para o filme algo positivo, pois estamos fazendo algo em que acreditamos. Fizemos a promoção sobre ele, mas promovendo o garoto visando acabar com o preconceito. A prova de que estamos certos foi o apoio recebido de famosos de todas as áreas, de artistas a políticos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador Aécio Neves. Na verdade, os méritos são todos do Ariel.
E como está a campanha?
Está bombando na internet. Até entrevista para uma rádio em Londres eu dei. E tudo o que sabemos é que Sean Penn tomou conhecimento da campanha — isso foi dito por pessoas próximas a ele. Ele certamente assistiu ao vídeo, que tem legendas em inglês, mas se virá ou não ou se gostou, é outra história.
Por que o público ri quando assiste ao filme?
Porque desmitifica as pessoas com Down e quebra a regra de raciocínio. Eles deveriam personificar o lado fraco da história, mas não. São os policiais, supostamente a força, que são passados para trás por causa da esperteza do trio. E, em dado momento, fica explícito o preconceito, quando um dos policiais fala em “pegar esses retardados”. Existe, portanto, essa mudança de registro; e o público torce por eles, pois são os heróis.
Você citou que as entidades se recusaram a dar cartas de apresentação ao filme porque os meninos aparecem com armas de brinquedo e assaltam estabelecimentos e lesam várias pessoas. Não entra uma questão ética nesse contexto do filme? Quer dizer, se não fossem pessoas com Down, eles poderiam ser presos.
São armas de brinquedo, ninguém corre perigo por conta delas. E a história é narrada pelo personagem interpretado pelo Lima Duarte, ou seja, nem sabemos se o que ele conta é verdade ou não. Na narração desse personagem, o trio está tendo uma performance artística, está atuando e não tem uma atitude agressiva.
Seu próximo projeto também trata da questão dos Downs. É um documentário sobre os atores?
Não, é sobre as mães dos atores. Chama-se Três Vidas e um Sonho. As três mães (do Ariel, da Rita e do Breno) contam como foi conceber crianças com síndrome de Down, as dificuldades (todas se separaram por causa disso), os preconceitos, e de como os três atores são resultado dessa vivência. E elas contribuíram muito para que eles fossem o que são hoje. O lançamento deverá ser no meio do ano, provavelmente em festivais.
Você tem quatro longas, dois ficções e dois documentários (Quarta B, de 2005; Bellini e o Demônio, de 2007; Como Fazer um Longa sem Grana, de 2007; e La Riña, de 2008). Mas todos tiveram (ou não tiveram) precária distribuição e mal chegaram (apenas Bellinichegou) às salas de cinema. Colegas pode ser considerado seu primeiro grande lançamento como diretor?
Sem dúvida. É o meu primeiro filme incentivado a chegar aos cinemas comerciais. E o lançamento amanhã deverá ser de cerca de cem cópias em todo o País.