ENTREVISTA

Cid Moreira se prepara para encarar um novo desafio

Aos 86 anos, o jornalista e eterno 'âncora' da Rede Globo resolve apostar na carreira de dublador

Fábio Trindade
07/11/2013 às 15:56.
Atualizado em 26/04/2022 às 11:44

Não há quem não conheça sua voz grave e singular. Afinal, foi justamente ela que o tornou nacionalmente conhecido há mais de seis décadas. E são muitas as associações que se pode fazer quando se fala em Cid Moreira, um dos mais renomados e respeitados jornalistas do País. Alguns lembram da época que ele apresentava o 'Jornal Nacional' — de 1969 a 1996, sendo um recordista como âncora que mais tempo esteve à frente de um mesmo telejornal. Outros dos tempos em que o jornalista declamava mensagens no final do 'Fantástico'. Ou mesmo por suas vinhetas cômicas, como “O que é isso, Mister M?”, e as famosas “Jabulaaani” e “Ah não, Mick Jagger!”, narradas nas reportagens para a Copa do Mundo de 2010. Porém, seu maior reconhecimento vem das gravações em áudio da 'Bíblia' na íntegra e em linguagem atual, CDs que alcançaram um imenso sucesso de vendas, com 30 milhões de cópias. Aos 86 anos, Cid Moreira vai encarar um novo desafio: está fechando contrato com a Paramount para dublar o personagem-título da continuação de 'O Âncora - A Lenda de Ron Burgundy', que no Brasil deve se chamar 'O Âncora 2 - Tudo por um Furo'. Correio Popular — É o primeiro trabalho que o senhor faz de dublagem no cinema?Cid Moreira — É um convite bem diferente. Fiz narrações no cinema, algo assim, há muitos anos, numa época que tudo era analógico, não existia nada digital. Sempre gostei muito de gravar, gosto mais do que qualquer coisa, tanto que tenho um estúdio em casa. Tenho esse espírito desde garoto. Meu primeiro trabalho foi ficar na frente de uma loja como olheiro, lá em Taubaté. Era uma loja de tecidos e se alguém pegava alguma peça eu corria atrás da pessoa. Comecei assim. Bom, meu pai era gerente de um clube e quando tinha bailes, eu o ajudava na limpeza desde garotinho. Ou seja, sempre trabalhei. O senhor lançaria agora no segundo semestre um site na Globo.com com tudo o que o senhor fez, desde a época do 'Jornal Nacional' até o lado gospel da carreira. Como está esse projeto?Estou tentando lançar esse site há um tempo. O projeto está em andamento, mas foi adiado. Perfeição não existe, mas quero lançar quando estiver seguro com tudo isso. Gosto muito de trabalhar, o trabalho me dá ânimo. Não consigo viver sem trabalhar. Como é a agenda do senhor? Recebe muitos convites para fazer narrações?É intensa. Mas eu gosto. Recebo convites mas só faço o que é compatível, porque tenho contrato de exclusividade com a Globo. Já gravei muita propaganda. Fui a voz do Marlboro por 13 anos. Eu aceitei fazer um trabalho agora bem diferente também. São 365 mensagens, para se ouvir uma por dia, com quase quatro minutos cada. Foi um trabalho intenso que vai ser lançado em janeiro. O prazo foi muito curto. Tive duas semanas para gravar tudo, então eu ficava no estúdio no mínimo sete horas por dia para dar conta. Era tanta tensão, tem toda a interpretação das mensagens, me deu até dor nas costas, no pescoço. Vai ser divulgado pela TV Globo, já está tudo agendado. Se chama 'Janelas para a Vida', são mensagens de um grande pregador chamado Alejandro Bullón. Sempre gostei muito das mensagens dele, pensei em lançar no meu site, mas acabei fazendo um acordo com a casa publicadora dos adventistas. Eles toparam, eu também, gravei, e tudo será lançado. O contrato do senhor com a Globo vencia agora em 2013. Ele foi renovado?Sempre é renovado, renovei para mais três anos, com previsão de mais três, se eu quiser. E como eu tenho 44 anos de Globo, nesse contrato eu tenho várias coisas, inclusive uma verba de divulgação de trabalhos que eu venha a realizar. Espaço, na verdade, para divulgar o que eu gravar. Lancei a 'Bíblia' assim, os salmos, e 'Janelas para a Vida' também vai ter divulgação. Como o senhor vê o jornalismo de hoje em comparação com a época que o senhor começou?Estou fora disso há muito tempo já. Saí em 1996. Acho que no mundo tudo evolui e o jornalismo evoluiu muito. Hoje nós temos o mundo digital que deixa o som e a imagem uma maravilha. O dedo de Deus está sempre lá, melhorando tudo. Tanto que está tudo muito melhor do que no meu tempo. É HD, né? Eu sempre gostei de cinema e na minha época existiam os atores favoritos. Eles não estão mais aí, porém existem outros. É assim com o jornalismo também, os favoritos são outros. O grande sucesso da carreira do senhor é o 'Jornal Nacional' ou o seu trabalho com a 'Bíblia'?Quando eu saí do interior, eu comecei a trabalhar na Band e, já naquela época, eu ganhei uma grande repercussão. As pessoas me reconheciam desde aquela época nas ruas pela voz. E trabalhei lá só dois anos, de 1948 a 50. Depois fui para o Rio e estou lá até agora. Aonde eu fui eu consegui algum sucesso. Evidentemente que a Globo me projetou muito, tanto com o 'Jornal Nacional' quanto com o 'Fantástico'. É um conjunto. Antes disso, eu gravei o 'Cine-Jornal Canal 100', que foi muito popular. Não é da sua época, mas era um sucesso antes das sessões de cinema, acredite. Como foi a transição do jornalismo para a religião?Na capa do LP 'O Sermão da Montanha', feito quando eu completava 25 anos de 'Jornal Nacional', eu escrevi algo assim: “Há 25 anos eu levo a todos os lares do País notícias nem sempre boas que eu tento amenizar com um Boa Noite. Mas, a partir de agora, eu quero levar o Evangelho, que são notícias de Deus, até o meu último dia de vida”. É o que eu venho fazendo até hoje. Eu considero essa a minha última fase. É para onde vai toda a minha dedicação e considero a minha fase áurea. Estou muito satisfeito. O senhor faria vinhetas especiais para a Copa do Mundo do Brasil, já que em 2010 as vinhetas “Jabulaaani” e “Ah não, Mick Jagger!” fizeram um grande sucesso? Isso sempre pinta. Alguma coisa com certeza vou fazer. Só se não tiver nada do tipo. Mas é possível que pinte algo. Eu gosto de fazer esse tipo de trabalho. Como é a tietagem dos fãs? Eles pedem para o senhor falar algumas frases emblemáticas?Sempre acontece. Pedem para eu falar “Boa Noite, Mister M”. Tem gente que me relaciona com Mister M, outros com a 'Bíblia', que é algo que tem aumentado, e é o que me interessa. Eu acabei de assinar um contrato com o aplicativo YouVersion que vai colocar o áudio que gravei da 'Bíblia' para ser baixado. É um aplicativo que tem perto de 100 milhões de acessos no mundo, então a coisa está andando. Mas incomoda o senhor ter esse reconhecimento também por um lado cômico?Não, de jeito nenhum. A coisa toda começou no 'Fantástico' porque no final do programa eu sempre falava um texto sobre alguma reportagem que tinha sido veiculada. Fazia referências para a matéria com uma mensagem. Na época, o diretor Itamar Freitas redigia os textos, ele escrevia muito bem, e aquilo marcou muito. As pessoas esperavam até o final do 'Fantástico' para ver a mensagem. E o Itamar escrevia com total liberdade, não tinha mensagem encomendada, era sempre conforme a matéria. O senhor tem vontade de voltar a fazer algum trabalho do tipo?Não. Hoje a minha fase é outra e estou muito satisfeito. Gosto de dizer que estou investindo no futuro geral. Há planos para lançar outro CD ou DVD ao estilo da 'Bíblia'?Eu gravei salmos, são 150 salmos, tudo em DVD. O primeiro já foi editado. Quem produziu isso, inclusive, foi um diretor da Globo. Ele só editou o primeiro DVD, dos salmos 1 ao 15. São 150 e tenho contrato com ele. Mas acho que já era. Essa fase de CD e DVD já passou, é ultrapassado, não vende mais. Todo mundo copia e vende com facilidade, coloca na internet. Por outro lado, o senhor alcançou 30 milhões de CDs vendidos com a 'Bíblia'...Eu vivi a fase áurea do CD. Eles eram vendidos em bancas de jornal por R$ 3,90. Então foi um sucesso. O produtor tinha 10% dos direitos, eu tinha 2%, um outro sócio tinha 2%. Enfim, foi uma fase que não existe mais. O senhor já deu declarações de que está no spa da Globo, por isso praticamente não faz mais nada para a TV, e que gosta mesmo é de jogar tênis. Ainda pensa assim?Hoje (semana passada) eu bati uma bolinha com o (Fernando) Meligeni (durante uma entrevista para o canal ESPN). Nunca fui um grande tenista, mas jogo desde garoto. Mas jogo só quando tenho tempo. Diariamente, eu faço uma hora de esteira, bicicleta, um pouquinho de peso, alongamento. O que o senhor faz para cuidar da voz?Eu usei durante uma temporada sal-marinho, uma pitadinha, que é sal não refinado. Depois, uma grande cantora me disse que usava cravo-da-índia. É forte, você só coloca na boca, mas isso me provocou uma gengivite horrível. Então parei. Hoje eu só uso gengibre. Uma lasca, boto na boca. Evita resfriado, é ótimo. 'Estúdio I', da GloboNews, completou cinco anos no ar e em uma série para comemorar a data eles relembraram quando o senhor contou que apresentou o 'Jornal Nacional' de bermuda. Como foi isso?Foi num Carnaval. Eu tenho uma casa em Petrópolis, com quadra de tênis e tudo mais. Eu desci normalmente no horário que daria tempo para eu passar na minha casa no Rio para colocar o terno e ir para o jornal. Quando eu saí, o tempo fechou e a estrada que normalmente eu pegava foi interditada, tinha caído alguma árvore, algo assim. Era um temporal. Saí de lá e tentei pegar uma outra estrada, que também estava interditada. Aí tive que ir por Teresópolis, tive que dar uma volta enorme, mas consegui chegar no Rio, porém sem tempo de passar em casa. Na TV, eu tinha um armário só com paletós, camisas e gravatas, mas não titubeei, coloquei isso e fui. O Léo Batista já estava sentado na bancada, como era feriado, tinha pouca gente e ele estava fazendo a parte de esporte. Foi o tempo de ele levantar e eu sentar, apertar a gravata e pronto, estava no ar. Até hoje eu sonho com isso. Ou melhor, tenho pesadelos com isso (risos). Tem alguma outra história que causa pesadelos ao senhor?Quando eu ainda não tinha exclusividade com a Globo, uma vez eu estava gravando no Rio alguma coisa e atrasou tudo. Eu peguei o carro, aquele trânsito, tentando chegar o quanto antes. Fiquei pensando que o (Sérgio) Chapellin já estava lá e qualquer coisa ele segurava as pontas, mas preocupadíssimo com o atraso. Quando, de repente, eu olho para o lado no trânsito e o safado estava ali, preso também. Pensei: estamos fritos. Quando teve um incêndio na Globo e o 'Jornal Nacional' passou a ser ancorado de São Paulo, uma vez também nos encontramos no aeroporto atrasados, os dois. O Santos Dumont fechou e não tinha ninguém lá. O pessoal ficou aflito, a gente não dava sinal. Quando o aeroporto abriu e chegamos em São Paulo, um motorista de táxi voou na água e acabou dando tempo no fim. Mas foi um sufoco.

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