ENTREVISTA

Caruso abre, em SP, temporada de 'Em Nome do Jogo'

Apesar de não ser campineiro, o artista, por diversas vezes, defendeu a cultura de Campinas

Fábio Trindade
04/04/2013 às 13:47.
Atualizado em 25/04/2022 às 21:48
O ator, autor, produtor e diretor Marcos Caruso durante entrevista concedida ao Grupo RAC (Gustavo Tilio/Especial para AAN)

O ator, autor, produtor e diretor Marcos Caruso durante entrevista concedida ao Grupo RAC (Gustavo Tilio/Especial para AAN)

O ator, autor, produtor e diretor Marcos Caruso pode não ser campineiro, mas é um grande defensor da cultura local. “Eu fui o causador de alguns puxões de orelha em alguns prefeitos e secretários de Cultura anteriores”, contou ele a reportagem ao relembrar a situação cultural adormecida que a cidade esteve. Caruso conversou com o Caderno C durante a passagem pela cidade para inaugurar o Teatro Iguatemi Campinas, quando encenou a peça 'Em Nome do Jogo' nos primeiros seis dias de funcionamento da casa de espetáculos, com direito a sessão extra. Algo que reforçou ainda mais a sua visão sobre o potencial do município quando o assunto é teatro. “Campinas é uma das cidades mais importantes culturalmente do País. Existe historicamente essa importância.” Por isso, fazer parte do nascimento de um teatro, garante o ator, foi um momento único. Extremamente atencioso e carismático, Caruso avaliou o panorama do mercado artístico que o País vive atualmente e o quanto é preciso ser obstinado para alcançar satisfação na carreira. Aliás, por isso 'Um Obstinado' é o nome da biografia do ator, assinada por Eliane Rocha.

Caderno C — Apesar dos 40 anos de carreira, você parecia nervoso ao cortar a fita de inauguração...

Marcos Caruso — Eu sabia que iria inaugurar, me chamaram para cortar a fita, mas apenas minutos antes que eu realizei o fato de eu estar inaugurando um teatro. Isso nunca tinha acontecido. Eu não sabia o que era inaugurar um teatro. Eu senti muita emoção porque eu sabia que estava fazendo nascer um lugar que vai fazer as pessoas se emocionarem, rirem, refletirem. É um templo de emoção e reflexão. Tanto que eu disse que era uma honra na hora, agradecendo por ser um ator a cortar a fita, com tanta gente importante por trás disso tudo, como empresários, o prefeito, etc. Foi bastante bonito por parte do shopping deixar um ator cortar.

Inaugurar um teatro em uma cidade com a cultura adormecida deve ter um gostinho ainda melhor, certo?

Eu fui o causador de alguns puxões de orelha em alguns prefeitos e secretários de cultura anteriores. Eu não sou campineiro, mas eu sou brasileiro e, como brasileiro e como homem de cultura, eu sei que Campinas é uma das cidades mais importantes culturalmente do País. Existe historicamente essa importância. O público de Campinas é importantíssimo nesse assunto e bem exigente. Qualquer companhia que venha para Campinas pode ficar um mês, dois meses em cartaz aqui porque tem público para isso. Não é igual a qualquer outra cidade, não só do interior do Estado, mas do Brasil, que você vai e fica o final de semana e está bom. Você fica 15 dias em Salvador e está bom. É imprescindível que essa cidade não só tenha casas de espetáculos condizentes com a exigência cultural do povo campineiro, como que criem outras. É inadmissível o Centro de Convivência estar parado. Isso fez com que Campinas saísse do roteiro de viagens das companhias de teatro, de dança de São Paulo e do Rio de Janeiro. Pulam Campinas e vão para Jundiaí ou Paulínia. Somos muitos agradecidos a iniciativa privada, mas o poder público tem que, no mínimo, manter as casas que existem.

Como você se prepara para compor um novo personagem, principalmente por ter saído de 'Avenida Brasil' (Globo) fazendo comédia para entrar em um thriller policial?

A dificuldade de composição é grande quando você tem personagens extremamente opostos entre si e opostos a mim. O Leleco não tinha nada a ver comigo, assim como esse psicopata de Em Nome do Jogo, um inglês totalmente intelectual, também não tem nada a ver comigo e muito menos um com o outro. Mas esse é o trabalho do ator. Da mesma maneira que eu fiquei dois meses me preparando para viver um cara do subúrbio carioca, me bronzeando, fazendo academia e uma série de coisas, eu também me preparei para fazer esse personagem. Fiquei dois meses e meio ensaiando, foi a peça que mais ensaiei, fiz aula de esgrima, consultas com psicólogos para entender quem são esses personagens psicologicamente. Foi um trabalho duro, porque eu não tinha como o transformar em um psicopata inglês distante do público.

Fiz recentemente uma entrevista com o ator Anderson di Rizzi, que é campineiro e estará no núcleo protagonista da próxima novela das nove, e ele me disse que não falaria para ninguém, hoje em dia, para ser ator. O que acha disso, principalmente por você ser de outra geração? Está tão difícil assim?

Tão difícil quanto era na Grécia há dois mil anos. A arte é imensurável. Você não tem como medir o talento de alguém, quanto o público vai ver a sua peça. Não é igual a soja, que podemos dizer algo como “este ano a safra será de tantas toneladas.” Tudo é matemático, mas a arte não é matemática. Qualquer um pode cair de paraquedas na nossa profissão. Todo mundo é artista. Você, a sua mãe, a sua tia, a sua empregada, seu amigo, todos nós somos artistas, nós tocamos algum instrumento, cantamos no chuveiro, interpretamos quando precisamos interpretar para o nosso filho, para o nosso vizinho. É assim. Esculpimos, fazemos coisinhas em argila, pintamos, escrevemos livros, poesias. Todo mundo é artista. A diferença é que eu sou um profissional e o resto é amador. Só que esses amadores podem se tornar profissionais da noite para o dia, porque a arte é imensurável. Às vezes, uma cara bonita se sobrepõe ao talento. Sempre foi assim. E, voltando à pergunta, eu não diria para um cara que tem talento para não ser ator. Eu diria: se você não tem talento, fuja dessa profissão correndo, mas se você tem, seja um obstinado. Esteja em todas as esquinas do mundo ao mesmo tempo, porque em alguma você vai encontrar alguém que vai te levar para outra esquina e assim por diante.

É possível mudar esse panorama?

Você só tem duas coisas que serão eternas na vida como artista, como ator, mesmo tendo tudo o que alguém pode querer, que é o que eu tenho. Poucas pessoas tem tudo o que eu tenho, que é sucesso como ator, autor, diretor. E, mesmo assim, as duas coisas sempre estarão lá: o medo do desemprego, porque a cada três meses você está desempregado, e o frio na barriga.

A palavra que você usou foi obstinado. Essa realmente deve ser a sua principal característica, já que sua biografia chama-se 'Um Obstinado'.

Só os obstinados vencem. Se você não for um obstinado, você apenas leva as coisas com a barriga. A obstinação te leva a vencer, a correr atrás dos seus objetivos, a conquistar tudo. A ser um vencedor.

O Leleco acabou no último dia da novela, como você declarou. Mas o sucesso da novela foi tanto que todos os atores que estiveram em Avenida Brasil ainda dizem que os personagens os acompanham por aí. Isso te incomoda?

Me incomoda me chamarem de Leleco, porque eu não sou o Leleco. Mas não me incomoda ao ponto de eu ser desagradável com alguém. Leleco, tira uma foto? Eu tiro. Se alguém fala “e aí, Leleco” de longe, eu não respondo muito, porque a minha função social quanto artista é mostrar que eu não sou o Leleco, mas que eu fiz o Leleco, porque eu sou um ator. Então me dá muito orgulho quando alguém diz “olha o cara que fez o Leleco, olha o Marcos Caruso.” E nem precisa me chamar pelo nome, mas dizer que eu sou aquele ator que fez aquela novela, é outra coisa. Eu tenho como obrigação, como função social mesmo, mostrar ao público a diferença entre o ator e o personagem, já que muita gente ainda não percebe. Não me incomoda, mas me deixa muito vaidoso, porque fiz um personagem muito popular e que fez sucesso, que, nossa, meu Deus, foi demais, demais mesmo. Eu preciso, inclusive, colocar um freio nesse sucesso para dizer que eu não sou aquilo. Eu sou também aquilo, mas não só.

No começo da carreira você chegou a fazer teste para mosquito só para poder atuar e, agora, como você disse, você é bem-sucedido em todas as áreas. É possível avaliar essa trajetória?

O caminho é acreditar em você, na sua vocação mais do que no seu talento. Tem muita gente que tem muito talento e não tem vocação, então fica em casa. E tem gente que tem até pouco talento, mas muita vocação, e com tanta vocação, o cara acaba indo e indo até conseguir. Eu alinhei muito bem a vocação e o talento. Se eu colocar numa balança, eu acho que eu tenho mais vocação do que talento. Eu tenho talento, não tenho dúvida. Eu sei disso. Mas a minha vocação é muito maior. Eu entro nesse teatro e quero saber que vara é essa, onde aquele cara da técnica vai. Antes do espetáculo, eu subo para ver onde vai dar tal coisa, eu quero saber como a cortina funciona, qual é a mesa de som que estão usando. Eu tenho vocação para o teatro, eu me preocupo com as pessoas da minha companhia, o que eles estão comendo, que horas vão chegar. Isso é meu. E não estou dizendo que é para todo mundo ser assim, até porque seria insuportável se todos fossem assim. Ia ser um horror. Eu sou insuportável, eu sei que sou. Para muitas pessoas isso não é legal, porque eu não paro no meu conto. Mas eu aviso, a partir do momento que me contratam, que vai junto o pacote. Eu cheguei, voltando à sua pergunta, até aqui por causa dessa vontade de beber em todas as fontes. Eu quero a água encanada, a mineral, a do mar. E a minha profissão tem um leque de opões imenso. Seja em gênero, como comédia, drama, tragédia, musical, como também estilos, veículos, seja na TV, no teatro, no cinema (a assessora do ator pede para encerrar a entrevista, pois já deu o tempo). Gente, mas está tão bom (o papo). Faz só mais uma pergunta, vai.

Diga, então, o que mais vem por aí, quais são os planos além da peça, já que você quer beber de todas as fontes.

Bom, 'Em Nome do Jogo' vai ficar em cartaz o ano todo em São Paulo (a estreia acontece hoje, no Teatro Jaraguá, no Centro), vou fazer a próxima novela das seis, que entra no lugar de 'Flor do Caribe'. Estou escrevendo um roteiro de cinema com o meu filho, já escrevi um que será filmado este ano, chamado 'Purgatório', baseado no livro de Mario Prata. E estou participando de um banco de ideias, escrevendo textos para futuras minisséries e seriados de televisão.

É bastante coisa, né?!

Sempre, graças a Deus.

E tempo para você?

O tempo para mim é ser feliz no que eu faço, que é exatamente isso.

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