Mariene de Castro homenageia a "guerreira" com CD/DVD "Ser de Luz"
A cantora Mariene de Castro (Divulgação)
Emoção, fé e musicalidade de batuque esvoaçam por entre o pano rendado da longa saia rodada. Poderia me referir à mineira Clara Nunes, porém trata-se da baiana Mariene de Castro, que mergulhou na história e no repertório da “guerreira”, como era Clara conhecida, para a gravação do CD/DVD 'Ser de Luz' (Universal Music), gravado ao vivo no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro, em 9 de outubro 2012, e que chega às lojas no ano em que se completam três décadas desde a morte de Clara (ela morreu em 2 de abril de 1983).
A brasilidade, a proximidade do Nordeste e as tradições afrobrasileiras são o eixo desse trabalho. “Clara merecia essa homenagem de uma baiana, pois ela cantava muito a Bahia”, diz Mariene, frisando que escolheu um repertório ensolarado de Clara, a partir do momento em que ela começou a se vestir de branco e a dedicar-se especialmente ao samba.
O caso de amor de Clara Nunes com o samba começou em 1970, quando ela se apresentou em Luanda, capital de Angola. No ano seguinte, gravou seu quarto LP, no qual interpretou 'É Baiana' (de Fabrício da Silva, Baianinho, Ênio Santos Ribeiro e Miguel Pancrácio), música que obteve considerável sucesso no Carnaval de 1971, e 'Ilu Ayê', samba-enredo da Portela de autoria de Norival Reis e Silvestre Davi da Silva. Na capa do disco, a cantora apareceu com permanente nos cabelos pintados de vermelho e vestida com roupas que remetiam às religiões afrobrasileiras, algo de que jamais se desvencilharia. Com o lançamento de 'Clara Clarice Clara', firmou-se definitivamente como cantora de samba.
Parte desse momento a seleção das 16 canções que compõem o CD 'Ser de Luz', de Mariene. Para tanto, houve longas conversas e estudos, tendo entre os principais interlocutores Alceu Maia, que tocou com Clara Nunes e em 'Ser de Luz' foi um dos responsáveis pelo áudio, parte dos arranjos e o cavaquinho. Outros membros importantíssimos nessa missão foram as pastoras da Velha Guarda da Portela. “Foi muito leve e tranquilo. O repertório veio do sentimento coletivo e de uma memória afetiva que todos nós tínhamos de Clara. É muito sincero, muito afetuoso, que veio para matar a saudade e mostrar para um público que ainda não a conhece”, diz Mariene.
O trio de pastoras, formado por Surica, Áurea Maria e Neide Sant’Anna, participou da faixa de encerramento do disco, 'Portela na Avenida'. Vale lembrar que coube a Surica vestir Clara para seu funeral na quadra da escola, em Madureira, no Rio de Janeiro. O corpo foi velado por cerca de 50 mil pessoas. Em sua homenagem, a rua onde fica a sede da Portela, sua escola de coração, recebeu seu nome. “Clara foi porta-voz do povo brasileiro, uma representante do samba acolhida pelo Rio de Janeiro. E ainda se entregou à religiosidade e à cultura afro, tanto que parecia uma baiana. Ela e Carmen Miranda são as baianas não baianas que mais se parecem com a Bahia”, afirma Mariene.
Zeca Pagodinho
O álbum conta também com a participação especial de Zeca Pagodinho na canção 'Coisa da Antiga', de Wilson Moreira e Nei Lopes, e de Diogo Nogueira, filho do amigo de samba e de vida de Clara Nunes, João Nogueira, em 'Juízo Final', de Nelson Cavaquinho. Esses são momentos bastante “cariocas” do projeto, assim como 'Coração Leviano', de Paulinho da Viola. Há também romantismo com 'Sem Companhia', agitação com 'Morena de Angola' e uma pitada de melancolia em 'Canto das Três Raças'.