Fabiane Jesus descobriu a atividade por necessidade, mas o desejo de trabalhar com madeira se desenvolveu e cresceu
Autodidata, ela, como pesquisadora, aplicou o método na marcenaria a partir de tentativas e erros até chegar aos resultados que buscava (Raphael Montagner)
Quando a campineira Fabiane Jesus pega suas ferramentas para trabalhar com a marcenaria, ela entende que está executando um processo de ressignificação. A marceneira, que usa como matéria-prima madeira de descarte, acredita que essa é a conexão entre sua paixão pela arte manual e sua carreira como pesquisadora de Análise de Discurso na Unicamp. “Eu penso, como analista, em processos de significação, como os sentidos são construídos. Aqui no ateliê eu pego essa madeira, significada como um objeto sem valor a ponto de ser tratada como lixo, desenvolvo e crio técnicas, muitas vezes exclusivas, para trabalhar esse material sem padrão para que se transforme em peças e móveis com um acabamento que comporte suas características”, explica a artista.
A descoberta da marcenaria veio por necessidade anos atrás. Em 2018, ela precisava mobiliar a casa e não tinha dinheiro para adquirir os móveis que precisaria, então partiu para criá-los. Foi só após ser questionada pela filha, que esclareceu que os gastos com ferramentas e materiais foram superiores ao que precisava para adquirir peças prontas, que ela se deu conta: existia dentro dela um desejo de trabalhar com a marcenaria.
Autodidata, ela, como pesquisadora, aplicou o método na marcenaria a partir de tentativas e erros até chegar aos resultados que buscava. Hoje ela mantém um ateliê em Barão Geraldo onde constrói suas peças. “Estou nesse lugar em que eu construo peças de design voltadas principalmente para o design biofílico, que incorpora nele elementos da natureza, como plantas, trabalhando arte com a madeira”, conta.
Apesar de também produzir peças sob encomenda, Fabiane trabalha principalmente com cursos para ensinar aos outros sua arte e suas técnicas. Para ela, a jornada através da marcenaria, é mais importante do que o resultado final: “Meu público são pessoas que querem construir algo usando o corpo, o movimento. O curso é menos sobre o resultado e mais sobre o processo. Mas cada um sai, no fim, com uma peça única e exclusiva que queria construir, desde uma mesa até uma estante. Os alunos aprendem enquanto estão produzindo”, diz. A marceneira ensina sobre postura, respiração, foco e movimentação corporal durante a criação, não só sobre aspectos técnicos.
A peças criadas por Fabiane Jesus têm o design biofílico, que incorpora na madeira elementos da natureza, como plantas (Raphael Montagner)
Livro à vista
Depois de começar a ensinar, a marceneira percebeu que queria expandir e multiplicar o seu conhecimento. Portanto, ela escreveu um livro que reúne o básico de suas aulas para apresentar a sua forma de trabalhar a marcenaria para leigos e também que servisse como um material de apoio para seus ex-alunos. Ali ela desenvolve ideias de desgaste da madeira, com lixa e calor, para atingir o ponto ideal para trabalhar o material, por exemplo. Para chegar à técnica, ela utilizou o que tinha à mão: o ferro de passar roupa. “Essa camada externa da madeira de descarte não é o que ela é, mas o que fizeram com ela, por causa das condições a que ela foi submetida. Quando tiramos a camada descobrimos uma cor e uma beleza impressionantes. Eu nunca deixo de me espantar”, revela.
Este é só um dos temas que Fabiane aborda no caminho do seu registro pelo universo da marcenaria, que ela segue explorando. A artista revela que a obra já está escrita, mas ainda em negociações com editoras para a publicação. Ou seja, em breve a obra estará nas mãos de outros futuros marceneiros artistas.