o gingado da resistência afro-brasileira

Campinas tem movimentos que contribuem para a valorização e visibilidade da capoeira

Prática popular cultural é Patrimônio Imaterial da Humanidade; Dia do Capoeirista é celebrado nesta quinta-feira (3)

Aline Guevara/ [email protected]
03/08/2023 às 10:28.
Atualizado em 04/08/2023 às 12:32
Capoeiristas do grupo Coquinho Baiano, o mais antigo do município, que luta para difundir e preservar a cultura da atividade de origem brasileira (Divulgação)

Capoeiristas do grupo Coquinho Baiano, o mais antigo do município, que luta para difundir e preservar a cultura da atividade de origem brasileira (Divulgação)

A música conta uma história, do passado ou do presente, sobre o que acontece dentro da roda envolvida por instrumentos musicais e cantorias. No meio, os jogadores, como são conhecidos, entram na ginga, a movimentação ritmada, sem nunca se encostarem. A capoeira não é formada por um único elemento, pelo contrário. Ela reúne para dentro de uma mesma roda arte e esporte, a dança, a música, a história e a filosofia, destacando-se ainda uma última característica: a luta. Esta não é uma referência somente aos movimentos de ataque e defesa dos capoeiristas, mas ao símbolo de resistência da cultura afro-brasileira que a prática se tornou. 

Hoje é celebrado o Dia do Capoeirista dentro do território estadual paulista, pois a data comemorativa é decorrente da Lei nº 4.649, de 1985, do governo do estado de São Paulo. O dia 3 de agosto, portanto, mesmo com uma inicial estadual e não nacional, visa dar mais reconhecimento à prática que faz parte da identidade cultural brasileira. E alguns grupos de Campinas, como o histórico Coquinho Baiano, têm um papel importante na valorização da capoeira, seja no município, no País e até no exterior. 

HISTÓRIA DE LUTA

Criada por afrodescendentes escravizados no Brasil, a capoeira foi uma resposta às condições violentas vividas por eles, planejando lutar por sua liberdade. Muitas das músicas das rodas lembram esse passado. A prática chegou a ser crime no País no final do século XIX e início do XX. "A capoeira é a maior expressão de anseio de liberdade, de igualdade e de humanidade. Os escravos, ao criarem a capoeira, lutam pela sua liberdade, e lutam também pela sua humanidade. Porque a escravidão é a ausência de humanidade, é a desumanização dos corpos humanos", explica o capoeirista campineiro Rafael Teodoro do Nascimento, que pratica desde 1995. 

Segundo o contramestre, hierarquia que Rafael ocupa dentro da prática (acima, há somente a posição de mestre), a capoeira "é a primeira a ressignificar a importância da cultura afro e indígena numa sociedade extremamente preconceituosa e racista". Entre a música e o movimento, que traz elementos de danças africanas, ela carrega filosofias de inclusão, disciplina, igualdade e liberdade. "Ela também se caracteriza como prática esportiva, no entanto, o esporte não dá conta para se entender e vivenciar a capoeira em toda a sua complexidade educacional, esportiva, cultural e ancestral", completa o capoeirista.

Os contramestres Rafael Teodoro do Nascimento e Michelle Rodrigues ajuda a difundir a capoeira em Campinas (Reprodução/ Instagram)

Os contramestres Rafael Teodoro do Nascimento e Michelle Rodrigues ajuda a difundir a capoeira em Campinas (Reprodução/ Instagram)

Quando lembramos que Campinas é considerada por historiadores como a última cidade brasileira a abolir a escravidão, o contexto da capoeira por aqui ganha um significado mais intenso. O Grupo de Capoeira Coquinho Baiano é o mais antigo do município, fundado em 1976 pelos Mestres Godoy, tio e professor de Rafael, e Maya, e ao longo de quase cinco décadas formou muitos capoeiristas na região e até fora do Brasil. Um dos mestres do grupo, o Mestre Dito, atua há 20 anos na Itália trabalhando com grupos de capoeira locais. "Na última vez que estive fora do Brasil pela capoeira, o que mais ouvi dos europeus é que aprenderam a se relacionar melhor depois que começaram a prática. Todos os anos o Brasil recebe turistas por causa da capoeira. Para se tornarem melhores capoeiristas, para entenderem por que ela nasceu no Brasil e não em outros lugares do mundo. Isso é nosso", frisa Rafael, professor e corresponsável pelas atividades do Coquinho Baiano em Campinas.

MULHERES NA CAPOEIRA

O universo da prática é bastante masculino, explica Michelle Rodrigues. Ela tem 27 anos ininterruptos dentro da capoeira, estudou com um dos mestres mais reconhecidos da região, o Mestre Maya, conquistou uma posição alta dentro do meio, e mesmo assim entende que a luta é constante para conquistar espaço sendo uma mulher. "Eu digo que para fazer capoeira, é preciso ser teimosa. A gente sofre muita discriminação dentro da roda, do público machista. Tem essa questão de que como mulher você está invadindo o espaço do homem. Tem que provar todos os dias e muitas acabam desistindo". A capoeirista precisa ser mais técnica durante a execução da prática, para conseguir enfrentar homens mais fortes fisicamente de igual para igual, mas faz questão de manter as rodas mistas, com homens e mulheres praticando juntos.

A contramestre capoeirista também atua como responsável, ao lado de Rafael, nas atividades do Coquinho Baiano em Campinas. Ela espera ganhar em breve a próxima e última graduação dentro da capoeira e entende que ocupar esse lugar é importante, mas não para si mesma. "Eu tenho uma história na capoeira de Campinas e conquistei respeito. Mas estamos sempre na luta e sei que sou um exemplo para outras mulheres que querem seguir na capoeira". Michelle acredita que a prática ainda significa resistência cultural. "O brasileiro não dá muito valor para a capoeira. Damos mais valor para a cultura estrangeira do que para a nossa, mas ela nos lembra de um passado que não podemos esquecer e representa esperança para muitos nas comunidades que às vezes só têm a capoeira e nada mais. A capoeira é a cara do Brasil, de um povo sofredor que acredita até o último momento", completa.

Desde 2014, a roda de capoeira é considerada pela Unesco Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, sendo assim como o frevo, o samba de roda do Recôncavo Baiano, o Sírio de Nazaré e a Arte Kusiwa, um dos símbolos do Brasil reconhecidos internacionalmente. Que esse reconhecimento também aconteça por aqui!

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