Cenário favorável vem desde o surgimento de Harry Potter, afirmam escritores
Por mais incrível que pareça, os livros estão em alta. E não é de hoje. Aliás, profissionais da área afirmam que todo esse cenário favorável vem desde o surgimento de Harry Potter e a redescoberta de O Senhor dos Anéis, que abriram um gigantesco espaço no mercado para a literatura fantástica. Com isso, novos escritores surgem a cada esquina, muito deles jovens em busca de um lugar ao sol. Vários tentam, alguns conseguem e se tornam best-sellers. O que faz com que outros mais tentem o mesmo.Porém, enquanto a fantasia está saturada de novas ideias, outro segmento vai ganhando espaço — de novo: o da ficção científica. Como o mercado ainda busca o novo Harry Potter, os autores novatos caminham em terreno inconsistente e publicam por editoras que não pertencem ao mainstream, como Devir, Draco e Tarja Editorial. A forma encontrada por elas para apostar nos escritores desconhecidos é por meio de ficções breves, como contos e antologias colaborativas, que carecem de leitores realmente interessados em títulos nacionais. O lado positivo é que já é possível vislumbrar um novo cenário, algo que escritores da região não estão deixando passar em branco.Roberto de Sousa Causo é o principal expoente nesse assunto. Cresceu em Sumaré, morou em Campinas durante o Serviço Militar (1984-85) e se mudou para São Paulo em 1991. Antes disso, porém, já tinha publicado seu primeiro romance, A Última Chance (1989), na revista francesa Antarès-Science Fiction et Fantastique Sans Frontières. Desde então, tem publicado profissionalmente pelo menos uma história por ano e hoje é nome conhecidos dos fãs do gênero. Teve contos impressos em publicações tão distintas quanto Playboy, Isaac Asimov Magazine (editada no Brasil pela Editora Record), Cult: Revista Brasileira de Cultura, e outras mais.“Muitas editoras pequenas se estabeleceram tendo por base o autor brasileiro. O André Vianco e o Raphael Draccon surgiram assim, ambos best-sellers brasileiros. E a internet criou o Eduardo Spohr — o mais bem-sucedido entre eles. A audiência suporta produções dos três gêneros que andam juntos: o fantástico, a ficcção científica e horror”, diz.A ficção só não deslanchou ainda mais no Brasil, acredita Causo, porque, acredite, o público associa o gênero a países que têm um contexto de tecnologia mais desenvolvida do que aqui. “Mas o gênero existe no Brasil desde o século 19. Machado de Assis tem um conto chamado O Imortal que trata justamente sobre a imortalidade com uma explicação científica.São muitos os escritores com obras no estilo, como Monteiro Lobato, Érico Veríssimo e Guimarães Rosa”, afirma.Apesar de morar na Capital há mais de duas décadas, Causo gosta de ambientar seus contos e romances na região. “Tenho um romance de dark fantasy chamado Anjo de Dor (Devir), ambientado em Sumaré, Campinas e Americana, e uma continuação inédita, Mistério de Deus, que também é passada aí. Na ficção científica, meu conto Rosas Brancas>, o primeiro de uma série protagonizada pela ciborgue Shiroma, se passa em Campinas e Hortolândia no século 25. E também na ficção científica, misturado com fantasia contemporânea, meu romance A Corrida do Rinoceronte (Devir) se passa nos Estados Unidos, mas o herói é de Americana — um brasileiro que vai trabalhar na Califórnia.” O currículo não para por aí. A novela de ficção Terra Verde, ambientada na Amazônia e que será relançada pela Draco, tem como protagonista um professor de Campinas. Leitor compulsivoO designer Marcelo Bighetti, de Sumaré, é leitor compulsivo desde menino. Gosta, principalmente, de histórias de ficção científica e fantasia. Uma paixão que ganhou um rumo diferente no começo de 2010, quando começou a escrever profissionalmente. “Sempre gostei de Star Wars, Star Trek. Minha mãe também, então ela me influenciou muito. E eu tenho muitas ideias, a minha cabeça fervilha o tempo todo. Até sonho com propostas. Ter inspiração não é difícil. O difícil é conseguir colocar essas ideias no papel e deixá-las atrativas para os leitores”, conta. Dezoito dessas ideias viraram contos, sendo que oito deles foram publicados. O primeiro, Novo Início, acontece na Alemanha da Segunda Guerra Mundial. A história mostra um grande grupo de jovens casais alemães treinado para uma missão secreta, iniciada depois que Adolf Hitler descobre um incrível segredo que o levou a liderar um experimento nazista único.Num mundo em que o mercado editorial pode ser cruel com boas obras ao rejeitá-las, Marcelo utilizou uma nova ferramenta para conseguir divulgar o conto: uma plataforma na Amazon que permite que qualquer pessoa cadastre seus livros para vendê-los. “Você abre a conta e faz o cadastro da obra. É bem tranquilo, você que escolhe o preço, uma parte vai para o site, claro, e pronto, seu livro está à venda.” O resultado disso surpreendeu. Novo Início se tornou o livro de ficção científica mais vendido no site — na sexta à noite, estava em quinto. “Eu escrevo por hobby, faço porque gosto. Não ganho praticamente nada. Mas em três anos já consegui um público. Isso é muito gratificante e, quem sabe, dá para fazer um nome para o futuro.” Dois contos devem ser publicados ainda este ano, além de uma novela chamada Kolob: A Ascensão dos Deuses, no site Fantastiverso. “Vou lançar um capítulo por mês.” FísicoO campineiro José Raphael Daher se formou em física pela UFSCar e dá aulas para o Ensino Médio. Em 2008, porém, depois de participar da Coletânea Komedi com crônicas e poesias, publicou Gêmeos. Virtuais. O livro é ambientado no Iraque, cenário de uma guerra na qual a busca pelo ditador Saddam Hussein e a localização de armas de destruição em massa estão em jogo, enquanto no Brasil um jovem chamado Alef conhece Theo através da Internet, garota que lhe desperta um sentimento novo e profundo. Divergindo dos fatos históricos, a ficção envolve o protagonista nesse conflito internacional distanciando-o cada vez mais de Theo, mas levando-o a descobrir quem realmente é.“Eu sou da época dos desenhos animados sobre robôs, inteligência artificial, o menino biônico. Tudo isso mexeu muito com a minha cabeça. Eu sempre tive vontade de criar histórias, HQs, mas foram projetos que deixei de lado por um tempo.” Escrever sobre ficção científica é interessante, afirma Daher, porquê você deve criar algo que não pode ser tão impossível, mas que ainda não exista. “Isso desperta a curiosidade das pessoas. É o mais legal, é o que caracteriza a ficção com a ciência.”Escrever, porém, não foi uma tarefa fácil, lembra o campineiro. “De certo modo, a escrita, à primeira vista, parece fácil. No filme, na HQ, há muitas outras coisas envolvidas. Tudo parece ser mais complicado do que um livro. Mas depois a gente percebe que não é bem assim. Por trás de tudo, o que importa é sempre a história.” Seu segundo romance, A Canção do Mundo Caído, está em revisão. O próximo passo é procurar uma editora. "As pequenas são as que mais apostam na gente e é por elas que vou começar. Se não der certo, publico na Amazon.”Saiba MaisUm estudo publicado por Isaac Asimov classificou a história da ficção científica em três períodos: a Era Clássica (até 1926), a Era Gernsback (de 1926 a 1938) e a Terceira Era, de 1938 até os dias atuais. Porém, sua classificação não se limitava aos períodos literários da ficção científica, mas englobava as revistas especializadas que começaram a surgir na segunda era e as adaptações para o cinema e televisão a partir da terceira Era.Tudo começou com a inglesa Mary ShelleyComo qualquer gênero literário, a ficção científica tem seu começo demarcado por uma obra específica, considerada importante por engendrar as características que dariam forma ao estilo. Esta, no caso, é Frankenstein, ou o Moderno Prometeu, escrita pela britância Mary Shelley (1797-1851) em 1817 e que conta a história de um cientista que tenta recriar a vida baseado em estudos de alquimistas que o antecederam. Edgar Allan Poe, Horace Walpolle, a obra Nova Atlântida, de Francis Bacon, em que ele narra uma civilização que faz uso de tecnologias que mais tarde chamaríamos de submarinos e aviões, ou mesmo as mitologias também são percursores do estilo que estava por vir. Há ainda Júlio Verne (1828-1905) com obras sobre viagens fantásticas à Lua, ao centro da terra e ao fundo mar, e H. G. Wells (1866-1946) com invasões extraterrenas, viagens no tempo e homens invisíveis.