feverestival

Atriz desconstrói imaginário sobre corpos trans

A história do corpo travesti é narrada pela atriz Renata Carvalho no espetáculo Manifesto Transpofágico, no Teatro Municipal José de Castro Mendes

Da Agência Anhanguera
14/02/2020 às 11:43.
Atualizado em 29/03/2022 às 21:43

A história do corpo travesti é narrada pela atriz Renata Carvalho no espetáculo Manifesto Transpofágico, que encerra hoje, no Teatro Municipal José de Castro Mendes, a 15ª edição do Feverestival - Festival Internacional de Teatro de Campinas. Em cena, ela lança um manifesto sobre o nascimento desses corpos, mostrando a construção social e a criminalização que os permeiam, do imaginário à concretude. A pesquisa, chamada de Transpologia, iniciada em 2007, resultou no espetáculo, que estreou em 2019 em São Paulo, durante a realização da 6ª MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo e ganhou repercussão na América Latina, Na montagem, a atriz trans oferece seu corpo à observação e discussão através de histórias que fogem ao padrão normativo.  Ocupar um teatro histórico como o Castro Mendes, com tal propriedade, já tem causado algumas discussões em Campinas. A travesti Helena Agalenéa, membro da curadoria do Festival, afirma que falar sobre este tema em uma cidade conservadora é de extrema importância. “Campinas abriga o Itatinga, o maior bairro de prostituição a céu aberto da América Latina, e muitas travestis moram ali. É uma cidade com muita violência transfóbica, então ter uma travesti encerrando um festival de arte, que mobiliza a cidade inteira, é de uma importância absurda”, aponta. “O nosso corpo é uma linguagem, é revolucionário, é algo que o teatro não vê ainda. O nosso corpo está cheio de poesia, uma poesia que confronta o padrão hegemônico”. A atriz Renata Carvalho traz em seu corpo, como ela própria diz, um punhado de estatísticas. Aos 38 anos, já superou a média (35 anos) de expectativa de vida das travestis, foi expulsa de casa e perdeu contato com os pais. Iniciou sua carreira artística em 1996 em Santos, sua cidade natal, e entendeu-se como membro da população T em 2007, quando teve contato com as questões de gênero durante um trabalho realizado com travestis e transexuais na prostituição. Questionada sobre quais Futuros Desejáveis (tema desta edição) ela traz ao palco em sua montagem, respondeu: “A peça não propõe um Futuro Desejável, mas faço ela para ter um Futuro Desejável. Eu mostro a historicidade, a narrativa de como foi construída essa imagem da travesti, da pessoa trans. Mostro a construção social, midiática, carnavalesca, a criminalização, a patologização e o encarceramento em massa, como isso tudo permeou os corpos tranvestigeneres. Eu faço essa peça para que essa construção seja desconstruída, então o Futuro Desejável é o de que, quando as pessoas verem uma travesti ou uma pessoa trans, que não venha com uma bula, uma história. As pessoas olham para a gente sem conhecer quem somos e o que fazemos, e já vem um currículo de quem eu sou e, principalmente, de quem eu fui”. Para Renata encerrar um festival internacional e num teatro tradicional da cidade, não é o fator mais relevante. “Entendo a questão de representatividade, do fato de ter uma travesti num palco com um monólogo, com um texto escrito por mim, uma ideia minha. Mas vai ser relevante para mim o dia em que o fato de eu ser travesti não vai ser notícia. Que só vejam a minha qualidade artística. Por isso que eu falo tanto deste corpo marcado, deste corpo que não é neutro no teatro. Ainda não é natural. Ainda vira notícia. Não é porque eu sou boa. Nós travestis sempre estivemos no teatro, mas na parte do espetáculo, do glamour. A gente chegava, abria um leque, fazia os outros rirem, e era algo geracional também. Era uma forma de sermos aceitas. Nós sempre estivemos na arte, mas ainda não nos enxergam como artistas. O teatro parece que descobriu as pessoas trans agora. Eu entendo toda a questão da representatividade, por estar ocupando um teatro histórico, mas o dia que isso não tiver relevância, vai ser melhor”, colocou. Suzy Santos, idealizadora da Casa Sem Preconceitos, espaço criado para abrigar a população T de Campinas, vê esta apresentação como uma forma de mostrar que travestis e transexuais podem ocupar todos os lugares. “As pessoas estão acostumadas a nos ver nas esquinas, nos tratando como marginais. Gostaria muito que dentro deste teatro vissem a nossa população, que venham os cisgêneros e os heterossexuais também, e vejam o quanto nós podemos estar dentro de outras categorias, de outros lugares e espaços, com outras pessoas”. Para a psicóloga do Centro de Referência LGBT de Campinas, Bárbara Menêses, a representatividade proporcionada por Renata no palco de encerramento do Feverestival confronta o momento político atual. “A população trans está desconectada do teatro. Quando ela sabe que a temática é LGBT, se interessa, porque se vê representada. Você passa a ver ali o seu igual, seu semelhante, trazendo uma causa que é sua também, e este é um espaço em que travestis e transexuais são raros infelizmente”, acentuou. “Ver sua temática trazida num evento de porte grande faz com que as pessoas consigam se ver representadas. A pessoa pensa: ‘Se ela chegou lá eu também posso chegar, porque ela não é nada diferente de mim’. É uma forma de militância, empoderamento, quebra de preconceitos e tabus”. O Feverestival é local de pluralidade de artistas, de trajetórias. Construir diálogos evidencia o quanto a cena teatral como um todo se constrói em rede e o quanto o Feverestival está articulado com outras redes e outros festivais também nesta programação. "Lotemos o teatro para esta mobilização, e para que os corpos trans marginalizados entendam que o espaço deles é o de quem fala, de quem faz, atua, é aplaudido e louvado. Somos corpos sagrados", concluiu Helena Agalenéa. Renata responde pela dramaturgia e interpretação do espetáculo, que tem direção de Luiz Fernando Marques (Lubi). A montagem é uma coprodução Risco Festival, MITsp e Corpo Rastreado. AGENDE-SE O quê: Manifesto Transpofágico Quando: Hoje, às 20h Onde: Teatro Castro Mendes (Praça Corrêa de Lemos, s/nº, Vila Industrial, fone: 3272-9359) Quanto: R$ 20,00 e R$ 10,00 (à venda online pelo http://www.sympla.com.br, ou na bilheteria a partir das 16h)

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