Em conversa com o Grupo RAC, ela conta que o teatro sempre esteve presente em sua vida
Em cartaz em Campinas com a peça 'Doidas e Santas', sua primeira experiência como produtora, a atriz Cissa Guimarães conta que o teatro sempre esteve presente em sua vida, desde criança, quando assaltava o guarda roupa da mãe para montar os figurinos de suas peças. Sua carreira começou aos 18 anos, numa produção dirigida por Paulo César Pereio, seu namorado na época, e nunca mais parou. Cissa fala sobre a experiência da produção, as fotos que fez para a Playboy e a relação com os filhos, e afirma que nunca vai superar a morte do filho Rafael — atropelado quando andava de skate em 2010 no Rio de Janeiro — mas que encontra nele mesmo a força de que precisa para continuar. 'Doidas e Santas' encerra a temporada campineira este fim de semana, com apresentações de sexta (28) a domingo (30), no Teatro Brasil Kirin, do Shopping Iguatemi Campinas. Confiram trechos da entrevista que a atriz concedeu ao Caderno C.
Caderno C — Fale um pouco do espetáculo que você está apresentando aqui. Como foi sua primeira experiência na produção?
Cissa Guimarães — Há um tempo eu estava sentindo uma necessidade grande de produzir. O projeto da peça tem cinco anos, mas a ideia surgiu há 10 anos. Estava com 45 anos e achava que estava na hora de “virar gente grande”, ser independente para fazer o que realmente acreditava, com quem e do jeito que quisesse. Comecei a me cobrar, mas havia um certo desconforto, porque eu ouvia milhões de histórias sobre a dificuldade para produzir, conseguir um patrocínio, ter retorno. Tive amigas famosas que posaram pra Playboy para montar uma peça ou venderam apartamentos. Isso passou pela minha cabeça, mas era meu único apartamento, e com três filhos não dá para brincar. A busca do patrocínio é demorada, difícil, muitas portas batem na sua cara. E fui protelando. Quando estava chegando aos 50 anos, pensei que tinha que acontecer. Lembro de momentos dessa época, eu me emocionando muito comigo, com a minha vida, com o que acontecia ao meu redor. Pensava: “já vivi tanta coisa, tive tantos fracassos em todos os sentidos da vida, tantas vitórias também, já casei, descasei, criei filhos. Sou uma mulher bacana, tenho coisas pra contar”. Queria mesmo fazer isso.
E como escolheu o texto?
Um domingo estava em casa sozinha e li uma crônica da Martha Medeiros. Ela escreve uma coluna na revista do Globo aos domingos. A Martha é minha contemporânea e falava de uma coisa tão sensível, que batia com o que estava pensando. “É esse o assunto que eu quero falar, de uma mulher de 50 anos, que está bacana, com tesão em todos os sentidos, na ativa, que está bem”. Passei um e-mail pra ela me identificando, parabenizando pela crônica, dizendo que me identifiquei. Uns cinco minutos depois ela me respondeu, perguntando se era a Cissa atriz. Respondi que sim, e ela disse que era minha fã, que me achava incrível. Então pedi que ela me passasse seu telefone, porque sou melhor com palavras e queria produzir o texto dela. Ela passou o telefone, mas já eram 23h e não quis ligar. No dia seguinte estacionei o carro e antes de descer já liguei pra ela. Resumi a história e disse que queria virar gente grande e com um texto dela. Ela respondeu que adoraria mas não tinha, que não escrevia pra teatro. Insisti, mas ela disse que não dava, que não tinha competência nem vontade de escrever texto, que seu negócio era crônica. Fiquei muito triste. Ela disse então que queria me conhecer, me informou que estaria no Rio de Janeiro na outra semana lançando um livro e me convidou para ir, citando que achava que eu gostaria de ler o livro. Perguntei o título: Doidas e Santas. Fiquei louca, berrava no carro: “É isso, me sinto assim, sou os dois, ninguém é santa se não for doida, nem doida se não for santa”. Fui no lançamento, nos conhecemos, nos abraçamos ela me deu o livro e disse “é seu, pode trabalhar nele”. Fui pra casa, mastiguei o livro todo. Uma das crônicas se chama Doidas e Santas, que vem a ser parte de um poema da Adélia Prado, que é deslumbrante. “Esse texto é pra mim”. No dia seguinte, já tinha lido o livro inteiro e liguei pra Regiana Antonini, que é uma grande dramaturga e ela topou a empreitada de adaptar.
Como foi a resposta do público?
Foi uma loucura, a gente pensou que ia ficar uns três ou quatro meses, e ficamos dois anos e sete meses. Era pra ter ido pra São Paulo há mais de dois anos. Parei a peça com teatro lotado porque fui fazer a novela Salve Jorge, da Gloria Perez, e não deu pra conciliar os horários. Depois que acabou a novela comecei a turnê.
Você posou duas vezes pra Playboy, já não tão nova. Como foi isso?
Fiz meu segundo nu aos 48 anos. Quando me convidaram disse “sou uma senhora, vocês piraram”. A equipe veio ao Rio pra conversarmos. Fomos jantar, eu tomei duas taças de champanhe, fui até o banheiro e chamei a editora. Estava de vestido, quando ela chegou abri o vestido e perguntei: “você jura que é isso que quer”. Ela disse que eu estava ótima e fiz. Esse segundo ensaio achei muito mais bonito que o primeiro, que fiz aos 35 anos e comprei meu apartamento. Comparando os dois ensaios, no segundo me acho muito mais mulher, mais sensual, mais bonita.
Quando começou sua carreira de atriz?
Desde pequena fazia teatro com as camisolas da minha mãe, eram meus vestidos de princesa. Minhas primas vinham passar o Verão no Rio e eu definia tudo. Você vai ser o príncipe, você a irmã da princesa, eu obviamente, sempre a princesa. Apresentava as peças quando minha mãe oferecia jantar pra alguém. Quando adolescente, aos 15 anos, tive o privilégio de procurar a Maria Clara Machado, no Teatro Tablado. Maria Clara é um entidade e tive aula com ela. Aí fiz festival de teatro infantil, ganhei meu primeiro prêmio. Tudo meio escondido. Pegava o dinheiro do jazz e pagava o teatro. E nunca mais parei.
E profissionalmente, quando foi?
Foi em 1974/75, numa peça do Bráulio Pedroso chamada 'Dor de Amor'. Foi uma entrada não pela porta da frente. Eu tinha começado a namorar o Paulo César Pereio e ele dirigia essa peça e fazia um personagem. Eu fazia faculdade de Química na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Na época os pais não amavam que a filha fosse ser atriz, não era como agora. Perguntei ao Pereio se podia ajudar de alguma maneira e fiz assistência de direção, divulgação. Saía da faculdade e ia direto pros ensaios. Um dia, uma das atrizes, que acabou de falecer, a Scarlett Moon, ficou doente e não pôde fazer a peça. Eu sabia de cor todos os personagens. A notícia chegou em cima da hora, com teatro cheio. A Camila Amado, que fazia a peça, começou a me olhar e disse “a Cissa sabe o texto de cor”. O Pereio: “figurino”. A Scarlett era enorme, eu sou pequena, mas fizemos uma bainha rápida e entrei em cena. E foi maravilhoso, acabei fazendo até ela voltar. Não parei mais, fui pra televisão, mas sempre seguindo com teatro.
Você ficou muito tempo apresentando o 'Vídeo Show' (Globo). Como foi isso?
É muito interessante porque nunca é a mesma coisa. O 'Vídeo Show' falava sobre “n” coisas. Cheguei a entrevistar a Rachel de Queiroz no chá dos imortais na Academia Brasileira de Letras, no dia seguinte ir na fazenda do Chitãozinho e Xororó, três dias depois falar com a Celine Dion nos Estados Unidos. Era maravilhoso, eu tinha o Miguel (Falabella) do meu lado na bancada, a gente tinha uma certa liberdade de falar o que queria. Hoje eu vejo uma galera fazendo entrevista da maneira que eu fazia e que não era comum na época, porque eu não sou repórter. Tinha feito uma personagem na novela Um Sonho a Mais, a Amélia Bicudo, que era uma repórter que errava. Fazia essa jornalista vivendo as emoções. O meu câmera, o Barrão, era o Ernesto Piccolo, que vem a ser meu diretor agora. A personagem foi um sucesso e o Talma (Roberto) me chamou pra fazer o Vídeo Show. Tenho a maior saudade, não nostálgica, mas muito gostosa.
Nessa produção você está trabalhando com seus dois filhos. Isso facilita?
O viés não é a facilidade. Trabalhar em família não é muito fácil, mistura algumas coisas. Mas isso não passou pela minha cabeça, o que pesou foi o talento deles. O João foi uma decisão que tive de início. Conversei com o Neco (Piccolo) porque tinha trabalhado numa peça em que ele fazia assistência de direção e fiquei pasma com o talento do meu filho em dirigir atores. O João é um homem de teatro, o melhor ator da família. Quando fui me produzir, sugeri ao Neco e ele topou de cara. E o Thomaz tem um trabalho gráfico dos mais lindos. Falei com a Maria Simas, minha sócia, ela concordou e o Thomaz fez todo esse projeto que é lindo, de muito bom gosto, elegante. Escrevi um livro, 'Viver com Fé', que é sobre um programa que faço no GNT e o Thomaz também fez todo o projeto gráfico.
Este é um assunto delicado, mas e o Rafael? Sei que é uma perda que não se supera, mas onde você buscou forças pra continuar sua vida?
Acho que nele. Ele foi a pessoa que mais me ajudou. Na época da produção da peça só morava com ele, os outros meninos já tinham saído. E várias vezes, quando desanimava na busca de patrocínios, o Rafael não me deixava desistir. Ele ia nos ensaios — tinha 17 anos, fez a passagem com 18. Ia toda noite assistir à peça, levava os amigos. Estava no auge da paixão por uma menina linda e um belo dia levou ela e os pais dela para assistirem. Era um orgulho para ele mostrar esse trabalho da mãe dele.
Era um grande companheiro?
É meu anjo, a bênção dessa peça. É ele que está aí o tempo todo, orquestrando. Deixou tudo esquematizado para eu sobreviver a essa que é a maior dor do mundo. Essa peça salvou a minha vida, se não estivesse fazendo não sei se estaria aqui. Odeio quando falam “olha que exemplo, ela superou pelo trabalho”. Não! Não! Primeiro que não superei, não vou superar nunca. Não existe superação nisso, é mentira. Se à minha maneira foi pelo meu trabalho é porque foi esta peça. Se fosse uma coisa que fizesse só pra sobreviver, talvez estivesse trancada dentro do meu quarto até hoje. Acho que a maneira como passei e passo por essa coisa toda é bacana porque dá pra sobreviver, com força, com alegria, uma alegria amputada, aleijada, meu coração anda de muleta pro resto da vida. Nunca mais na minha vida vou ser 100% feliz, mas posso ser 70% feliz e isso vou procurar em honra a ele, vou dignificar a vida dele. Vou ser feliz por causa dele.
Além da turnê com a peça, você está com algum outro projeto?
Estou. Tem o projeto de um quadro pro 'Fantástico', chamado 'Mães Coragem', que será dirigido pela Patrícia Guimarães, minha parceira no programa 'Viver com Fé', do GNT. Vamos ver se a Globo vai aprovar. Também estou caminhando para o segundo livro desse programa, 'Viver com Fé'. O programa está na terceira temporada e mudou o nome para 'Fé na Vida'. O segundo livro deve sair no final do ano. E iniciando uma turnê nacional, que é muito grande, muito séria. Muita coisa pra fazer.