Lima Duarte foi homenageado em Gramado pelos 30 anos do filme Sargento Getúlio
Lima Duarte confirmou em Gramado que recebeu o convite para atuar no novo filme do veterano cineasta português Manoel de Oliveira ( Divulgação)
Se, ao longo da carreira, Lima Duarte encantou com seus tipos (especialmente na TV), pessoalmente o ator é um verdadeiro showman. Conta histórias, faz imitações, diz frases de efeito e mantém uma lucidez, memória e vitalidade impressionantes para um homem de 84 anos. Anteontem, durante o 41º Festival de Cinema de Gramado, ele recebeu homenagem pelos 30 anos de Sargento Getúlio, filme de Hermano Penna vencedor em 1983, que teve Lima como melhor ator. Conto-lhe que Wagner Moura esteve em Gramado e o elogiou muito — juntos trabalharam em A Busca (Luciano Moura, 2012). E pergunto como se sente sendo referência para jovens atores. Ele dispensa o papel e devolve os elogios. “Me sinto velho, mas nem tanto. É um filme sobre relações familiares, tema de que gosto muito.”Aproveita e abre um baú de lembranças. Conta que o pai o colocou para fora de casa aos 14 anos a fim de que fosse trabalhar. Saiu do interior de Minas Gerais, em Desemboque, e, num caminhão de manga, foi direto para São Paulo. Trabalhou no Mercado Municipal e ganhou abrigo de uma prostituta. E ela mesma o levou para trabalhar como operador em uma rádio, até virar ator de radionovelas.O pai? Nunca mais o viu — razão pela qual se sensibilizou com A Busca. Mas guarda uma imagem inacreditável. O pai colocava paletó para ouvir rádio. E, sem saber, experimentava o sentido do poder da informação. Ouvia o rádio baixinho enquanto os vizinhos ficavam a distância observando-o à espera das notícias.O rádio lhe ensinou a falar. Fez dublagem de personagens em quadrinhos e foi aperfeiçoando o uso da voz. Hoje, reclama, fala-se muito mal. “O naturalismo de consumo presente nas novelas é muito irritante; os atores precisam aprender a falar.”Sobre Sargento Getúlio, diz que não o considera western, como um jornalista o conceituou, mas entende que cada um vê o filme de um jeito próprio. Para ele, o personagem é um brasileiro do sertão. E não entra na discussão sobre produção e seus problemas. “Sou apenas um ator e, como tal, quero refletir a alma brasileira.”Conta que aceitou fazer o personagem porque se apaixonou por ele. “Não havia hotel (em Poço Redondo, no Sergipe), nem água (ele tomava cerveja quente e comia arroz com queijo); foi um trabalho movido à paixão.” E espera que seu personagem esteja à altura daquele criado por João Ubaldo Ribeiro. Do escritor, guarda o livro no qual ele escreveu a seguinte dedicatória: “Para Lima, o meu sargento”.Um jornalista português lhe pergunta sobre as relações com Portugal e, entre os vários filmes rodados no país, menciona Palavra e Utopia (2000), de Manoel de Oliveira, no qual interpreta Padre Vieira. “Acho que ninguém no Brasil viu o filme”, diz, e se surpreende porque os jornalistas reagem e confirmam que, sim, assistiram ao longa.E alguém lhe pergunta sobre o projeto do novo filme de Manoel, que Lima fará. Ele confirma que foi convidado, junto com Fernanda Montenegro para uma adaptação do conto A Igreja do Diabo, de Machado de Assis. “Acho melhor ele fazer logo, senão vamos todos ver o diabo de perto”, diz em referência à própria idade, a de Fernanda (84 anos) e a de Manoel (104). O filmeHermano Penna conta que Sargento Getúlio, realizado em 1978, ficou preso na Embrafilme por cinco anos. Diziam que o filme não tinha público. Até que Luís Carlos Barreto o assistiu, denominou-o o “Apocalipse Now do Terceiro Mundo” e o colocou para circular. Veio a Gramado, levou cinco Kikitos e, em oito meses, estava totalmente pago.O diretor não sabe mensurar o número de espectadores, pois o modo de contar o público naquela época era muito diferente. Mas se lembra de que em certas cidades, ele ficou seis meses em cartaz. E quando exibido na Rede Globo, deu 36 pontos de audiência. * O JORNALISTA VIAJOU A CONVITE DO FESTIVAL