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As vozes da periferia para o mundo

O lançamento simultâneo de dois livros, um de contos e um romance, mostra vozes campineiras que atravessam fronteiras por meio de um trabalho coletivo

Da Redação/ [email protected]
10/04/2024 às 09:33.
Atualizado em 10/04/2024 às 20:12
No livro ‘Roxo Seco, o autor revisita memórias de criança, enquanto que no romance ‘Irene’, conta histórias de sua avó materna (Divulgação)

No livro ‘Roxo Seco, o autor revisita memórias de criança, enquanto que no romance ‘Irene’, conta histórias de sua avó materna (Divulgação)

Tudo começa no tradicional ‘Sarau da Dalva’ e segue para uma série de ações presenciais de lançamentos em Campinas e em São Paulo, no período que antecede uma jornada de colaborações artísticas pelos continentes africano e europeu. O escritor, músico e educador Rafa Carvalho lança dois livros de sua autoria – o de contos “Roxo Seco” e o romance “Irene” – em eventos que contam com participações especiais, exposições de artes visuais, bate-papos sobre os livros e literatura, além de apresentações musicais. Depois, segue para a Tunísia – em residência artística e troca de experiências comunitárias – e Itália, onde participa de encontros literários promovidos por uma editora que pretende traduzir seus livros para o idioma italiano. 

Por trás dessa jornada, o que existe é a vontade de dar voz e expandir as relações comunitárias que permeiam o projeto que deu origem aos livros. O Coletivo Cultural Comunitário Encruzilhada Estrela Dalva abrange vários projetos culturais que “têm a perspectiva de publicar outros nomes da cidade, em especial as pessoas marginalizadas (mulheres negras, periféricas, usuários do CAPEs), com diversidade e com publicações que fogem do comum no padrão editorial”, comenta Rafael. Por essa razão, a editora Encruza, um dos braços do projeto, não tem fins lucrativos e tudo que recebe com a venda dos livros volta para impulsionar novas inciativas. Esse trabalho comunitário será foco de uma das atividades que Rafael participará na Tunísia, onde fará interações com grupos interessados nesse trabalho comunitário para impulsionar a cultura local. 

LITERATURA PESSOAL

Finalista do Prêmio Sesc de Literatura em 2018 na categoria contos, “Roxo Seco” é o livro onde o escritor revisita memórias da criança que foi (e acredita seguir sendo), tanto de suas vivências entre as periferias urbanas de São Paulo, ABC Paulista e Campinas, quanto de histórias das crianças de seu pai e sua mãe, transmitidas a ele pela oralidade. A mãe do escritor migrou para São Paulo do interior do Paraná, lugar conhecido pela terra roxa; enquanto seu pai é um retirante nordestino vindo da caatinga baiana, início do sertão – onde a terra é seca. O nome do livro vem daí, da mistura dessas terras; mãe e pai. E das histórias que se encontram para gerar novas. 

Um livro sobre raízes e futuro é como Maria Fernanda Elias Maglio – vencedora do Prêmio Jabuti 2018 – caracteriza essa obra: como um “livro-viela”. Ela destaca como o autor “se embrenha pelos mais inusitados desvios, revelando-nos encantadoras possibilidades de leituras, as coisas mais ordinárias e cotidianas”. Ela prefacia o livro ao lado do poeta Mailson Furtado, também vencedor do Prêmio Jabuti, e na live de lançamento online do livro – realizada no último dia 25 de março – ambos ressaltaram o fato de Rafa Carvalho ser um “escritor de linguagem”, reinventando constantemente seus modos de lidar com as palavras, de maneira que, pelos caminhos que cria, consegue falar sobre praticamente qualquer assunto, fundindo e confundindo tudo como se usasse a escrita como uma forma de costura.

O escritor e músico Rafa Carvalho lança dois livros – o de contos Roxo Seco e o romance Irene – em eventos que contam com participações especiais, exposições de artes visuais, bate-papos sobre os livros e literatura, além de apresentações musicais (Divulgação)

O escritor e músico Rafa Carvalho lança dois livros – o de contos Roxo Seco e o romance Irene – em eventos que contam com participações especiais, exposições de artes visuais, bate-papos sobre os livros e literatura, além de apresentações musicais (Divulgação)

O romance “Irene”, lançado simultaneamente, leva o nome da avó materna do autor. “Dentre tantas outras coisas, ela costurava e era muito conhecida pelas lindas colchas de retalhos que fazia. Morta em 2020, no início da pandemia, mergulhada num processo de demência, sua passagem movimentou em mim uma vontade antiga de criar um livro a partir de suas histórias”, conta Rafa. Ele tem trabalhado a ideia de que “todas as histórias importam. De todas as pessoas. E elas precisam ser contadas – inclusive nos livros, pela forma escrita”. Por isso, ele vem se envolvendo em ações que lidam principalmente com pessoas periféricas e populações marginalizadas, no tocante ao acesso às vias de registro e publicação de suas próprias vivências. 

É essa experiência que tem fomentado sua pesquisa de doutorado, na Faculdade de Educação da Unicamp, em parceria com um grupo de mulheres das periferias de Campinas, que partem do contato com a escrita de Carolina Maria de Jesus para contarem, dos mais diversos modos, suas histórias pessoais. A mesma motivação impulsionou ainda a criação da Editora Encruza, em 2022, que pouco a pouco vai materializando, em livros, expressões dessas múltiplas vozes. “É como uma colcha de retalhos editorial. Tudo está ligado”, enfatiza o escritor. Para ele, a vida é complexa e precisamos nos dispor a enxergá-la assim: com todas as suas conexões. 

“Irene”, que passa a ser o seu romance de estreia, deveria ser, conforme diz na abertura, “um livro emocionante, mas normal” sobre sua vó. Longe disso, o romance passou a ser uma narrativa muito mais complexa sobre a vida e suas intersecções. Por vezes, parecendo-se com um mergulho na loucura; não da avó, mas do próprio autor. Rafa abre espaço para as múltiplas vozes que tantas vezes ouvimos em nossas cabeças, tateando suas variedades, ou ainda, como ele descreve: “entrando no labirinto sem novelo”. De fato, parece que o novelo fica para costurar toda essa miscelânea de histórias, vivências e considerações, que vai tramando no caminho. 

Para a editora e escritora Sabrina Sanfelice, “Irene” é um livro de meta-literatura. “Há nele uma coesão impressionante: capas, orelhas, dedicatórias… tudo faz parte do que o livro conta. Tudo compõe a história. Que é muito sobre Rafa, sim, mas sem deixar de ser da sua avó; como acaba sendo de todos nós, em alguma medida. Um livro que é ainda sobre o próprio gesto de escrever, produzir livros e fazer literatura”, diz. “Irene” se aprofunda no desafio que é materializar o imaterial, dizer aquilo que as palavras não dão conta de alcançar; uma briga do autor consigo mesmo, para tentar o impossível. Um “livro-labirinto” onde as pessoas podem usar seus novelos para não se perder. Ou contrariamente para se perderem: enquanto tecem suas próprias colchas de retalhos. 

PRODUÇÃO E SARAUS

O livro de contos “Roxo Seco” é uma coedição da Pontes Editores com a Editora Encruza, também responsável pela publicação de “Irene”. Os rendimentos das vendas dos livros da Editora Encruza são todos destinados a viabilizar a publicação de novas vozes e inclusão de suas histórias no meio literário. Ambos os projetos têm apoio do Proac Editais e esta é a sétima publicação da editora. A capa de “Roxo Seco” é uma criação em artes visuais do próprio autor, que aparece na capa de “Irene” vestindo as roupas de sua avó depois de perder, para isso, cerca de quinze quilos. Um ensaio de fotos homônimo, produzido na ocasião, será exposto em Túnis, na Tunísia, no próximo mês de maio, durante sua residência artística naquele país. A editora Encruza – nome que se refere à encruzilhada de avenidas que convergem para o local dos saraus — nasceu em 2022. 

O “Sarau da Dalva”, onde tudo começou, é um local de encontros de escritores, poetas e artistas periféricos, localizado em uma parte do Bar do Manoel, chamado Estrela Dalva. Rafa Carvalho conta que o Sr. Manoel é seu pai, semianalfabeto e resolveu abrir o bar em um momento de desemprego. Rafael é escritor, músico e educador e sentia falta de bibliotecas e equipamentos culturais públicos no bairro São Quirino (região Leste de Campinas), onde mora e onde está o bar. Assim, decidiu abrir uma biblioteca comunitária no espaço. E ali as pessoas começaram a se juntar para ler, comentar seus escritos, dando origem ao sarau comunitário. O nome Dalva é uma homenagem à mãe do Sr. Manoel e avó de Rafael. “Uma mulher com uma relação muito forte com a poesia, mas que não pode se expressar adequadamente pelo contexto machista e repressivo da época”, conta.

PROGRAME-SE

Lançamento dos livros “Roxo Seco” e “Irene” 

✔ Quarta-feira, dia 10, das 19 às 22h
Sarau da Dalva - Av. Lafayete Arruda Camargo, nº 767, Parque São Quirino

✔ Sábado, dia 13, das 14 às 16h
Livraria Pontes - R. Dr. Quirino, nº 1.223, Centro

✔ Quinta, dia 25, das 19 às 21h 
Biblioteca Pública Municipal Professor Ernesto Manoel Zink  
Av. Benjamin Constant, nº 1.633, Centro

✔ Domingo, dia 28, das 14h às 19h
Sebo Pura Poesia - Rua Costa Aguiar, nº 1.112, Ipiranga, São Paulo

Informações: 
Instagram @poetante e @encruzaestreladalva

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