Artesãos incluem, em suas criações, simbologias que trazem uma conexão espiritual ou mística para atender à demanda de pessoas que buscam por boas energias
Adriane Lima (esquerda) se dedica a criações rústicas, com mdf e madeira de demolição; a artista Elisa Rospendowish (direita) produz mosaicos de vidro, criando uma linha sacra de grandes mandalas com santos
O Natal e a aproximação do final do ano incentivam as pessoas a fazerem um balanço íntimo e pessoal. E é nessa hora que muitos enxergam a necessidade de desacelerar, buscar mais equilíbrio, atrair boas energias para sua rotina, além de outros questionamentos que passam pelos campos místico e espiritual. A junção entre arte e devoção resulta em peças artísticas para presentes, mimos pessoais e decoração. Basta dar uma passeada pelas muitas feiras de artesãos que acontecem pela cidade e em lojas que trabalham com o artesanato criativo para constatar.
Há desde artistas que trabalham exclusivamente para atender a devotos de Nossa Senhora Aparecida — Padroeira do Brasil desde 1930 — até aqueles que se dedicam a artes místicas e do sincretismo religioso. Entram nessa lista peças estilizadas com mensagens, mandalas, anjos, pinturas, estatuetas de variados santos, joias e bijuterias, dobraduras e pedras nos mais variados estilos. A imagem do Espírito Santo no formato de ave e a palavra gratidão passaram a ser indispensáveis com quem trabalha nesse ramo. E até o Tsuru, pássaro sagrado do Japão, é reproduzido em dobraduras para desejar paz e cura.
A pandemia foi um marco divisor também para esse segmento. Segundo a artesã Rita Maran Garcia, que trabalha com semijoias e bijuterias, as peças com cruz, Jesus ou medalhas de santos - já foram mais procuradas em outros tempos, diminuiu após a pandemia. "Creio que é devido à diversidade religiosa, as pessoas mudam muito o rumo da sua fé, e há também muito misticismo", avalia. Esta observação é compartilhada por Maria Cristina Agos, que há 31 anos leva seus santinhos pelas feiras de artesanato. Com peças em resina, gesso ou bisqui, ela faz a pintura e decoração com pedrarias, e observa que seus clientes são mais idosos.
A artista Adriane Lima, que se dedica a uma criação mais rústica, com mdf e madeira de demolição para uma arte mais sustentável, passou a incorporar a espiritualidade em suas peças após a pandemia. Placas de portas, móbiles, quadros e decorações natalinas ganharam mensagens de fé e motivacionais, inclusive com os conceitos do Ho'oponopono (prática havaiana que utiliza as palavras "entrego, confio, aceito, agradeço"). "São muito procuradas", afirma. Quem produz bastante sem conseguir atender a toda a demanda é a artista Elisa Rospendowish, que trabalha há 22 anos com mosaicos de vidro e criou uma linha sacra de grandes mandalas com santos, a imagem do espirito santo e a oração do Pai Nosso, entre outras. "Foi uma reinvenção provocada pela procura no pós-pandemia", conta.
Os anjos são figuras que agradam em qualquer época do ano, garante Martha Reiss Dini, artesã de "Anjos de Luz" há 28 anos. Ela e o marido fabricam as peças de vários tipos e tamanhos em resina de poliéster e pó de mármore. Anjos em miniatura com mensagens, outros com luz interna e bioleds, oratórios e sinalizadores de tomadas são algumas de suas criações, para atender à mística e à fé de cada pessoa. A busca pela energia das pedras é outra demanda que não tem época, conta Marcelo Godoi, que faz colares e pulseiras com pedras naturais. Ele conta que a energia presente em cada pedra pode interagir com campo energético das pessoas e, por isso, a procura é grande.
O pássaro tsuru é uma das figuras mais tradicionais da arte oriental do origami (dobradura em papel) e simboliza desejos de paz, saúde, sorte e longevidade. Os cordões cheios de mini tsurus cuidadosamente dobrados um a um são parte do artesanato confeccionado pela artista Kazumi Yuli, uma economista que passou a se dedicar ao artesanato após ter passado por um difícil tratamento de câncer. Ela confecciona também bordados com fita, mas o tsuru é o mais procurado para quem quer desejar boa sorte a outra pessoa.
AS ARTES DE NOSSA SENHORA
A relação do Brasil com Nossa Senhora da Aparecida vem desde 1917 - embora tenha sido reconhecida como padroeira somente em 1930 - e é "uma das figuras religiosas mais adoradas e representadas artisticamente", segundo Camila Gomes Fantini, idealizadora do projeto Imaterial Artesanato Brasileiro. Nas mãos da artesã Alice de Oliveira, palhas de milho crioulo se transformam em orixás, preto-velhos e imagens de santos católicos. Com trabalhos feitos em Campinas e premiados em edições do Salão de Arte Popular Religiosa (Fenearte-Pernambuco), a imagem de Nossa Senhora Aparecida confeccionada por Alice foi uma das finalistas neste ano.
Com uma ligação pessoal com as figuras religiosas, Maria Tereza de Almeida Rossin, também de Campinas, comenta que suas imagens representam o sagrado. "Me encantam", afirma a artesã que começou a trabalhar com a técnica de figuras estilizadas e vazadas, confeccionadas em terracota, em 2014. Desde então, já criou diferentes figuras religiosas e presépios, além de mitos gregos e pássaros. Entre as peças que considera mais trabalhosas, ela aponta a de Nossa Senhora Aparecida.