ANIMAÇÃO

Arte em movimento: quase 50 anos de animação campineira

Núcleo de Cinema de Animação de Campinas é um dos mais ativos e importantes do país, trabalhando com desenhos autorais e oficinas, tanto nas escolas da região como em comunidades indígenas

Aline Guevara/ [email protected]
22/01/2024 às 08:47.
Atualizado em 22/01/2024 às 08:47
O animador Maurício Squarisi incentiva traço próprio dos alunos; cena é da animação "História Antes de Uma História", longa-metragem de Wilson Lazaretti (Divulgação)

O animador Maurício Squarisi incentiva traço próprio dos alunos; cena é da animação "História Antes de Uma História", longa-metragem de Wilson Lazaretti (Divulgação)

Animação no cinema não é só aquilo que sai com o selo Disney, Pixar e similares – ela é muito mais ampla e rica do que a falta de diversidade em distribuição dessas obras nos faz imaginar. O Brasil, por exemplo, é um grande produtor e algumas delas ganharam o mundo. É o caso do filme “O Menino e o Mundo”, de Alê Abreu, que chegou a concorrer ao Oscar 2016, e a série “Irmão do Jorel”, de Juliano Enrico, que levou a arte brasileira a ser reconhecida no exterior. Mas você sabia que um dos núcleos de animação mais importantes do País está justamente em Campinas?

O Núcleo de Cinema de Animação de Campinas foi fundado em 1975 e, desde então, nunca parou de produzir. Wilson Lazaretti, um dos diretores, lembra que nos primórdios o grupo começou dentro do Conservatório Carlos Gomes, com apoio e incentivo de Léa Ziggiatti, que faleceu na última quarta-feira. Inicialmente, o foco eram as aulas para as crianças, mas quando ele migrou para dentro do Teatro Castro Mendes, passou a atender um público mais diverso, inclusive muitos artistas da cidade passaram a fazer parte dele. É o caso do artista plástico Maurício Squarisi, que entrou em 1979 e não saiu mais. Hoje, ele e Wilson coordenam os trabalhos que somam 49 anos ininterruptos do núcleo.

PROCESSO DE ANIMAÇÃO

“A gente não precisa de um estúdio completo para fazer uma animação”, explica Wilson, que constrói filmes dentro de seu escritório. “Precisamos dos desenhos, de uma máquina para escaneá-los e de um programa de edição”, complementa. Este é o processo que o núcleo aplica em suas oficinas, muitas vezes em escolas, ensinando como fazer e produzir no tempo de uma semana um curta-metragem de animação.

“Os alunos desenham a partir de um tema que, às vezes, nós sugerimos, ou a escola determina, ou ainda a turma indica. Trabalhamos muito a temática de sustentabilidade ou de relacionamentos entre jovens, como o bullying. Uma das últimas animações que fizemos foi sobre um estudante cadeirante sendo acolhido”, detalha o animador. Além da prática, os professores transmitem, durante as aulas, noções de linguagem cinematográfica. E o desenho não precisa ser rebuscado. O que mais importa para a oficina é que os traços sejam autênticos.

TRAÇOS PRÓPRIOS

A dupla à frente do núcleo não é muito fã das animações Disney. Eles explicam que a empresa, referência mundial no assunto, estabelece regras e padrões que limitam a criatividade e a autenticidade dos animadores. “É por causa da Disney que há essa ideia de que animação é coisa de criança, porque a empresa foca em conteúdos infantis”, informa Wilson.

Maurício complementa dizendo que o trabalho do Núcleo de Cinema de Animação de Campinas consiste também em incentivar os traços e estilo próprios de cada um. “Isso, inclusive, ajuda na autoestima da pessoa, pois ela vê que seu desenho também é válido e pode virar uma animação”, diz o artista plástico.

Com traços próprios e únicos, cada animação pode ser algo diferente, refletindo realidades diversas. O Núcleo contabiliza a produção de 2.500 curtas-metragens, grande parte dentro de escolas públicas de Campinas e região. Se a Disney não é parâmetro, Wilson e Maurício elencam outras referências dentro da área: o animador italiano Bruno Bozzetto, do filme “Allegro non troppo” (1976) que traz o desenho ao som da música clássica; o escocês Norman McLaren, figura fundamental para a animação experimental; e ainda o brasileiro Chico Liberato, diretor da animação inspirada no imaginário do sertão nordestino “Boi Aruá” (1984).

ANIMAÇÃO INDÍGENA

Uma das frentes de trabalho do Núcleo tem sido as oficinas direcionadas para as comunidades indígenas dentro do projeto “História de Todos os Povos”. As pessoas atendidas são desde estudantes indígenas na Unicamp até populações ribeirinhas no Amazonas. “Eles têm maneiras próprias de desenhar e contar as suas histórias”, indica Wilson. Os diretores esperam que esta seja uma maneira de as comunidades se apropriarem de suas próprias narrativas, mitologias e crenças e possam contá-las sob o seu ponto de vista, grafismo e referências. “Já temos muitas histórias deles contadas por outros, mas acreditamos que é muito mais rico e interessante ter algo criado por eles mesmos”, conclui a dupla.

Algumas das obras criadas pelo Núcleo de Cinema de Animação de Campinas podem ser assistidas no canal www.youtube.com/@mausquarisi.

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