DISCO

Aos 78 anos, cantora Elza Soares lança novo álbum

A artista surpreende novamente com o disco 'A Mulher do Fim do Mundo', seu 34º trabalho de estúdio, que traz canções com letras que expõem preconceitos

Marita Siqueira
24/10/2015 às 19:30.
Atualizado em 23/04/2022 às 03:40
Para Elza Soares, sexismo e preconceito racial são temas que não podem sair de cenar
 (Stèphane Munnier/Divulgação)

Para Elza Soares, sexismo e preconceito racial são temas que não podem sair de cenar (Stèphane Munnier/Divulgação)

Quase seis décadas de carreira — o primeiro lançamento foi 'Se Acaso Você Chegasse' (Odeon, 1959) — e Elza Soares, aos 78 anos, surpreende novamente com o disco 'A Mulher do Fim do Mundo' (Natura Musical), seu 34º trabalho de estúdio. Fugindo de sua zona de conforto, a cantora gravou pela primeira vez um repertório 100% inédito e com arranjos mais rock’n’roll e barulhentos do que nunca. Além disso, fez questão de expor as dores e as feridas que continuam abertas em sua pela negra e na sociedade brasileira: preconceito racial e machismo. O despertar para o projeto se deu nos bastidores do show de lançamento do disco 'Eslavosamba', de Cacá Carvalho, do qual Elza participou, tanto na gravação, quanto na apresentação. “Estávamos lá, quando surgiu a ideia. Eu disse ‘bora, vamos lá’, mas não sabia que seria tão forte”, diz ela. A ideia foi do produtor e baterista Guilherme Kastrup, proponente do edital Natura Musical que contemplou o trabalho pelo Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (Proac). “Elza topou na hora mesmo, sem restrições”, afirma Kastrup, acrescentando que a artista disse que as letras deveriam tratar do preconceito contra a mulher e contra os negros. Segundo a cantora, estes temas devem sempre ser abordados “porque as pessoas passam flanelinha sobre eles. Fica a aparência para as pessoas que é tudo bonito, que nada acontece, mas, por baixo daquela flanela está acontecendo muita coisa ainda. É terrível. A gente sente na pele essas heranças malditas”, afirma. E faz questão de levantar bandeira: “Esse disco é feminista”, explica. “É um disco de denúncia”, diz, referindo-se, especialmente, a faixa 'Maria da Vila Matilde', de Douglas Germano. “Ainda há mulheres que não têm coragem de denunciar uma agressão. Isso acontece e deve ser falado”, completa. A cantora é incisiva quanto ao preconceito e as segmentações sociais. “Continua tudo a mesma coisa. Fico pensando nessas crianças negras que nascem agora. Qual será a identificação delas?. Não houve nenhum progresso”, opina. Essas inquietações devem ser sentidas e denunciadas pelos artistas, acredita ela. “Nós temos o microfone na mão e não é só para ganhar o dinheiro, não, nem só pra fazer sucesso. A gente que ajudar as pessoas e reverenciar o povo. Eu sei que, sozinha não vou conseguir fazer tudo que eu queria, mas faço minha parte e acho que faço”, avalia. No disco, Elza une sua potente voz às letras contundentes de Douglas Germano, Romulo Fróes, Alice Coutinho, Kiko Dinucci, Celso Sim, Pepê Mata Machado, Cacá Machado, entre outros da nova e atuante geração de compositores de São Paulo, convidados para trabalhar no álbum. “São todos de paulistanos, representantes de uma cena musical e estética muito especial. Quando soltamos a ideia para eles, muitos fizeram a música para a Elza mesmo”, conta Kastrup. A veterana encarou o projeto como mais um grande desafio. “Depois de tantos anos de carreira, fiz um disco inédito. Foi um dos maiores desafios da minha vida e estou feliz que você nem calcula”, diz. A proposta apareceu em meio a um cenário pessoal difícil, quando tentava superar a perda do filho. “Esse disco me ajudou a acreditar, a levantar correndo e pensar ‘meu Deus, eu existo’. Fui para o spa Maria Bonita me recuperar e todo mundo ajudou. Só tenho que agradecer”, diz ela. O resultado foi que 'A Mulher do Fim do Mundo' ficou sonoramente com a cara de São Paulo, embora a voz de Elza seja uma digníssima representante da música carioca. No rock, com batidas fortes, seu timbre marcante ressaltou as denúncias dos versos. O CD mostra que, se aliar o talento com a sede de inovação, não existe idade, problemas físicos ou psicológicos que impeçam a produtividade criativa de um grande artista.

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