CINEMA

Almodóvar apela para o humor grotesco em novo filme

'Os Amantes Passageiros' se trata de exercício tolo sobre o que há de mais estereotipado no universo gay

João Nunes/Especial para o Correio
28/06/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 11:09

Em março, quando Pedro Almodóvar lançou na Espanha 'Os Amantes Passageiros' (Los Amantes Pasajeros, Espanha, 2013), quase 250 mil espectadores o assistiram no primeiro fim de semana. Natural. Esperar o novo Almodóvar se tornou um dos maiores prazeres de cinéfilo nas duas últimas décadas.

Porém, o crítico Carlos Boyero, do El País, de Madri, destruiu o filme. “Que fiz eu para merecer isto?”, titulou o jornalista em sua crítica no jornal, referindo-se ao filme do cineasta realizado em 1984. “Um dos filmes mais bobocas que vi em muito tempo; é o que se pode chamar de vergonha alheia.” De espanhol para espanhol — eles que se entendam.

Mas, sinto dizer, o crítico está coberto de razão. E que me perdoem o incensado (com justiça) diretor e seus fãs (digamos que eu me incluiria entre estes): a nova empreitada, tida como volta à época (os anos 1980) em que o diretor realizou comédias marcantes, não é menos que constrangedora.

E ele ainda inventou de declarar que este era seu filme mais gay. E daí? O que isto acrescenta, melhora ou piora? Nada. Pensando bem, joga contra, pois se trata de exercício tolo sobre o que há de mais estereotipado no universo gay que, sinceramente, não interessa a ninguém.

Diálogos horríveis, desperdício de atores como Cecília Roth (esplêndida em Tudo Sobre Minha Mãe, de 1998; aqui, uma sombra da grande atriz), história boba, referências escatológicas (até tu, Almodóvar?) sem graça, palavrões desnecessários e intimidades masculinas expostas de modo grotesco: tudo com o objetivo de fazer rir. Porém, só provoca vergonha alheia, como bem escreveu o crítico.

No passado, o cineasta inventou jeito novo de fazer comédia — cheia de truques inusitados, cores berrantes que criaram estilo, texto inventivo e abordagem moderna na difícil tarefa de gerar riso. Caso do emblemático 'Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos' (1988) citado em 'Os Amantes Passageiros' (viajantes da classe econômica são dopados e dormem todo o trajeto), que não passa de pálido humor almodovariano. Aliás, se há algo que o filme não desperta é riso.

Logo nas primeiras cenas reconhecemos os atores e resquícios do que cada um foi em películas anteriores do cineasta: Penélope Cruz, Antonio Banderas, Cecília Roth, Javier Cámara e Lola Dueñas. A presença deles dá-nos a sensação de que embarcaremos em mais uma deliciosa comédia do diretor. Ao final, fica a impressão de que fomos ludibriados. O cineasta apenas esboçou ideias que remetiam ao rico passado que ele construiu e as abandonou à deriva.

À deriva está o avião — praticamente único cenário — que voa de Madri para a Cidade do México, porém não consegue passar de Toledo, e terá dificuldade de aterrissar por causa de avarias no trem de pouso.

Enquanto isto, uma senhora quer perder a virgindade, um trio de comissários gays (Javier Cámara, Carlos Areces e Raúl Arévalo) só fala bobagens (a dancinha é “o horror”), a dupla de pilotos héteros vira homo e uma mulher se sente ameaçada, mas só quer fazer sexo. Quase tudo o que já se viu em Almodóvar. Só que avariado. Bem avariado.

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