ESTREIA

"Além das Montanhas" é um drama dilacerante no mosteiro

Premiado em Cannes, longa do romeno Cristian Mungiu é novidade em Campinas

João Nunes
correiopontocom@rac.com.br
08/03/2013 às 15:58.
Atualizado em 26/04/2022 às 01:33

Cena do filme "Além das Montanhas" (Divulgação)

'Além das Montanhas' ('Dupa Dealuri', Romênia, França, Bélgica, 2012), do romeno Cristian Mungiu, filme que estreia esta sexta-feira (8) em Campinas, pode ser lido como crítica à religião — a maneira como esta trata um problema sobre o qual não tem controle. Neste caso, tudo ao que não cabe explicação racional coloca-se na conta do demônio. Mas seria simplificá-lo demais se fosse apenas isso.

Começa que temos de somar religião à repressão sexual, porque no cerne do filme existe dolorida tensão amorosa (ao mesmo tempo fraterna e carnal) entre as protagonistas Alina (Cristina Flutur) e Voichita (Cosmina Stratan). Criadas juntas em orfanato, a primeira vai para a Alemanha, porém, não suporta a ausência da amiga e retorna à Romênia para buscá-la. Inútil. Voichita entrou para um mosteiro e não deseja mais a vida mundana.

O desespero de Alina em convencer a amiga e a resistência desta em se apegar ao mundo seguro (mas inóspito, tristonho e indigente) do mosteiro surge como ponto central do drama. Cria-se, portanto, um pêndulo, pois os dois lados se medem em pesos iguais.

Alina quer tirar Voichita do mosteiro. Esta não quer sair e ainda tenta convencer a amiga a entrar. Alina até aceita, mas não suporta a torturante vida monástica, pois se alimenta mal, trabalha muito e não sobra tempo para paixões outras que não seja servir a Deus. O padre chefe, o fiel da balança, tomará partido da mulher piedosa, mas a reação de Alina será devastadora.

Para o padre e as pobres monásticas, Alina está endemoniada. Em desespero para provar sanidade, Alina apela para os sentimentos da amiga em uma luta heroica e doentia a fim de defender sua paixão. O impasse irá gerar enorme conflito no qual todo mundo será afetado.

Cristian Mungiu dirige magnificamente este drama no ritmo da pulsão apaixonada que brota de seus personagens. Escolhe a linguagem claustrofóbica da imagem fechada sobre os atores e sobre a própria cena. E cobre a tela em cores brancas da neve e das vestes negras (com raras exceções) das monásticas revelando as poucas alternativas que se oferece à própria história, como se tudo estivesse dividido entre duas únicas opções: o mundo carnal de um lado e o espiritual do outro.

Assim como é exuberante a mise-en-scène, a maneira como o diretor conduz os atores (a maioria de mulheres) num vaivém impulsionado pelo desconforto, medo e desejo profundo de que aquilo termine logo. Para isso, Alina terá de cooperar, mas ela não quer.

E neste ponto, fica evidente que o filme não trata apenas da religião e da repressão sexual, mas de definir o mundo como tal. A aflição de Voichita em convencer a amiga em resignar-se a uma vida sem brilho como modo de salvação é comovente. O mesmo se dá com as tentativas de Alina em mostrar que o mundo lá fora pode ser bem melhor. Sim, há saídas (a salvação está em outro lugar, ela quer dizer) para a vida trancada em celas e de completo abandono dos bens materiais.

Cosmina Stratan e Cristina Flutur ganharam o prêmio de atriz em Cannes, em 2012, e o roteiro do próprio diretor foi escolhido o melhor. Prêmios merecidos para um filme que se anuncia como longa batalha entre as forças espirituais do bem e do mal. Batalha perdida para os dois lados porque o mundo é muito mais amplo. Há muitos mais mistérios entre os céus e a terra do que se supõe, diria Hamlet.

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