FOTOGRAFIA

Alan Marques revela o Haiti em preto e branco

Fotógrafo mostra o país devastado no livro "Bon Bagay - A Luta no Haiti Após Terremoto"

Fábio Trindade
10/02/2013 às 17:31.
Atualizado em 26/04/2022 às 05:03
Fotografia de Alan Marques que está no livro "Bon Bagay - A Luta no Haiti Após Terremoto" (Divulgação)

Fotografia de Alan Marques que está no livro "Bon Bagay - A Luta no Haiti Após Terremoto" (Divulgação)

O fotojornalista brasileiro Alan Marques foi trabalhar na cobertura do terremoto que devastou o Haiti, em janeiro de 2010. Durante os 20 dias em que esteve entre corpos e escombros, Alan também se deparou com o sofrimento, as dificuldades e a vontade de seguir adiante da população que precisou encarar as consequências da tragédia. As fotos publicadas não foram suficientes para explorar o vasto material produzido pelo fotógrafo. Mas seria inaceitável esquecer o trabalho realizado lá e deixar de mostrar a rotina das pessoas nos difíceis dias arrastados pelo desastre natural.

Alan então montou o livro 'Bon Bagay - A Luta no Haiti Após Terremoto', com o intuito de, mais do que mostrar o desastre no Haiti, apresentar a sua interpretação como pessoa do que viu por lá, fugindo da realidade de um fotojornalista em retratar fatos. “Foram 20 dias sendo testemunha de tudo aquilo. A pessoa que foi para o Haiti não é a mesma que voltou. E isso é o que eu quero passar com o livro”, explica Alan.

Para isso, o autor escolheu usar fotos em preto e branco para deslocar a triste realidade do país e tentar não agredir os leitores. “Mas que, ao mesmo tempo, dessem o caráter do que foi essa tragédia. Eu evitei pessoas mortas, evitei coisas com impacto muito negativo e tirei a cor, porque quando você faz isso, você evita o choque nas pessoas. Mas a cobertura foi muito mais além do que isso.”

Como fotojornalista, Alan conta que seria impossível fazer esse tipo de trabalho. A única alternativa seria a busca por algo autoral, para dar uma visão extremamente particular. “Eu não pensei na tragédia, mas no ser humano. Eu não quis dar nenhum tipo de conotação que suprimisse o desastre, mas que também não aproveitasse do momento. As pessoas ali estavam vivendo a rotina delas. Tinha uma turma grande de militares socorrendo, mas não era nada extraordinário, pois essa é a vocação deles. Tem um contexto grande, mas não quis colocar uma lupa e mostrar coitadinhos. Não quero adjetivar as pessoas que sofreram”, lembra o fotógrafo.

Alan focou em todo o livro os olhos das pessoas, separados por seções cronológicas, já que é por eles que é possível entender, garante, tanto o sofrimento, o desespero, como também a esperança. “Tem foto que você consegue identificar nos olhos como aquele personagem é real, que ele está vivo, mesmo com o deslocamento da realidade.”

Cronologia

A seção 'Em Pedaços' abre a obra, trazendo a destruição causada pelo terremoto que matou mais de 200 mil pessoas e afetou a vida de cerca de 3 milhões. Fotos mostram ruas que viraram pó, prédios transformados em escombro, o caos em geral. Edifícios importantes na capital Porto Príncipe ganharam destaque, como a catedral da cidade e o palácio nacional. E, diante de tudo isso, vem então a 'Solidão'. Aqui, Alan retratou haitianos desolados tentando sobreviver no que antes era uma cidade. Imagens como um bebê machucado dormindo em um cobertor entre pedregulhos simplesmente chocam.

O que fica depois de enfrentar uma tragédia assim é 'Marcas', a seção seguinte. Alan traz então alguns personagens que conheceu durante a viagem, como Carole Gedeson, de 40 anos. Ela e a família de sete filhos e o marido vivem em um barraco de madeira de dois cômodos com banheiro a céu aberto. Além de uma refeição diária, biscoitos de barro haitiano, feitos a partir de uma mistura de terra, água e manteira que é deixada ao sol para secar, completam a alimentação. Algo tão marcante para o autor que Carole preparando o biscoito estampa a capa de Bon Bagay.

Aliás, Bon Bagay é uma expressão do creole, a língua remotamente derivada do francês falada na ilha caribenha. As duas palavrinhas não saem da boca da população local, usadas como uma saudação a um estrangeiro, um chamado fraterno a um amigo. “Algo como sangue bom, gente boa”, diz. Alan afirma que sentiu um espírito Bon Bagay naqueles dramáticos dias após a ocorrido por todo o Haiti muito intensamente.

Tanto que a seção homônima dentro do livro mostra os militares brasileiros em missão no país. Considerando que a situação no Haiti ainda constitui ameaça para a paz internacional e a segurança na região, o Conselho de Segurança decidiu estabelecer a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti, que assumiu a autoridade exercida pela Força Multinacional Interina em junho de 2004. No terremoto, 96 funcionários civis e militares da ONU morreram, a maior perda da Organização, sendo 20 deles brasileiros. “Essa missão no Haiti é muito importante para o Brasil. Eu não tinha como ir para lá e fechar os olhos para essa ação. Era o momento mais importante no cenário internacional para nós. Trata-se de uma operação de socorro. E as mortes representaram uma grande perda. Essa parte da história da tragédia não poderia estar excluída, porque faz parte de toda a cobertura.”

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