ATEMPORAL

A resistência do vinil

Na era dos streamings e da música digital, o vinil se recusa a sair de cena, com colecionadores e nichos específicos incentivando artistas a adotarem a velha mídia para novas produções

Cibele Vieira/[email protected]
27/04/2025 às 15:14.
Atualizado em 27/04/2025 às 15:44
 (Arquivo Canva)

(Arquivo Canva)

O antigo "bolachão", apelido do long play (LP) que dominou o mercado brasileiro desde o lançamento em 1951 até 1996, ainda resiste e conquista artistas e amantes da boa música. Depois de cair em desuso com a chegada dos CDs e, mais recentemente, com a entrada das plataformas digitais de música, os discos de vinil ganharam fôlego nos últimos anos e voltaram a ser produzidos em tiragens limitadas para atender a nichos específicos. Uma prova disso são as inúmeras feiras de venda de vinis que acontecem em Campinas, inclusive hoje, na Casa Saito.

Além das edições 'vintage' procuradas por colecionadores, a feira oferecerá novos discos gravados nessa mídia por artistas e produtores de Campinas. O evento terá, inclusive, uma exposição que reúne o acervo de aproximadamente 90 LPs somente de artistas e músicos de Campinas que um dia lançaram seus trabalhos em discos de vinil.

A mostra do acervo campineiro é organizada pelo jornalista Adriano Rosa, um entusiasta da mídia e com uma coleção particular de 4 mil LPs, de todos os estilos musicais. Ele contará um pouco sobre a produção em vinil por artistas locais no podcast gravado durante o evento (às 15h), conduzido por Marcelo MSJay — professor do curso de DJ e de rádio no Senac — e pelo colecionador de discos em vinil Rafael Marcolino, produtor do selo campineiro Spectro Records.

A Casa Saito fica na Rua Diamante, nº 82 no bairro São Quirino, e o evento acontece hoje (domingo, 27), das 10h às 20h, com entrada gratuita e música ao vivo, DJs, lojistas de discos, artistas e feirinha de produtos artesanais.

UM RITUAL PARA OUVIR

A praticidade das mídias digitais não é questionada por quem opta pelo vinil. Mas existe uma grande diferença na forma de ouvir, explica o produtor musical Victor Marcellus, do Estudio 601, sediado no Jardim Chapadão, em Campinas. Ele comenta que o crescimento dessa mídia nos últimos anos tem relação direta com a experiência que o disco proporciona. "O ritual começa ao convidar os amigos para sentar em casa e apreciar cada faixa, curtir o apelo visual das capas, a ficha técnica interna que permite saber detalhes daquela produção. É um ouvir que te obriga a parar e apreciar o momento", afirma. Mas tudo isso requer um bom conjunto de equipamentos, com toca-discos, amplificador e caixas.

Marcellus, que também é baterista, já gravou em 2024 seu próprio disco, chamado "70", com participação de outros artistas e em parceria com o selo Spectro Records. O nome se dá por ser um rock autoral com forte influência dos anos 1970, para atender ao mercado de apreciadores do gênero e colecionadores. Com dez faixas e impresso em uma mídia laranja translúcida, com 250 unidades, ele comenta que a comercialização desse tipo de disco é lenta, por isso as tiragens são pequenas. "É caro, mas tem gente dando valor", comenta.

MEMÓRIA AFETIVA

Ricardo Margado tem a música como o lado B de sua vida, já que trabalha como engenheiro em um multinacional. Durante a pandemia, para ocupar o tempo, buscou comunidades de músicos nas redes sociais e acabou formando parcerias inesperadas. Ele toca violão e contrabaixo e, junto com a cantora americana Rebecca Riss, gravou uma música que acabou agradando as comunidades onde postou. Com isso, recebeu várias propostas de parcerias que renderam a gravação de um álbum em vinil, com 12 faixas e a participação de 13 músicos de cinco países diferentes.

As gravações do álbum "Dellirium" — art rock indie — foram feitas separadamente e a remasterização foi realizada nos Estados Unidos, com lançamento por dois selos locais, sendo o CD em 2021 e o vinil em 2022. Teve baterista da Dinamarca, letrista de Israel, violonista de Berlim e vários outros que só se conhecem pela Internet. Agora, ele já trabalha em um novo álbum, com seis faixas, que pretende lançar no próximo ano. "O vinil é uma das minhas maiores paixões, é uma mídia que nunca vai morrer, é um resgate da nossa memória afetiva" salienta.

NOVOS OPTAM PELO LP

O compositor Leandro Mendes tem muitas memórias das músicas do rádio, dos tocadiscos que toda casa tinha, das rodas de violão em festinhas caseiras e dos festivais que já participou. Ele é do Paraná e veio para Campinas em 2005 dar aulas de História na rede pública, e aqui intensificou seu gosto musical, se relacionando mais com artistas e dando início à coleção de LPs, que hoje já soma um acervo de 4 mil discos. Depois de ajudar vários amigos na produção de discos, em 2023 resolveu resgatar composições autorais e montou um álbum com 11 faixas, com algumas parcerias, chamado "Um Beijo Pop". 

E para gravar seu primeiro disco — que reúne estilos diversos como bossa nova, samba, pop, rock psicodélico e outros — em um estilo optou pelo vinil. "É uma opção para quem gosta de música, que não se preocupa muito com o produto comercial, mas tem a música quase como uma religião", afirma. Para financiar essa produção independente, ele teve que vender um carro. "A ideia não é ganhar dinheiro, mas fortalecer a cultura do vinil", diz Leandro, que sonha em criar sua própria editora musical. @leandro_doto estará na Casa Saito neste domingo.

O VINIL É UMA ESCOLHA

Para o músico Du Rompa, campineiro que mora em Piracicaba e já tem dois discos gravados em vinil com seu trio, continuar com essa modalidade para os próximos trabalhos é uma opção. Os dois LPs, de seu projeto "Du Rompa Hammond trio", foram lançados pelo selo Blue Crawfish Records: "Sol e poeira" (2021) e "O Beijo da Serpente" (2024). "A decisão de imprimir em vinil começa pelo fato de eu ser um apreciador desse tipo de mídia e, por esse motivo, ter plena vivência das qualidades presentes nesse formato", diz.

As vendas geralmente são feitas durante os shows do trio e têm sido boas, garante o músico. Ele complementa que "esse tipo de mídia é uma opção interessante no sentido financeiro para os projetos musicais que realizam bastante shows, momento em que a venda direta para quem aprecia o trabalho acontece. Porém, alerta que o investimento inicial é alto. Du Rompa usa o órgão Hammond para dar sonoridade diferenciada ao trabalho do trio, que mescla sons de soul, jazz e ritmos brasileiros.

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