Uma das mais importantes experiências do cinema brasileiro, o Cinema Novo, está sendo exibido e estudado por cinéfilos na mostra gratuita do MIS Campinas
Os curadores da mostra ‘Tributo a Cacá Diegues’ — Cláudia Bortolato e Ricardo Pereira — em frente à cena do filme ‘Os Herdeiros’ que será exibido hoje (Divulgação)
O mês de junho é especial para a cineclubista, cinéfila e cineasta Cláudia Bortolato, pois é o mês de aniversário dos 10 anos do cineclube “História do Cinema” – sob sua curadoria –, com a proposta de exibir, debater e estudar o cinema mundial. Com as recentes premiações internacionais de filmes brasileiros, ela e o também cineclubista Ricardo Pereira criaram a mostra “Tributo a Cacá Diegues”, para celebrar a obra de um dos responsáveis pelo movimento do Cinema Novo. Hoje, às 19h30, o Museu da Imagem e do Som (MIS Campinas) exibe “Os Herdeiros”, produzido em 1969. E segue exibindo gratuitamente um filme por mês até completar as 17 películas selecionadas para essa mostra, sempre acompanhadas de muita história e debate.
Carlos José Fontes “Cacá” Diegues (1940-2025) foi roteirista, produtor, cineasta, escritor brasileiro e um dos fundadores do movimento do Cinema Novo. Ele morreu em fevereiro, aos 84 anos, deixando um legado marcado por 20 longas-metragens, além de vários curtas e outras produções. Participou de momentos distintos da história do cinema brasileiro, com uma obra que atravessou mais de 5 décadas de produção e muitas premiações. “Ele foi um diretor muito diversificado, fez um cinema agradável para diferentes gostos, conta boas histórias com uma fala fácil”, comenta Cláudia. A sala Glauber Rocha, localizada no pátio interno do MIS-Campinas, tem 72 lugares e recebe, sempre na terceira terça-feira do mês, um longa metragem dele, no total de 17 películas, exibidas em ordem cronológica.
No filme de hoje, ‘Os Herdeiros”, ele faz um retrato crítico da formação do Estado brasileiro a partir das experiências políticas da família de um barão do café arruinado pela crise de 1929. Com registros feitos entre os anos 1930 e 1964, o cineasta mostra como se constituiu o Estado burguês brasileiro, que favorece a classe dominante em detrimento das camadas populares. “Esse filme é importante porque esse Estado ainda hoje se encontra em disputa, com um projeto democrático popular representado pelas forças de esquerda de um lado e, do outro, um projeto liberal conservador representado pelas forças de direita”, relata Ricardo Pereira.
RETRATOS DO BRASIL
Claudia Bortolato afirma que “estudar a filmografia de Cacá Diegues é, de certa forma, reencontrar nossa identidade nacional”. Ele começou no cinema quando ainda estava no Diretório Estudantil da PUC Rio, onde fundou um cineclube no Centro Acadêmico e passou a fazer produções cinematográficas amadoras, junto com colegas como Arnaldo Jabor. O cineclube – fechado e queimado pela ditadura militar - foi um dos núcleos de fundação do Cinema Novo, movimento inspirado pelo neorrealismo italiano e pela Nouvelle Vague francesa, e marcado pelas críticas políticas e sociais, principalmente durante a ditadura militar. “Nessa mostra em tributo a ele, já exibimos “Ganga Zumba” (1964), “A Grande Cidade” (1966) e hoje, dia 17, “Os Herdeiros” (1969). Em 15 de julho, será a vez de “Quando o Carnaval Chegar” (1972) e em 19 de agosto, “Joanna Francesa” (1973). A programação completa pode ser consultada no Instagram @cineclubes.miscampinas.
“O cinema brasileiro está em destaque e as pessoas voltaram a se interessar pelo cinema eu nacional, porque desde os anos 1920 nos impõem um cinema hegemônico, estadunidense, que tem uma linguagem muito diferente da nossa realidade. Então, a importância de assistir a produções nacionais, que são muito interessantes, é para nos conhecermos melhor, e conhecendo, a gente respeita”, pondera a curadora. Para ela, “o cinema nacional reflete a diversidade de ser brasileiro, conta histórias relativas à nossa vida, fala dos nossos lugares, toca a nossa música e revê os nossos dramas, como a repressão que levou Cacá Diegues para fora do País”.
O curador Ricardo Pereira, que é cineclubista, jornalista e professor, justifica a mostra por Diegues ter sido “um cineasta que olhou muito para nossa história, e trazer suas produções para o debate público é uma forma de discutir esses temas, ainda tão atuais”. Para ele, ainda hoje o Cinema Novo é uma das experiências mais importantes, inspiradoras e influenciadoras do cinema brasileiro, “por produzir algo que é ao mesmo tempo popular, que dialoga com o grande público, e por ter conseguido levar às telas os problemas sociais de uma forma didática e esclarecedora, para que todos pudessem compreender e, mais tarde, intervir nessas questões”.
UM CINEASTA GENIAL
Cacá Diegues deixou o Brasil em 1969 e foi morar na Europa, por ter participado da resistência intelectual e política à ditadura. Ao retornar, na década de 70, dirigiu “Quando o Carnaval Chegar” (1972), “Joanna Francesa” (1973), “Xica da Silva” (1976), “Chuvas de Verão” (1978) e “Bye, Bye, Brasil” (1980). Na retomada do cinema brasileiro, lançou “Tieta do Agreste” (1996), “Orfeu” (1999), “Deus é Brasileiro” (2002) e “O Grande Circo Místico” (2018). Deixou inacabado o “Deus ainda é brasileiro”, sua 20ª produção. Em uma de suas entrevistas, declarou: “um filme não muda nada. Ele não é uma arma para mudar o mundo, mas é uma maneira de pensar o mundo de outro modo; de provocar pensamentos mais originais”.
PROGRAME-SE
Mostra Cacá Diegues Filme ‘Os Herdeiros’
Quando: Hoje, dia 17, às 19h30
Onde: MIS Campinas – Rua Regente Feijó, 859, Centro
Entrada Gratuita
Informações: Instagram @cineclubes.miscampinas @mis.campinas
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