ENTREVISTA

A atriz Noemi Gerbelli: uma operária do teatro

Além do trabalho artístico, ela fala de suas paixões pelo jogo de cartas e pela culinária

Delma Medeiros
delma@rac.com.br
06/06/2013 às 16:32.
Atualizado em 25/04/2022 às 13:07

Com cerca de 60 espetáculos no currículo, entre eles 'No Reino das Águas Claras', que lhe rendeu o prêmio da Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp), em 1998, e 'Trair e Coçar é Só Começar', Noemi Gerbelli consolidou sua popularidade com o público infantil como a diretora Olívia, da novela 'Carrossel', do SBT. A atriz, que começou a carreira em 1971 por acaso, ao ser levada por um irmão ao Centro Cultural Guimarães Rosa, em São Bernardo do Campo, afirma ser “uma operária do teatro”. Depois de viver Olívia, Noemi representa três personagens no espetáculo solo infantil 'A Cigarra e a Formiga', que fez sua estreia em Campinas e fica em cartaz até 30 de junho, no Teatro Amil, com sessões sábados e domingos, às 16h. A peça teve pré-estreia no dia 31 de maio, data em que a atriz concedeu uma entrevista exclusiva ao Caderno C.

Caderno C — Vamos começar falando do espetáculo que você está trazendo pra cá, 'A Cigarra e a Formiga', como surgiu a ideia de remontar esse clássico?

Noemi Gerbelli — Foi o Isser (Korik, diretor da montagem), um amigo de muitos anos. Caiu nas mãos dele este texto e ele viu grandes possibilidades de fazer um espetáculo diferente. A adaptação da Denise (Crispun) é interessante porque a cigarra não morre, ela dá uma outra solução, a de todos aceitarem as diferenças. Hoje em dia, quantas guerras poderiam ser evitadas se as diferenças fossem aceitas. Ele me convidou e eu aceitei de cara porque o Isser é meu irmão.

Você faz três personagens no espetáculo?

É uma loucura. E não são três personagens num contexto, são três personagens num monólogo. Isso potencializa tudo. É um exercício fantástico pro ator, primeiro porque num monólogo você não para de falar. É a primeira vez que faço um monólogo e percebi porque os caras têm que ter água do lado, quando fazem discurso. A boca seca mesmo. Pro ator é um exercício fantástico porque são vozes diferentes, posturas corporais completamente diferentes, almas diferentes. São três: a cigarra, a formiga e essa professora, educadora que está contando a história pros alunos, que são a plateia.

Você já fez muito teatro, televisão. Mas a diretora Olívia, de Carrossel, ficou muito marcante. Como foi a resposta das crianças?

Eles gostam muito. Você sabe que a gente fez uma intervenção ontem (30/3) com as crianças, pra tirarem fotos com a personagem e é impressionante. E foi assim desde o início. Comecei a gravar há uns 2 anos e era para ela ser a bruxa, a malvada da história. Mas esta novela foi uma grata surpresa. Quando entrou no ar, pensei: vão me bater na rua, as pessoas vão querer cuspir nessa diretora. E fiquei boba, porque logo no primeiro mês, acho que foi em maio do ano passado, as crianças vinham animadas “olha a diretora Olívia”. Elas acham a diretora engraçada, todo esse fanatismo dela por ordem, por disciplina, por regras e tal, passa a ser engraçado de tão excessivo que é. E uma outra coisa que eu percebi é que criança gosta de alguém que dê o limite, elas pedem, precisam e admiram. Logo no início do espetáculo eu uso essa coisa da Olívia. Digo: “Eu gosto muito de disciplina, de ordem, então quando tiver alguém em cima do palco, não gosta de ficar ouvindo celular tocar, de conversas em voz alta, afinal vocês não estão no seu quarto ou na sala de casa, estão compartilhando com outras pessoas e todos têm que ouvir. Por favor, vamos ter ordem, se precisar conversar, tudo bem, mas em voz baixa. E é o que eles fazem no espetáculo.”

Fale mais sobre essa diretora que faz tanto sucesso.

Quando a novela foi pro ar e vi o mundo de crianças que vinha querendo falar com a diretora, tirar fotos, percebi que eles gostavam muito dela por causa disso tudo. Ela é exagerada, foi surpreendente pra mim. Chequei a parar a marginal Pinheiros em São Paulo. Um belo dia, estava na marginal — tem um ponto que tem um radar e todos vão em baixa velocidade e às vezes param. Parei lá, passou um motoqueiro e disse “ah, dona Olívia!”. Aí veio outro e também parou, fui cercada por motoqueiros tirando fotos. O trânsito foi e eu fiquei lá parada com os motoqueiros tirando fotos (risos). Os adultos também gostam dela. Então, felizmente, estou agradando de 2 a 80 anos.

Como começou sua carreira de atriz?

Por acaso. Eu era uma freirinha de uma província, de São Bernardo do Campo (risos). Meu irmão, preocupado com a minha falta de amigos — eu tinha uns 17 anos —, me levou no Centro Cultural Guimarães Rosa, em São Bernardo. E lá eles estavam montando o espetáculo A Exceção é a Regra, do Brecht (Bertolt), e queriam começar o espetáculo com alguém cantando. Como eu cantava, entrei na montagem cantando e mudando os panos que anunciavam as cenas. Dali fomos para um festival no interior e o Sofredini (Carlos Alberto, diretor e dramaturgo), esse dramaturgo maravilhoso com quem eu comecei minha carreira, estava selecionando pessoas para uma montagem profissional com atores amadores em São Paulo, que era As Troianas, de Eurípedes. Parti pra esse espetáculo e fui a única do elenco que ele escolheu para uma montagem de um texto dele que foi premiada na época pelo SNT (Serviço Nacional do Teatro), um órgão da ditadura que era muito bom. O governo financiava viagens para grupos profissionais pelo Brasil inteiro, a gente não ficava sem trabalho como agora. Por incrível que pareça, era bem melhor naquela época, tinha muito trabalho. Comecei a fazer a peça do Sofredini, Mais Quero um Asno que me Carregue que um Cavalo que me Derrube, em 1971. É uma adaptação que ele fez da peça Inês Pereira, do Gil Vicente. E nunca mais parei de fazer teatro, já tem uns 42, 43 anos.

E a migração pra TV como foi?

Na minha vida toda eu sempre me dediquei mais ao teatro, gosto muito de teatro. Sou assumidamente uma formiguinha operária do teatro. Acho que é o grande celeiro. É aqui que você aprende, descobre as coisas, a alma humana que o ator tem que descobrir é no palco do teatro. A gente lida com emoções outras, não da gente, emoções de uma personagem, de uma obra escrita. Essa pesquisa, esse desprendimento de poder fazer uma personagem, tem que ter muita generosidade para você se anular em prol de uma personagem e o lugar para aprender isso é no palco. Televisão é muito imediato, você decora e faz. E hoje com o evento do HD, basta um palminho de peitinho bonitinho, perninha, carinha e músculos e está feito, a imagem é tudo. Não estou menosprezando de forma alguma a TV, é um veículo poderosíssimo que poderia ser melhor aproveitado.

E qual foi seu primeiro trabalho na TV?

Ah, isso foi há muito tempo. Foi na Cultura, no teleconto Ladeira da Memória, com a Esther Goes, Armando Bogus, um monte de gente legal. Também fiz o primeiro Telecurso 2 Grau, na década de 70. Fiz muita coisa. Como estava no teatro não tinha tanta disponibilidade, então fiz muitas participações, em Os Normais, A Diarista, na minissérie Presença de Anita, que gravei por três meses na Globo. Depois fiquei muito amiga do Tom Cavalcante e fazia os programas de humorismo dele, na Record. Fiz alguma coisa na novela Esperança, depois a Vila Maluca, que foi um negócio sensacional. Era um programa diário, a gente chamava de “errei de TV”, ao invés de Rede TV!. Era muito precário, mas muito gostoso. Era uma vila que tinha a Dona Porpeta, que fazia salgadinho pra fora (fala com sotaque italiano) e tinha um sobrinho, Gino, e vários personagens na Vila. Gravamos por três anos. Depois, segui fazendo coisas com o Tom; em 2010 gravei Sansão e Dalila, na Record; e agora o Carrossel, que ficamos um ano e meio gravando... e vai continuar.

A novela vai continuar?

Não, a gente parou de gravar e agora vai retomar no segundo semestre um núcleo da novela. Dentro da novela tem a “Patrulha Salvadora”, dos meninos que se juntam pra salvar alguém, fazer benemerência. Será um seriado chamado Patrulha Salvadora, com as mesmas crianças do elenco principal de Carrossel.

Tem algum personagem que tenha sido mais marcante pra você, pelo qual tem um carinho especial?

Tem. Coincidentemente uma peça que fiz com o Isser Korik, que é o diretor e produtor deste espetáculo, chamado 'Vacalhau e Binho'. Era uma portuguesa (fala imitando o sotaque), um casal de portugueses que vinha ao Brasil para ensinar teatro aos brasileiros “porque vocês brasileiros não sabem fazer teatro, nós em Portugal é que sabemos”. Era um espetáculo muito interessante do Zé Fidelis, um cara que na década de 50 fazia um programa de rádio e era famosíssimo. Ele pegava letras de música ou trechos de ópera e fazia paródia. Esse espetáculo é uma colagem, com trechos de paródias de óperas. Fazia paródia da Carmem, da Dama das Camélias, do Turandot. Tem também a Olívia que foi muito interessante; e em Porca Miséria, uma peça maravilhosa do Caruso (Marcos, ator e dramaturgo), fazia a Bianca, que tinha uma asma (imita um asmático). Essas três foram as mais marcantes.

Você está com outros projetos em andamento?

Agora estou com o infantil, a gente pretende fazer bastante o espetáculo, viajar muito; e as gravações do seriado no segundo semestre.

Você é casada, tem filhos?

Sou viúva desde os 34 anos e tenho uma filha que nasceu sete meses antes do meu marido (Enzo) morrer. É a Bianca, a razão da minha vida, minha companheira. Ela é tudo, é companheira, amiga, filha, irmã, minha mãe, eu sou a dela, é uma mistura. É uma criatura fantástica que, se não fosse minha filha, eu gostaria de não passar nesse mundo sem conhecê-la. É uma pessoa que vale a pena. A Bianca é um ser humano muito generoso. Adoro ser mãe dela.

Você tem algum hobby, gosta de cozinhar?

Adoro cozinhar, cozinho bem pra caramba, pelo meu tamanho — não sei se dá pra perceber, mas são três dígitos de peso (risos) —, eu gosto muito de massa. Gosto de mexer, de fazer a massa da lasanha de domingo, o ravioli

Uma típica “mamma” italiana?

Isso mesmo, faço pizzas, pães, adoro fazer pães. E tenho outro hobby que é miniatura, eu amo miniaturas, coleciono, sou alucinada. Tenho em casa uma espécie de cristaleira de parede, com vários compartimentos em que coloco a coleção que vim juntando ao longo dos anos. E gosto de jogar tranca, eu jogo bastante on-line, sou campeã, tenho vários troféus. Jogo tranca pra caramba, só não jogo a dinheiro porque iria dar até as calças jogando, gosto muito de jogar. É isso que eu sou.

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