SERÍ(E)SSIMA

5ª temporada de 'House of Cards' já está na Netflix

Novos episódios ressaltam, com maestria, o quanto a série é muito mais do que uma angustiante trama política: é reflexo duro e descarado de muitas falcatruas

Fábio Trindade
03/06/2017 às 17:40.
Atualizado em 22/04/2022 às 19:11
Cena de um dos episódios da quinta temporada de 'House of Cards' (Divulgação)

Cena de um dos episódios da quinta temporada de 'House of Cards' (Divulgação)

Vamos ser honestos: 'House of Cards' é muito mais do que um reflexo da política brasileira. É quase uma versão romantizada. Sim, a série tem todo o direito de zoar a nossa situação, postando em seu perfil oficial que está "difícil competir" com o nosso País devido às podridões políticas que enfrentamos nos últimos tempos. Afinal, muitas são ainda piores que as fictícias criadas pela Netflix. Ou alguém aí esqueceu da suspeita de que o acidente de avião que matou o ministro Teori Zavascki pode ter sido encomendado, já que ele era o relator da Lava Jato no STF? E, querendo ou não, infelizmente, isso torna a série sobre os Underwood na escalada ao poder ainda mais interessante. Impossível não sentir essa sensação estranha ao ver os novos episódios de 'House of Cards' — a quinta temporada foi liberada essa semana na Netflix. Uma vez que entendemos que tudo aquilo mostrado na tela da TV, teoricamente absurdo demais para acontecer, realmente faz parte da sua (nossa) sociedade, e mais vontade temos de acompanhar a produção para ver qual o limite da ambição humana. E dói perceber que esse limite não existe. Vale literalmente tudo para conseguir o que se quer, como chegar a presidência dos Estados Unidos. A melhor forma de explicar isso, entretanto, é trazer o ambiente da política para algo ainda mais próximo. Esquecer os crimes cometidos, as crises internacionais e o país estrangeiro retratado para entender que um 'House of Cards' pode estar no dia a dia de qualquer um. Pense bem, o grande problema de Frank Underwood, sem contar o caráter, é não saber a hora de parar, de jogar a toalha, largar o osso, de seguir com a vida. Jogar com a vida de todos à sua volta para deixar a sua do jeito que só interessa a você mesmo é, no mínimo, desonesto (sim, há melhores adjetivos para isso). Mas sem dúvida todos já perceberam algum colega de trabalho, amigo da escola ou mesmo um familiar fazendo exatamente isso. Articulando com ferramentas duvidosas para conseguir o que se quer. Essa é a questão mais relevante de 'House of Cards'. Além de apresentar uma trama muito bem desenhada, interessante e, por que não, relevante, o que mais me cativa é compará-la com os diferentes níveis de sacanagens que existem. Comparar o pilantra do personagem de Kevin Spacey com outros da vida real, que circulam diariamente ao seu lado. Entender que tramas políticas não acontecem só no alto escalão governamental, mas em qualquer esquina. Por outro lado, também podemos nos colocar no lugar daqueles que lutam contra essas pessoas. Enfrentar os Franks da vida e saber conviver com um 'House of Cards' faz parte, infelizmente, mas os motivos para embarcar nesta batalha precisam ser muito bem analisados. Alguns valem a pena, outros nem tanto. Algo que a série da Netflix reforça o tempo todo, cada vez que coloca um combatente no caminho do senhor presidente. O jornalista que decide publicar um artigo mostrando todos os podres de Frank Underwood sabe que as retaliações serão pesadíssimas — aliás, é justamente o foco do começo desta nova temporada. Mas o motivo é nobre: isso não pode mais continuar e cabe a ele, com o poder que tem como imprensa, fazer a sua parte. Foi preciso coragem, e um pesado apoio, para por a ideia em prática, e ninguém consegue questionar suas intenções — elas são as melhores. Rato que é rato, entretanto, não tem medo de passar por esgotos para se alimentar, e Frank quer devorar a imprensa viva. Mesmo que ele tenha que deixar a sociedade em pânico com medo de terrorismo — também dando continuidade às pontas soltas na quarta temporada. Vamos voltar, porém, ao 'House of Cards' real. Desafiar esses ratos requer muito estômago e somente por motivos extremamente nobres dá para dar conta do desgaste. Concorda? Contraditoriamente, deixar para lá uma batalha, quando se acha que está certo, é dar a vitória ao inimigo, provando como, muitas vezes, o crime realmente compensa. E aceitar isso, de coração aberto, requer muito autoconhecimento, autoestima, sabedoria e desapego — e até terapia, cá entre nós. Outra lição, pensando bem, muito bem trabalhada no 'House of Cards' fictício. Quantos inimigos de Frank souberam a hora de abrir mão de determinadas regalias em busca do que é certo. Jackie Sharp e Remy Danton viram que o poder que tanto almejavam estava cobrando um preço alto demais. E quanto mais eles aceitavam as consequências de suas ambições, mais caro ficava — e mais complicado para sair dessa teia corrupta. Nós também não somos inocentes. Ninguém é. Já encobrimos mentiras, já aceitamos abusos, já fingimos que estava tudo bem, já torcemos para que situações ficassem melhorares para minimizar os nossos defeitos, e até esquecê-los, como se nunca tivessem existido. E nem sempre os motivos foram nobres. Mas também é comum participar de um 'House of Cards' em que somos obrigados, por medo, insegurança, necessidade. Esses, claro, são os piores. Quando não há alternativa, pouco há para se fazer. Thomas Yates entrou na vida dos Underwood para escrever um livro sobre eles, mas quando quis passar o projeto ao descobrir o que os dois aprontavam, se viu num beco inimaginável. Se apaixonou por Claire e seu maior segredo (plágio) foi usado contra ele, já que o interesse individual não só dela, mas de Frank, falou mais alto. E se o rabo é preso, escolhas não existem, te obrigando a dançar o 'House of Cards' que lhe foi imposto — algo que Thomas está penando para aceitar. Azar o dele, na verdade. Muitos têm escolhas. E como dito lá em cima, o grande problema de Frank é não saber a hora de parar. E aqueles que têm escolhas precisam entender a hora de jogar a toalha e não brincar mais num 'House of Cards' que não lhe faz bem. É uma difícil lição conseguir abrir mão das coisas, mas há caminhos que não podem ou devem ser seguidos. Nem todos os túneis têm uma luz no fim. Só é preciso admitir isso — outra lição muito difícil. E se essa luz não existe, a melhor coisa é pular fora, mesmo sem a certeza se essa é a decisão mais correta. Frank jamais fará isso, assim como muitos Franks da vida real. Mas só joga com ele quem quer. Você quer?

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por