ANDRÉ FERNANDES

Ensino jurídico, sociedade e desafios

06/11/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 10:44

São inúmeras as críticas que são formuladas ao modelo de ensino jurídico dominante no País. A crise do ensino do Direito é assunto de muitas discussões, tanto no âmbito acadêmico, quanto no seio da opinião pública, há, pelo menos, uma década. A área jurídica corresponde à segunda maior demanda acadêmica nacional e responde por 15% das matrículas do Ensino Superior. Nesse ano, chegamos à impressionante marca de 1.260 cursos espalhados pelo país, com uma oferta de 215 mil vagas, das quais mais da metade está concentrada na Região Sudeste.São números superlativos e que demonstram o peso do profissional do Direito na realidade institucional. Por outro lado, é sabido que bacharéis mal formados multiplicam-se e a grande maioria dos diplomados jamais exercerá uma profissão jurídica, como professor-pesquisador, magistrado, advogado, promotor, delegado, procurador ou defensor.Eles irão engrossar as estatísticas do desemprego ou seguirão outros rumos profissionais. A disseminação e massificação das escolas de direito no cenário nacional contribuíram em muito para o desprestígio das leis e das profissões jurídicas, agravado ainda, entre outros fatores, pelo academicismo, pelo pedantismo verbal e pelo apego ritualístico à noção de lei. Um retrato profissional muito preocupante.Platão, nas cidades-estado gregas e, mais tarde, Cícero, na República Romana, pregavam um “governo de leis” no lugar de um “governo de homens”. E foi sob o império da lei, de alguns séculos para cá, depois dos movimentos constitucionalistas europeus, que o Estado de Direito teve seu complexo e pesado edifício construído.Se justamente são os profissionais do Direito as pessoas capacitadas a protagonizar os destinos de uma cidade assentada no império da lei, quando eles são mal formados, os fundamentos do Estado de Direito ficam seriamente ameaçados. No lugar da isonomia, da legalidade e da aplicação da justiça com independência, entrarão, pelas rachaduras das fundações desse edifício, a abusividade dos donos do poder, a arbitrariedade da ideologia, o despotismo da maioria, o capricho relativista vestido de direito subjetivo e a injustiça das decisões judiciais.Assim, a crise do ensino jurídico deve ser vista globalmente, à luz de um tempo presente em que os postulados da modernidade parecem indicar um sinal de esgotamento em muitos âmbitos do saber científico e, analiticamente, segundo fatores escolares (curricular, pedagógico, docente e infraestrutural), legais (política estatal e gestão educacional) e governamentais (regulação, avaliação e supervisão dos cursos jurídicos pelo Ministério da Educação).Durante sua história, o ensino do Direito, implantado no Brasil em 1827, sempre andou, por muito tempo, de mãos dadas com a vida política e as práticas burocráticas e institucionais e, de algumas décadas para cá, tem atuado em comunhão com as expectativas das elites da sociedade em relação à importância dos currículos na formação do papel social dos bacharéis jurídicos.Naquele primeiro momento histórico, deu-se mais apreço curricular à formação humanística e, no seguinte, à formação profissionalizante, a qual perdura até os dias atuais, cujos efeitos maléficos são a ausência de um espaço para uma visão crítica do aluno, a estrita preocupação com uma finalidade pedagógica de natureza tecnicista, o foco mais curricular e nada metodológico, o hiato entre a ciência e a prudência do Direito e uma formação profissional focada exclusivamente para o mercado de trabalho e não para o mundo do trabalho.Estas são justamente algumas das causas apontadas, no rol dos culpados, pelas autoridades políticas e institucionais acerca da atual crise do ensino jurídico nacional e que, ao cabo, explicam o que nossas escolas de Direito são e porque é que são as que existem. Não é o melhor dos cenários sociais. Aquilo que a sociedade poderá vir a ter como Direito repousará nas consciências desses profissionais. Logo, a formação acadêmica dos estudantes de Direito não só interessa à sociedade, como é fundamental à própria experiência da mesma sociedade com o Direito. Com respeito à divergência, é o que penso.

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