PERSONA

ENERGIA DO PERIGO

Marcelo Maragni, fotógrafo especializado em esportes, conta como é a vida de quem em busca os melhores ângulos das práticas mais difíceis

Sarah Schmidt
28/10/2012 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 19:30

Imagine que você está fotografando a Rali Dakar, famosa competição automobilística, no meio do deserto, e de repente, aparece um caminhão vindo em sua direção, buzinando, meio descontrolado. Você corre para um lado, mas continua no caminho do veículo.

O fotógrafo de esportes de ação Marcelo Maragni (foto esq.) é freelancer da Red Bull há mais de seis anos e registra os atletas patrocinados pela marca, passou exatamente por essa situação, em um dos muitos momentos emocionantes de sua carreira.

Ele lembra que, neste dia, continuou correndo, com todas as forças, e conseguiu se salvar. Maragni esteve em Campinas no último mês para mostrar seu trabalho durante uma palestra na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Depois do bate-papo com os universitários, ele conversou com a Metrópole e revelou como é o dia a dia de uma profissão que não tem rotina.

Nascido em São Paulo, ele se aproximou mais da fotografia ainda no colégio, quando treinava com amigos. “Era época da câmera de filme e aprendíamos um com o outro”, recorda-se.

Maragni, hoje com 33 anos, chegou a ingressar no curso de arquitetura e foi levando a fotografia como uma atividade paralela que se tornou cada vez mais presente em sua vida. “Sempre gostei de viajar e de repente percebi que poderia fazer isso e ao mesmo tempo ganhar dinheiro. Comecei a vender fotos para revistas, fazer matérias e, a partir daí, passei a levar a fotografia mais a sério. Mas sempre fui freelancer, nunca trabalhei como fotógrafo fixo em nenhum lugar.” Por conta dessa opção de vida, não há tempo para rotina. O fotógrafo pula de uma viagem para outra: em dois meses ele visitou 25 cidades. “Às vezes, só troco as malas, desembarco, passo em casa e já pego a bagagem que está pronta.”

‘Os atletas têm muita vida’

Além de gostar de tirar fotos, Maragni sempre teve uma queda por esportes de ação, principalmente o surf. No início da carreira, passou uma temporada em Fernando de Noronha, fazendo imagens dessa atividade praticada nas melhores ondas.

Ali foi seu primeiro trabalho sério com esportes, quando comprou equipamentos próprios para a tarefa – para ele, o período serviu como uma verdadeira escola. Desde então, sua relação com a adrenalina e a fotografia estaria traçada. “Admiro todos os esportes e sempre gostei de estar próximo dos atletas. Eles têm muita vida, trazem uma energia tão boa, uma coisa tão legal. Sempre gostei muito disso”.

Essa paixão, inclusive, faz com que ele se pendure nas montanhas para fotografar o melhor ângulo dos alpinistas em ação. Apesar de não fazer academia ou atividades físicas regulares como preparação para suas pautas mais radicais, o fotógrafo conta que está sempre em atividade e isso ajuda.

“Procuro muito mais entender a técnica do esporte, principalmente a escalada ou mesmo para as fotos dentro d'água. Procuro conversar com as pessoas, pedir orientações, como quando vou entrar em um rio, por exemplo. E tenho amigos atletas que sempre estão me ensinando. Mas não sou especializado, às vezes escalo em ginásio, de vez em quando, para treinar um pouco, mas nada muito sério”.

Tensão no Dakar

Ele se recorda de um momento difícil da carreira, além do susto do caminhão, relatado no começo desta reportagem: o dia em que um amigo, também fotógrafo, foi atropelado em pleno Rali Dakar. Na ocasião, Maragni cobria a competição pela primeira vez, em 2010, que passaria pelo Deserto do Atacama e pela Cordilheira dos Andes.

Para ajudar, um dia antes do acidente, ele teve 70% do seu equipamento de fotografia roubado na sala de imprensa do evento. No dia seguinte, quando ocorreria a largada oficial da corrida, ele estava de carro com mais quatro colegas de trabalho. Cada um deles desceu do veículo e ficou em um ponto específico para fotografar.

“Esse meu amigo ficou no primeiro ponto. Quase que eu fiquei nesse local. O cara que estava dirigindo o carro foi deixando cada um em um lugar e depois passaria para nos recolher. Eu fiquei uns cinco, seis quilômetros à frente. Foi então que fiquei sabendo pelo rádio que algumas pessoas tinham sido atropeladas e uma delas, morrido. Depois descobri que tinha um brasileiro no meio. Então pensei, 'putz, foi exatamente no lugar onde o meu amigo ficou'”.

Um piloto, que estava competindo, havia errado uma curva. “Havia muita poeira, o cara passou reto e atropelou quem estava na saída da curva, um lugar em que é proibido ficar. Meu amigo estava passando de um lado para o outro nessa hora... Ainda bem que ele estava de pé, porque conseguiu dar um passo para o lado e foi o que salvou sua vida, senão ele seria o primeiro a ser atropelado”. Quando o motorista do carro que deixou Maragni e seus colegas no deserto ficou sabendo do acidente, ele foi imediatamente para o hospital e esqueceu o fotógrafo paulistano no meio do nada.

“Foi um dia super difícil, porque eu já tinha sido roubado antes, estava sem passaporte, não tinha dinheiro, não tinha telefone, tinham roubado tudo. E eu fiquei lá, esperando... Nisso passou uma hora, duas horas, três horas e começou a anoitecer. Foi então que consegui uma carona com um carro da polícia, que estava passando por ali. Voltei até onde estava esse meu amigo, vi que ele não estava mais lá e fui até a delegacia da cidade. Lá tive a informação de que ele realmente era o brasileiro que tinha sido atropelado e descobri que estava em um hospital a 100 quilômetros dali. Consegui uma carona em um ônibus e fui direto para encontrá-lo. Vi que estava bem e um colega ficou fazendo companhia para esse meu amigo. Nessa noite, dormi apenas uma hora e no dia seguinte dirigi mais 500 quilômetros para fotografar. Era a minha primeira vez no Dakar e a Red Bull só tinha eu de fotógrafo.

Eu precisava enviar as fotos, não podia falhar. Foi superdifícil, mas no fim deu tudo certo”. Hoje, o amigo de Maragni está bem e já fez três cirurgias no joelho, por conta do acidente.

“Uma foto não vale mais que a minha integridade física”

O paulistano afirma que a profissão que escolheu vale a pena, apesar dos riscos que corre. “Mas uma foto não vale mais do que a minha integridade física”, ressalta. Ele explica que procura se poupar, toma cuidado e avalia se a situação em que se encontra para fazer os melhores cliques é muito perigosa. “Mas também não fico com aquele medo sem propósito, do tipo 'se eu tenho medo de altura não vou subir naquela montanha'. Isso não. Mesmo porque, é uma coisa totalmente fria e calculada. Qual é o risco nessa situação, por exemplo? Cair. Se eu estou amarrado corretamente na corda, não vou cair e pronto. É algo científico, no fim das contas. Sempre penso: vai ficar perigoso? Se ficar, então eu não vou”, finaliza.

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