Comer & Beber

Embaixador dos pampas

Chef Marcos Livi levanta a bandeira das tradições gaúchas e aposta na boa mistura de gastronomia e cultura em seus três bares, em São Paulo

Érica Araium
28/04/2015 às 17:13.
Atualizado em 23/04/2022 às 16:05
Ceviche de Tainha, do Quintana Bar ( Divulgação)

Ceviche de Tainha, do Quintana Bar ( Divulgação)

Gaúcho, descendente de italianos, paulistano radicado, empresário propositado. Em meio aos projetos gastronômicos que vem abarcando, entre eles o de um novo gastrobar no bairro do Morumbi, espécie de filial do bem-sucedido Bar Quintana, o chef Marcos Antônio Livi pausa um alçar de voo para, em entrevista, reafirmar que seu principal intento é honrar a cadeia produtiva regional pela qual tem mais apreço: a sulista, rica e diversa. Além do Quintana, ele está à frente do Veríssimo Bar e do Botica Bar. Foto: Divulgação "Se for usar um comparativo de meu trabalho ao de outro cozinheiro seria com o senhor José, pai do Rodrigo Oliveira, do Mocotó, que honra a cozinha nordestina. Tento, aqui, ensinar às pessoas o que é a cozinha tradicional sulista no contexto em que estou. Daqui um tempo, espero, essa essência do sabor sulista não se perderá" "No novo Quintana, manteremos essa pegada da cozinha dos Estados da região Sul. Ao mesmo tempo, além de honrar as raízes, faço uma volta ao passado ao apostar no Parque do Gaúcho, projeto estruturado em Gramado e que mostrará a evolução da imigração e a constituição da cultura gaúcha. Também cuido de uma iniciativa no zoo de Gramado para revelar a cozinha de todos os biomas dos pampas no Oca. E ainda tenho parceria com Alex Atala na revitalização do Mercado de Pinheiros", situa. Competirá a ele zelar pelos biomas pampa e araucária. "O conceito de bioma, nesse caso, envolve produto, pequeno produtor, artesanato e cultura regionais. Vamos levar o contexto dessas regiões para dentro do mercado que, na minha opinião, padeceu de falta de planejamento até pouco tempo". Livi fala com a propriedade de quem sabe navegar por tendências (e detectá-las, pontualmente). Entende que modismos passarão. Ele, passarinho. Desde o começo da carreira, no início dos anos 90, sabe que o respeito à culinária regional serve de válvula motriz ao desenvolvimento da gastronomia nacional, em qualquer país. "O respeito à cozinha regional deve ser total. Não adianta criar uma receita de magret de pato e a ela acrescentar um ingrediente sulista. Acredito que faz muito mais sentido visitar uma comunidade pomerana do Interior do Rio Grande do Sul, descobrir uma senhora que produz um número limitado de gansos, saber que os peitos deles serão defumados com madeiras diferentes, em função das estações do ano, conforme demanda. E compreender que cada produto resultante será único, valorizá-lo e estimular a cadeia produtiva", exemplifica. E revela que o contato com as comunidades locais tem feito com que aprenda mais do que nos mais renomados cursos mundiais de gastronomia. Para o chef, a tentativa de reproduzir numa região o que é muito peculiar de outra, embora de forma bem intencionada, nem sempre contribuirá ao pequeno produtor como se pretendia. "Ainda não conhecemos produtores e produtos como devíamos. Vimos cuidando desse mapeamento há pouco tempo. Não temos que trazer tudo para São Paulo, mas conhecer o Brasil e respeitar as diferenças do nosso receituário, do modo de nomear os ingredientes e prepará-los", afirma. Pela gastronomia nacional Até aqui, pondera Livi, os cozinheiros se debruçaram sobre as técnicas de cozinha e suas aplicações aos ingredientes nacionais. Em breve, se o afinco à pesquisa perdurar - vide iniciativas como Arca do Gosto, Instituto Atá e Eu Como Cultura -, teremos pratos icônicos/brasileiros executados à moda de cada região. "Aí, sim, poderemos nos equiparar a países como França, Itália e Espanha. A comida regional não pode ser moda, tampouco atender a interesses específicos, mas, sim, aos de uma gastronomia nacional". Foto: Divulgação Tchê drink, do Quintana Bar Certa vez, perguntaram a ele por que ele não produzia o próprio charque. Livi explicou que o boi do Rio Grande do Sul, aquele criado na fronteira com o Uruguai, especialmente, tem características de sabor e textura peculiares que não poderiam ser reproduzidas com sucesso fora daquele microclima. "Outro exemplo? Se charque, carne serenada, carne de sol e outras, cujas técnicas de produção são assemelhadas, forem nomeadas e vendidas como a mesma coisa, perderemos a riqueza, mataremos o produtor", ilustra. O bamba diz que há vezes em que se trabalha a receita de maneira original, fiel a determinada região, mas o consumidor não entende. "Então, há que se recuar e, lhe juro, quanto aprendi com os clientes. O asado de tira que faço, por exemplo, passou a ser descrito como uma costela 12 horas para não haver confusão sobre o tipo de cocção e preparo. Uma comunicação aperfeiçoada com o cliente, uma expressão correta no menu, melhora tudo", atesta. Trajetória e casas Livi brincava, desde guri, no balcão de secos e molhados do avô paterno na Serra Gaúcha. Mais velho, foi ajudar a mãe num pequeno comércio de produtos coloniais (queijos, mel, vinhos e salames). Apaixonado por dança, cultura, música e poesia gaúchos, defendeu o projeto Impacto da Gastronomia Local no Turismo, que revisitou a história das antigas cozinheiras das estâncias do Estado, durante sua formação na área - estudou hotelaria na Escola Superior de Hotelaria Castelli (ESH) e tornou-se cozinheiro chef internacional pelo Senac. Dali em diante, nunca mais desempunhou a bandeira das tradições da cozinha identitária da porção Sul do Brasil. Atua na gastronomia desde 1991, com passagens pelo Grupo Accor, Grupo Tom Brasil e Via Funchal e temporadas em países como França, Itália, Portugal, Espanha e Estados Unidos. Desenvolveu a cozinha de banquetes para grandes casas de espetáculos, diferenciando-se no mercado. Em 2006, tratou de empreender, de olho no casamento entre cultura e gastronomia. Abriu o Veríssimo Bar, que homenageia o escritor gaúcho Luis Fernando Veríssimo e onde tapas espanholas são revisitadas. Em 2013, inaugurou o Bar Quintana, meticulosamente idealizado para exaltar a obra e os gostos do poeta Mario Quintana. Na casa, o cozinheiro resgata a culinária do Sul em pratos, petiscos e drinques temáticos. Frases do poeta adornam o ambiente, há um enorme painel caça-palavras e a escada que leva ao mezanino teve os degraus transformados em livros do escritor. O Bar Botica é uma espécie de extensão dessa proposta, mas anterior a ela - nasceu em 2009.

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