PASQUALE CIPRO NETO

'Em pleno estádio dos Dragões'

17/04/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 16:25

 Nas provas de português de vestibulares de outros concursos públicos, é cada vez mais comum a abordagem da coesão e da coerência. Em poucas palavras, a coerência trata do nexo que deve existir entre as ideias apresentadas num texto. A coesão resulta da capacidade de “costurar” bem as palavras, as orações e os períodos, de tal modo que sempre se saiba quem é quem no texto. Um dos itens mais importantes para que se alcance a tão desejada coerência é o emprego adequado dos conectivos. Numa frase como “Estudei muito, mas não fui aprovado”, por exemplo, o emprego do conectivo adversativo “mas” é adequado, uma vez que existe adversidade (oposição) entre o que motivou a pessoa que estudou muito (conseguir a aprovação) e o resultado desse processo (não ter conseguido a aprovação). Suponha que um órgão de fiscalização faça um teste comparativo entre dois produtos que, embora pertençam ao mesmo segmento de mercado (por exemplo, duas cadeirinhas para crianças, daquelas que se usam nos automóveis), apresentam preços significativamente diferentes. Pode-se supor que a diferença de preço se justifique pela superioridade tecnológica de uma cadeirinha em relação à outra ou pelos materiais empregados, certo? Pois bem, feita a análise das duas cadeirinhas, constata-se que a mais cara é inferior. Nesse caso, seria perfeitamente cabível dizer algo como “Embora seja mais cara, a cadeirinha X perde para a Y em todos os quesitos” ou “Embora seja mais cara, X é inferior a Y”. Em que se sustentam as bases da coerência, que, no caso, é fechada pelo conectivo “embora”? No pressuposto de que a tecnologia e os materiais empregados têm custo significativo, ou seja, no pressuposto de que o preço superior se justifica (ou deveria justificar-se) pela superioridade tecnológica e/ou pela qualidade dos materiais empregados. Se isso não ocorre, ou seja, se a cadeirinha mais cara é inferior, torna-se cabível estabelecer a relação de contraste entre o preço e o desempenho da cadeirinha.Posto isso, pergunto: faria sentido dizer algo como “Embora sentisse muita fome, comeu tudo o que lhe puseram diante dos olhos”? A frase é coerente? Se você levar em conta o que acabamos de ver, certamente concluirá que a resposta é “não”. Haveria coerência se se dissesse algo como “Embora sentisse muita fome, não comeu nada do que lhe puseram diante dos olhos” ou “Embora não sentisse muita fome, comeu tudo o que lhe puseram diante dos olhos”. No meio da semana, alguém disse na TV que o Bayern de Munique perdeu do Porto “em pleno estádio dos Dragões”. Existe coerência nisso? Não e não. O estádio dos Dragões é a “casa” do Futebol Clube do Porto, grande equipe de Portugal. A expressão “em pleno estádio dos Dragões” faria sentido se o Porto tivesse perdido (“O Porto perdeu do Bayern de Munique em pleno estádio dos Dragões” ou “O Bayern de Munique ganhou do Porto em pleno estádio dos Dragões”). As observações que há neste texto são muito importantes para quem precisa escrever com clareza e coerência (acabamos não falando da coesão, o que fica para outro dia). O emprego adequado dos elementos de conexão e a análise do significado de certas expressões são muito importantes para que não se construam mensagens incoerentes. Até domingo. Um forte abraço.

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