Aulas de ginástica para moradores aproxima policiais da popualção na periferia de Campinas
A academia é ao ar livre. Garrafas pet com areia fazem as vezes de halteres. Caixas velhas de madeira são base para o step. Cabos de vassoura funcionam como balizas em exercícios de agachamento e alongamento. Tudo simples, improvisado. Mas o sorriso rasgado no rosto das senhorinhas comprova que a aula de ginástica, ministrada por três policiais militares, é um sucesso. E a rotina se repete, três vezes por semana, no pátio do Centro de Integração da Cidadania (CIC), no coração do Vida Nova, a quase 20 quilômetros da região central. O centro foi inaugurado com o propósito de prestar serviços essenciais à população carente da periferia, onde muitas famílias eram estigmatizadas pela violência, pobreza absoluta e desemprego. E o espaço se tornou essencial para a execução de um plano ambicioso: integrar as forças policiais ao cotidiano dos moradores. A base comunitária da Polícia Militar (PM) foi fundada há um ano em uma das salas do pavimento térreo do CIC. Por ali, seis policiais trabalham, todos os dias, nas rondas externas e na assistência à população. Mas, durante uma hora, três deles tiram a farda voluntariamente, vestem agasalhos e viram professores de educação física para moradores da terceira idade e adultos. Quando a base nasceu, o comando da corporação a equipou com alguns aparelhos de academia: um puxador, uma bicicleta ergométrica, três ou quatro jumps. Os policiais decidiram abrir a pequena academia ao povo. Mas a estrutura era modesta demais para atender tantos moradores, que tomavam conta do corredores à procura de serviços, e faziam do centro um verdadeiro ponto de encontro. Diante da situação, os soldados foram criativos. Caixotes de madeira, cordas velhas e garrafas plásticas passaram a servir como acessórios improvisados de ginástica. O autor do Projeto Viva a Vida com Saúde é José Carlos Duór, policial militar de 37 anos que há mais de uma década trabalhava em rondas ostensivas naquela região. O soldado, antes de entrar no quartel, se formou em educação física e se especializou na assistência à terceira idade. Ganhou experiência contratado por academias particulares. E teve a ideia de difundir o que sabia no Vida Nova. Ele viu que os idosos do lugar jamais poderiam pagar mensalidades ou frequentar treinos longe de casa. Duór formou a equipe de monitores, composta por ele próprio e outros dois soldados alocados na base: João Milton de Souza e José Hamilton Romão. E a população adorou a ideia. Centenas de pessoas começaram a participar das aulas, no pátio externo. E como não cabia todo mundo, os participantes foram divididos em dois grupos. Cedinho, das 7h30 às 8h30, participam os mais idosos. Há, entre eles, gente com quase 80 anos. No final da tarde, a partir das 17h30, é a vez dos “moços”: trintões e quarentões. E o idealista Duór mostra que o projeto é sério. Cada participante tem uma ficha com o histórico de saúde detalhado. E a atividade física é pensada caso a caso, para que ninguém seja submetido a esforço que não condiz com a sua condição física. A matrícula exige um atestado de saúde fornecido pelo médico do posto de saúde do bairro. “Cada senhor ou senhora, dentro de suas limitações físicas, se diverte a valer enquanto faz exercício”, afirma. Confiança Mas a PM é quem mais ganha com o projeto. De acordo com o sargento Márcio Alves da Silva, coordenador da base comunitária, as aulas de ginástica contribuem para despertar, na população, a confiança na corporação. “Os três soldados se dispuseram a participar de uma autêntica ação social. A aula de ginástica não tem, à primeira vista, ligação alguma com o combate ao crime. Mas colabora para envolver a Polícia Militar com a comunidade. Os monitores fazem parte do bairro, são queridos pelos moradores. A gente consegue mostrar para o morador que ele tem, no policial, um amigo”, afirma. A popularidade do trio de monitores é tão grande que comerciantes do bairro doam alimentos e bebidas para o café da manhã comunitário. “Viramos uma família”, comemora o monitor Romão. “A gratidão no rosto das pessoas do bairro é o maior prêmio.” CIC oferece de oficinas de artes a assessoria jurídica O CIC foi inaugurado em 2006, com o objetivo de resgatar a cidadania no Vida Nova, que na época era notícia em jornais por causa das chacinas e da miséria. Os moradores, organizados, protestaram contra o abandono do bairro e exigiram a presença efetiva do poder público. Diante do quadro, surgiu um convênio salvador. A Prefeitura doou o terreno e o Estado construiu o complexo que passou a concentrar a prestação de serviços essenciais. Há cursos profissionalizantes, oficinas culturais, atividades esportivas, assistência social, assessoria jurídica, acompanhamento familiar, emissão de segunda via de documentos e acesso à internet. Tudo de graça. De acordo com a diretora técnica Regina Rodrigues Espongino, existe uma equipe mínima de servidores pagos pelo Estado, que respondem pela limpeza, recepção, vigilância e segurança do prédio. Há serviços estratégicos mantidos pelas secretarias municipais de Saúde e Cidadania. Mas a maior parte das atividades são coordenadas e monitoradas por representantes do próprio bairro. A organização não governamental (ONG) responsável pela brinquedoteca, por exemplo, paga o salário dos monitores e a aquisição de material lúdico. O grupo que ensina corte e costura traz os professores. Quem organiza a biblioteca arrecada livros. “As iniciativas solidárias uniram governo e população. O cotidiano do bairro se transformou, para melhor”, afirma. Laços são mantidos até nos momentos de folga Aproximar a corporação dos moradores é uma meta antiga da Polícia Militar. O policiamento comunitário faz parte das campanhas eleitorais há décadas e é sempre apontado como uma estratégia efetiva no combate ao crime. O plano começou a ser colocado em prática em 2002, quando os policiais militares do Estado de São Paulo passaram a integrar o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), que leva palestras para alunos da rede pública. E os resultados dessa aproximação são notáveis. Na última semana, a reportagem conheceu no CIC da Vida Nova o soldado Marcos Roberto Dias, há 13 anos em atividade no bairro. Ele sempre fez parte das equipes do Proerd. E nas palestras fez uma legião de pequenos amigos. Dias se reencontra com eles nas acaloradas partidas de xadrez no CIC nos momentos de folga. “É emocionante. A gente se diverte com a garotada e incentiva a amizade sincera, o lazer saudável, o estudo, a responsabilidade. Do meu jeito, acho que eu ajudo a formar jovens cidadãos”, fala. Ali no CIC, é fácil perceber: a garotada não tem medo da polícia. Ao contrário: tem admiração. Dores vão embora com treino e dão lugar ao ânimo Ilda Florentina dos Santos é uma senhora de 71 anos. Ela tinha 46 quando deixou as roças de arroz e feijão na Paraíba para morar em Campinas. Estava viúva e tinha 12 filhos para criar. Era tanta miséria que teve de deixar o seu caçula com uma família conhecida antes de pegar a estrada. Hoje, moradora do Vida Nova, e com os filhos criados, ela participa três vezes por semana da aula de ginástica ministrada pelos policiais militares no CIC. Divertida que só vendo, a senhorinha conta orgulhosa que não perde um treino, se diverte a valer com as amigas e os monitores. Ela faz parte do grupo há dez meses, e não o troca por nada. As dores no joelho e na coluna sumiram. Hoje, fala, o poder público está presente na periferia, e ela se sente mais repeitada. Nesta idade, diz, só lhe resta realizar um sonho. Como ela está bem, lúcida e saudável, ela ainda espera rever o seu caçula, José Arnaldo, deixado na Paraíba há 25 anos. E eles conversam por carta e trocam fotos. “Ah, eu tô ficando em forma com a ginástica. Quero ter saúde para viajar, abraçar meu filho e conhecer os netinhos, lá na região de João Pessoa”, afirma.