Sessão de Cinema

Elon não Acredita na Morte

Há cineastas que têm medo do escuro. Os filmes deles são amplamente iluminados e não há nenhum espaço para qualquer nuance que...

João Nunes
25/09/2016 às 12:19.
Atualizado em 22/04/2022 às 22:16

Há cineastas que têm medo do escuro. Os filmes deles são amplamente iluminados e não há nenhum espaço para qualquer nuance que não seja a luz estourada. Ricardo Alves Jr. se insere no grupo dos diretores que têm medo da claridade. No primeiro longa dele, Elon não Acredita na Morte, apresentado ontem no 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, quase não há espaço para a luz e, portanto, para as cores.

Não há dúvida de que ele está em busca de uma linguagem, mas o excesso, aliado ao clichê (o suspense tem sempre de ser soturno), faz o filme mergulhar na escuridão e impede que em várias cenas vejamos o rosto do protagonista, o que significa dizer que a linguagem se sobrepõe, por exemplo, à atuação.

E obedecendo uma tendência do primeiro filme (livro, peça etc), Alves Jr. usa e abusa da técnica dando a impressão de que nela reside seu único interesse – veja os movimentos de câmera; assistimos a uma chuva exibicionista de planos-sequências, travellings e câmeras na mão.

E fica muito claro que o diretor ama Elefante (Gus van Sant, 2003) ao acompanhar o tempo todo o protagonista de costas para a câmera – como ama os irmãos Dardenne e a câmera colada ao rosto dos atores. Deve haver um propósito, mas, parece, está apenas na cabeça do diretor. O fato é que outra vez constata-se a sobreposição da linguagem – o que faz desta o grande trunfo do cineasta.

Para contrapor tal ênfase, bastaria citar o diretor de fotografia Lauro Escorel que, nesta semana em Brasília, nos deu uma aula sobre o trabalho dele. E, logo no início, para ilustrar, citou o drama Aurora (1927) na qual o diretor F.W. Murnau investe justamente no delicioso exercício do exibicionismo. E acrescentou: “Não há nada de novo hoje, eles já se mostravam virtuoses muitas décadas antes de nós”.

E pra quê uma cena tão dispensável de sexo explícito? Não há nada que a justifique. Aqui não se trata de sexo como meio de protesto ou inserida no contexto da história e como parte do arco dramático. O mesmo se pode dizer de Antes o Tempo não Acabava (Sergio Andrade e Fábio Baldo), que também está na mostra competitiva e foi, igualmente, exibido ontem – cena absolutamente gratuita entre dois homens.

Não é moralismo. Sexo faz parte essencial da vida e, naturalmente, das histórias de amor. Mas ele está tão onipresente no nosso cotidiano, e ao alcance de um click na TV paga e na internet, que fica difícil tentar reproduzi-lo no cinema sem cair na reiteração – ou na gratuidade ou vulgaridade.

No caso de Alves Jr, gratuito; em Antes o Tempo não Acabava, resvalando no vulgar. E, em ambos, repetição da pornografia estilizada (e, portanto, fake) provavelmente em busca da polêmica. Mas algum filme ainda tem o poder nos dias de hoje de nos escandalizar com sexo explícito?

A Cidade onde Envelheço

Em A Falta que me Faz (2009), Marília Rocha acompanha seus personagens em um cotidiano que chega a ser exasperante no modo como é vivido com excesso de silêncios, ênfase no comezinho, no inapelavelmente ordinário.

No primeiro longa de ficção, também na mostra competitiva de Brasília, esperava-se que o híbrido (documentário e ficção) estivesse presente, mas não de forma tão incisiva. Duas amigas portuguesas se reencontram muitos anos depois, em Belo Horizonte. E o cotidiano no qual nada acontece se instala na ficção.

A diretora se esforça por oferecer ao espectador as respectivas atividades diárias dos personagens em um clima meio reality show nos quais os participantes lutam arduamente para fazer algo atraente. E o cotidiano perecível e tão duro e às vezes tão aborrecido explode na tela.

Mais complicado é o fato de a diretora fugir do drama. Não há conflitos – ou melhor, há pequenos conflitos que se perdem no roteiro. Ao mesmo tempo doce e delicado, o filme se recusa aprofundá-los e, com isso, ele perde uma de suas graças. Por exemplo, alguém amado vai embora e não nenhuma reação de quem fica.

Há um charme na história das garotas portuguesas, mas a ausência de emoção legítima incomoda porque o cotidiano austero igualmente pode conter conflitos inimagináveis. E, se há conflito, estabelece-se o drama; com este, a emoção. Como Marília não quer que ninguém chore e, em que pese, revelar tanto o dia-a-dia, seus personagens sofrem do mal de não serem humanos.

* O jornalista viajou a convite do festival

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