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Eleitores no divã

Muitas clínicas recebem pessoas que demonstram medo com o que pode acontecer com o País após o resultado das urnas

Janete Trevisani
01/11/2018 às 13:42.
Atualizado em 05/04/2022 às 23:20

Nos consultórios, profissionais confirmam que são frequentes as manifestações de fobias, pânico, insônia e depressão nas pessoas que foram massacradas diariamente nesse processo de escolha do presidente da República. Segundo o diretor do Conselho Federal de Psicologia, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, a entidade tem recebido um número expressivo de relatos sobre as consequências psicológicas do processo eleitoral. “Em 20 anos de profissão jamais vi algo parecido, o País vive um momento bastante complicado de instabilidade psíquica”, diz Bicalho. Eleitores de Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) que buscaram ajuda de psicólogos e terapeutas nas últimas semanas estão com medo do “dia seguinte” (amanhã, 29/10), do futuro imediato e das consequências sociais e econômicas de uma eleição marcada pela polarização e negação do outro. “Minha família procurou ajuda profissional porque o emocional está muito instável em casa. Meu irmão menor está assustado porque ouviu seus colegas falando sobre porte de arma em sala de aula; minha mãe chora todo dia e fala em ir embora do Brasil; fui ameaçada no Facebook por ser contra o Bolsonaro e meus amigos estão com medo de uma ditadura”, afirma uma estudante de 18 anos que, assim como outros pacientes, optaram pelo anonimato.  De Campinas, o psiquiatra Pedro Paulo Lana Pôssas confirma que o tema repercute na clínica com manifestações de medo de ambos os lados. “Nas famílias, nas amizades, nas organizações de classes e até em congressos de especialidades médicas. Assistimos a uma das campanhas mais agressivas e desesperadas de nossa história, ressuscitando cadáveres ideológicos como o nazismo e o fascismo, cuja lembrança suscita os piores pesadelos na população.” Na constatação do profissional, “são frequentes as manifestações de fobias, pânico, insônia e depressão nas pessoas que são massacradas diariamente por essa campanha do medo. É difícil para a maioria separar o que é desespero de toda uma máquina de corruptos, que tenta desesperadamente destruir seu adversário, do que são acusações legítimas. Por outro lado há a angústia dos que se preocupam com o desemprego, com a volta da crise, da inflação, da comparação com o que ocorre na Venezuela, que também gera todos os quadros acima citados. No Congresso Brasileiro de Psiquiatria, ocorrido semana passada em Brasília, Pôssas diz que assistiu, estupefato, colegas abandonarem um debate, onde se discutia a Ideologia de Gêneros, apenas por discordarem da opinião da maioria. “Até entre psiquiatras a cisão ocorre, existem aqueles que acreditam mais na ideologia que na psiquiatria.Precisamos ultrapassar o ódio.” Hostilidade A psicóloga Flávia Eugênio conta que conversou com pacientes que estavam emocionalmente paralisados com receio até de andar na rua e de outras situações cotidianas. “A questão da violência está muito presente. Os pacientes LGBTs, por exemplo, estão se sentindo ameaçados pela hostilidade da eleição. “A também psicóloga Ivani Francisco de Oliveira diz que a própria dinâmica da disputa eleitoral foi a de implantar o medo do outro, do adversário, nos eleitores.” A terapeuta Maria Vicente, do coletivo Escuta Sedes, afirma que tem acompanhado o aparecimento “das fantasias mais primárias relativas ao desamparo e à vulnerabilidade frente às ameaças que se apresentam”. Para ela, chama atenção a presença de sofrimentos mais regressivos, como perturbações importantes e repentinas do sono (como insônias e pesadelos). Ainda segundo Maria, podem ser detectados casos de perda de apetite, de vitalidade e da capacidade de enfrentar desafios corriqueiros da vida. Um empresário de 49 anos, eleitor de Bolsonaro, disse que as incertezas econômicas produzidas por uma imaginária vitória de Haddad foram motivos de insônia e angústia nos últimos dias. “Fico pensando nas empresas que podem deixar o País, na crise que pode estourar se acontecer isso ou aquilo, fico pensando em como vai ficar a minha família em um ambiente econômico caótico”, diz. Ele confessou que já tem tomado remédios para dormir e que foi aconselhado a evitar o noticiário político. Já um comissário de bordo de 36 anos, eleitor de Haddad, conta como a eleição interrompeu um longo processo de reaproximação entre ele e o pai. “Sou homossexual, mas meu pai nunca aceitou. Depois que passei por uma cirurgia no quadril, meu pai voltou a falar comigo. Inclusive, ficava em casa me ajudando", afirma. “Mas a coisa desandou quando descobrimos o candidato um do outro Nós voltamos a não nos falar. Ele não vem mais na minha casa - porque eu sou Haddad e ele Bolsonaro”.  Para a psicóloga Adriana Burani Venceslau, “o papel do terapeuta não é o de fazer uma intervenção política, mas ajudar o paciente a descobrir o que foi deflagrado pelo ambiente atual”. Ou seja, ajudar a desvendar as questões que já estavam pendentes nos relacionamentos e que vieram à tona, tendo como gatilho uma discussão que, na superfície, era “apenas sobre política.” Empatia O quadro de desequilíbrio emocional ficou tão evidente que psicólogos e terapeutas de diversas correntes estão promovendo as chamadas rodas de conversa e acolhimento. As ações funcionam como grupos de terapia coletiva - e são ações abertas e gratuitas. “A ideia é abrir um espaço de fala e de escuta, principalmente para que as pessoas percebam que não estão sozinhas", diz a psicóloga Flávia Eugênio, que tem promovido rodas de conversa em Santo André, na Grande São Paulo. “Temos de reinstalar a esperança a partir das próprias histórias de vida de cada um. Também tentamos promover a empatia entre elas”, afirma outra organizadora da roda, a psicóloga Ivani Francisco de Oliveira. Segundo Tatiana Olic, a ideia é tentar fortalecer a ideia de ‘pertencimento’. “Nesse momento, as pessoas precisam entender que não estão sozinhas, que ainda existe empatia e possibilidade de diálogo”, afirma. (Estadão Conteúdo com equipe da Metrópole)

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