O homem e o osso já foram velhos companheiros. Há milhares e milhares de anos, quando caçar exigia esforços coletivos e era uma tarefa árdua, a carcaça dos animais abatidos era consumida até a última migalha possível e, literalmente, muita gente roía um ossinho, principalmente em busca do tutano, uma energética e nutritiva iguaria.
Ele, o osso, foi mais além: servia de arma, instrumento para destrinchar e cortar, para adornar guerreiros e enfeitar as moçoilas da aldeia. Hoje, com os avanços das técnicas de desossar e os inúmeros cortes sofisticados de carne, muita gente prefere deixar os ossos para lá; os açougueiros que deem cabo neles, ou vão para o lixo ou para fábricas de ração animal. Raramente, em uma longa gôndola de supermercado, a gente encontrará cortes variados onde o osso se faz presente.
Independente da tendência moderna dos consumidores desprezarem os ossos, a maioria dos chefs de renome e de requintados restaurantes dão a eles valores inestimáveis: não se trabalha sem ossos no ambiente da cozinha profissional. Eles são ingredientes importantíssimos para a elaboração e estruturação de vários fundos e caldos que serão utilizados em diversos molhos que darão vida e sabor a pratos sofisticados.
Em todo restaurante estrelado, longe dos olhos da clientela, sempre há em um canto do fogão uma enorme panela com ossos, aparas de legumes, vegetais e especiarias, em permanente ebulição; é um processo que não para nunca, alguns fundos ou caldos exigem até 72 horas de fogo brando para redução e chegar à textura e sabor ideais. Feitos com maestria são insuperáveis; não há nas prateleiras produto industrializado à altura deles. E, com certeza, é esta base, estes caldos e fundos, que faltam em sua comida caseira quando o seu prato não fica com aquele saborzinho idêntico ao do restaurante.
Não são apenas os ossos de bovinos que são valorizados; ossos de aves e de caças, as cascas dos camarões, a cabeça e aparas de peixe; tudo é transformado em base. Um exemplo é o pirão de peixe, prato comum e muito apreciado entre nós, que é feito a partir da fervura da cabeça do peixe.
E tem mais: a carne que vem abraçadinha aos ossos tem sempre um sabor especial; os ossos são responsáveis por dar à carne um complexo diferenciado de sabores, realçando suas virtudes, deixando-a mais úmida, suculenta e saborosa quando assada, grelhada, frita e até mesmo guisada corretamente. Com a palavra, aqueles que não se avexam frente a uma generosa rabada ou costela assada! Já pra cozinha, vamos trabalhar!
Côte de Boeuf Niçoise
(Costela de Boi à Moda de Nice)
Ingredientes (para 4 pessoas)
Para a costela
- 4 pedaços de costela minga de + ou – 450g, com osso;
- 600 g de mirepoix (cenoura, cebola, salsão e alho poró rusticamente picados)
- 6 dentes de alho, com a pele, amassados com o cabo da faca;
- 1 buquezinho de salsinha verde, alecrim e tomilho;
- 120g de extrato de tomate (+ ou – ½ xícara de chá);
- 150 ml de um bom vinagre de vinho tinto;
- 600 ml de vinho tinto seco, de boa procedência;
- 100 ml de vinho do Porto;
- 2 litros de caldo de carne (pode ser feito com 3 tabletes);
- 60 ml de óleo vegetal (milho, girassol ou canola);
- sal e pimenta do reino preta, quebrada na hora.
Para guarnecer
- 12 cebolas pérolas inteiras (ou cebolinhas miúdas para picles);
- 70 g de bacon em cubinhos;
- 3 dentes de alho picadinhos;
- 30 ml de azeite extra virgem;
- ½ xícara (chá) de azeitonas verdes e ½ de pretas, sem caroço, e picadas.
Como fazer
Limpo bem a carne, eliminando o excesso de gordura e pele, e acaricio cada pedaço com um pouco de sal e pimenta do reino; permito que descansem por 15 minutos. Em uma caçarola larga, não muito alta e de fundo grosso, coloco o óleo, aqueço bem e, em fogo alto, selo os pedaços de costela até dourar; retiro e reservo. Na mesma panela salteio o mirepoix até os legumes também ficarem douradinhos; junto às carnes.
Ainda na mesma panela onde selei a carne e dourei os legumes, em fogo médio, coloco o vinagre e deixo reduzir pela metade; então acrescento o vinho tinto e o vinho do Porto e espero reduzir, novamente, pela metade. Junto o extrato de tomate, o buque de ervas, o caldo de carne, o mirepoix; mexo levemente.
Escolho uma assadeira robusta e nela acomodo as costelas junto com o molho, cubro com papel alumínio e levo ao forno pré-aquecido a 170° por 4 horas ou até a carne se render macia. Confiro o cozimento algumas vezes e, precisando, junto mais caldo de carne e pouco antes de desligar o forno elimino o papel alumínio para a carne pegar brilho e dourar. Retiro do forno e reservo as costelas, coo o caldo, descarto as partes sólidas e levo ao freezer; quando esfriar, elimino a camada de gordura que se solidificou sobre o molho.
Finalizo na caçarola: coloco o azeite, aqueço em fogo médio, junto o bacon, mexo e remexo, junto as cebolinhas, o alho, as azeitonas, salteio tudo; após 3 ou 4 minutos retiro e reservo. Na mesma caçarola coloco 2 ou 3 conchas do molho, as costelas, espero ferver, abafo e deixo em fogo médio por mais 10 minutos. Decoro e sirvo (agora sim, com ou sem os ossos, você pode escolher) com um pouco de molho e com a guarnição salteada. Acompanha purê de batatas ou batatas salteadas.
Veja só
A costela é, pelo preço acessível e também pelo sabor, um dos cortes mais consumidos pelos brasileiros, geralmente assada ou ensopada. Optei por uma receita diferente para você aumentar seu repertório de receitas. Niçoise, neste caso, não é um molho, mas sim cozinhar à moda de Nice, cidade do sul da França onde nasceu o grande chef Scoffier.
Carne & Osso
Veja os cortes mais comuns onde carne e osso ditam as regras
Carré: Termo francês que designa a peça incluindo a carne e a sequência de ossos da costela; mais comuns são a de cordeiro e a do porco e, às vezes, a da vitela. O carré é normalmente servido assado, com molhos preparados com os sucos de seu cozimento.
Ossobuco: O de boi é o mais comum; acompanha o clássico risoto alla milanese; é um corte da canela ou panturrilha do animal envolvida por uma farta camada de carne musculosa e que deve ser cozida lentamente por horas para ficar macia e não desmanchar o tutano. Usado também em sopa.
Costela: A de ripa ou assado é retirada da parte superior do tórax bovino; tem ossos mais longos e mais largos e a carne mais rija, é ótima para assar ou brasear. A ponta de agulha ou minga é retirada da parte inferior do tórax bovino; tem ossos mais finos e gordura entremeada com cartilagem. A de suíno é também uma iguaria, podendo ser assada, braseada, refogada ou cozida.
Bisteca ou Chuleta: Corte extraído do lombo do boi. Macia e com um pouco de gordura, é muito saborosa frita, grelhada ou assada lentamente no forno. Tempere apenas momentos antes de preparar.
Rabo de boi: Ideal para cozidos e ensopados, é muito popular no Brasil. Quando cozido, os ossos liberam o colágeno dando sabor e texturas únicas ao prato.
T-Bone: Extraído do lombo do boi, em cortes transversais; tem um osso em forma de T no meio; de um lado leva a carne do final do contrafilé e do outro a parte central do filé mignon. Frito, assado e, na churrasqueira, é imbatível.
Mocotó: É o pé do boi e é muito apreciado pelo seu colágeno, que é liberado durante o longo cozimento, resultando em um caldo denso e saboroso. Tem muita cartilagem, pouco músculo e pouquíssima gordura.