CECÍLIO ELIAS NETTO

Domar e domesticar o homem

Cecílio Elias Netto
igpaulista@rac.com.br
20/02/2015 às 05:00.
Atualizado em 24/04/2022 às 00:13

ig-cecílio (AAN)

A prioridade que o governo federal propõe está no dístico de sua mensagem oficial: “Brasil, Pátria Educadora”. Deveria ser-nos uma decisão alentadora. No entanto, de minha parte, alimento sérias dúvidas, aflitivas algumas delas. O que o governo entende por educação? Educar quem? Para quê? Como? Se o homem é o objetivo, o alvo — quem e como é o “homo brasiliensis” ou o 0“homo brasilis”? Quem somos nós? Frídio — um sábio da Grécia Clássica — deixou-nos a sua definição para o homem, o humano. Ser homem era ser grego. Apenas isso. Ou seja: culto, amante das artes, do belo, da razão. A Roma Imperial proclamou o “homo romanus” em contraposição ao “barbarus”. De Nietszche, fica-nos a reflexão instigante: “O homem é um animal ainda não definido”. E Tomás de Aquino faz a síntese de tudo com o “unum, bonum, verum, pulchrum”, que nos induz a maravilhosas reflexões: “O homem é indiviso, bom, verdadeiro e belo”. Então, o que aconteceu?   Não me recordo — em meus já longos anos de vida e de jornalismo — de uma época tão próxima à barbárie universal. Em todos os níveis. Desde o homem que passa pela rua até os altos níveis tecnológicos que provocam massacres em série. Por isso, falar-se, atualmente, em humanidade é instigar profundas indagações e reflexões. Humanidade, de que se trata? Qual humanidade? E quem é verdadeiramente humano, se apenas nascer não nos dá essa condição, a não ser em visões religiosas?   O ser humano resulta de um processo de construção permanente. É nesse sentido que deveríamos compreender o que seja educação. Que, em princípio, é transmissão — de uma geração a outra, de um grupo de pessoas a outro — de técnicas culturais, de trabalho, de comportamento. Logo, a educação se alicerça numa cultura que a fundamente. Por isso, é dinâmica, a não ser em sociedades primitivas que dão sacralidade a seus valores, tornando-os imutáveis dado que se confundem com o sagrado.   Por mais que o pretendamos — ou mais convenientemente o desejemos — é impossível ignorar a ação vívida e instigante do conceito de educação e de cultura greco-romanos. A história da personalidade europeia — que nos formou — é fruto de Roma e do Cristianismo. O conceito de cultura assumiu diversas acepções, uma das quais, a mais comum, é de ser a totalidade das manifestações e formas de vida de um povo. Daí, podermos falar em cultura chinesa, cultura hebraica, egípcia etc. No entanto, o Ocidente conheceu e foi moldado pela concepção grega de educação e cultura, a Paideia.   Ora, longe de mim, a intenção de meter o bedelho em questões tão complexas, permanentemente em discussão. No entanto, quando o governo brasileiro fixa um objetivo mais elevado — “Brasil, Pátria Educadora” — é dever, penso eu, de cada cidadão refletir e questionar. A que educação se refere o governo? O que os burocratas do poder entendem por educação? Qual o objetivo? Quais valores e princípios nortearão essa pretensão?   Educar é formar o homem, amadurecer o cidadão, orientar para dar-lhe uma forma superior de vida. Educar é como cultivar uma planta: a semeadura, os cuidados, o crescimento, a adolescência, a maturidade. Etimologicamente, educar é, também, conduzir. E aí está o grande problema que deveria preocupar-nos: quem irá conduzir-nos, para onde, orientar como?   Nossos governos — comodamente — insistem em confundir educação com ensino formal. A questão é muito mais extensa. O ensino formal é complementar à educação, devendo, ambos, caminhar paralelamente. Não será por saber aritmética que um homem terá uma educação digna. Ele está dentro de um caldo de cultura complexo demais para ser cuidado por políticos.   Como uma “Pátria Educadora” irá educar o homem brasileiro, mergulhado no caos, próximo da barbárie, já pertencendo a uma barbaria? O mundo — não só o Brasil — perdeu seus referenciais, pontos de apoio. A civilização optou pela selvageria. Como, então, educar selvagens, bárbaros? Como os nossos professores — desprestigiados, mal remunerados — podem orientar crianças e adolescentes sem noção de civilidade, de convivência?   Quando nos vemos diante de animais selvagens e queremos domesticá-los, é preciso, antes de mais nada, domá-los. Primeiro, domar; depois, domesticar. E, então, conviver. Assim deve ser, também, com o “homo brasiliensis” hoje. Tem que ser domado em sua brutalidade e, depois, domesticado. O terrível de tudo é que as palavras domar, domesticar proveem de uma só raiz: “domus”. Que é casa, família.Uma advérbio do latim clássico — “humane” — soa, hoje, com dolorosa e dramática ironia. Quer dizer “mansamente”. Essa mansidão que o homem perdeu. E “humanitas” — como pudemos destruir tudo isso? — é humanidade, civilidade, cortesia. “Brasil, Pátria Educadora”, como será?

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