opinião

Doces lembranças

Aquiles Reis
09/10/2019 às 12:08.
Atualizado em 30/03/2022 às 14:52

Tetê Spíndola uniu-se a Alzira E para lançar Recuerdos (Selo Sesc-SP), um dos CDs mais singulares da música brasileira deste início de século 21. As duas são de uma família de gente pantaneira, berço que as instigou a abraçar a arte de cantar, algo que fazem com amor na garganta e nas mãos. A mim impressiona a forma como expressam suas origens. Suas vozes têm tanto sabor interiorano quanto cosmopolita. A personalidade de suas composições e de suas vozes fazem com que suas produções sejam identificadas ao primeiro acorde, à primeira sílaba – enfim, duas mulheres identificadas com o Brasil e com sua terra, Campo Grande (MT). Mas antes dos meus comentários sobre o novo disco, trago aqui o que já havia pensado sobre elas. Em julho de 2007, escrevi sobre Tetê: “(...) Ela tem a voz mais fantasticamente aguda da música popular brasileira (...) Voz que tomou para si o papel de louca a dizer uns troços meio doidos, quando poucos, ou ninguém, sequer ousava deles falar – meio ambiente, ecologia, aquecimento global...” E sobre Alzira E, em maio de 2011, que à época gravara um álbum em parceria com o poeta Arruda: “Para Alzira E (...) arte é concisão (...) Ela canta como uma atriz, e, assim sendo, suas músicas são como monólogos de provocante poesia contemporânea (...)”. Recuerdos fala à alma do povo. As duas vozes soam ora em uníssono, ora dissonantes (!). E, para encorpar ainda mais a cantoria, convidaram Ney Matogrosso para com elas cantar, por exemplo, Meu Primeiro Amor (Hermínio Gimenez, versão de José Fortuna e Pinheirinho Junior) e Índia (José Assunción Flores e Manuel Ortiz Guerrero, versão de José Fortuna). De forma reverente, os três atraem a emoção lá de dentro da memória do ouvinte. E a pegada contemporânea de Alzira e Tetê encontra suporte em Ney, ele que arrasa. Aliás, os três arrasam. Os arranjos de Zé Godoy, com cordas, sopros, piano, percussões e o violão de Alzira e a craviola de Tetê, têm momentos de plenas delícias, como em Anahy – Leyenda de La Flor Del Ceibo (Claudio Velez, versão de José Fortuna). Doce lembrança. Como não se emocionar ao ouvir a intro da craviola, seguida pelas cordas, em Ciriema – Siriema de Mato Grosso? E em Recuerdos de Ypacaraí (Zulema de Mirkin e Demétrio Ortiz), então? Meu Deus, Tetê, Alzira e Ney transcendem o ansiado. Na craviola, Alzira inicia Rio Vermelho (poema de Cora Coralina, musicado por ela). Logo se ajunta a voz aguda de Tetê. Total emoção. O arranjo de Zé Godoy, resumido a piano acústico, teclado e cavaquinho, tocados por ele, e o violoncelo de Robert Suetholz, simples assim, fecham a tampa com Tetê e Alzira cantando Pé de Cedro (Zacarias Mourão e Goiá): “Foi num belo Mato Grosso/ (...) Um pequeno arbusto achei/ Levando pra minha casa/ No meu quintal guardei (...)”. Tetê Spíndola e Alzira E nos mostram que música é coisa simples, feita simplesmente para dela gostar. Simples arpejos nos comovem, palavras doces nos fazem arrepiar.

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