Comer & Beber

Doces do coração

Acostumado à exposição na TV, chef Lucas Corazza não embarca em modismos, não se encanta com o glamour da fama e não abre mão das mais autênticas referências ao executar uma receita

Érica Araium
19/03/2015 às 12:42.
Atualizado em 24/04/2022 às 02:39
Comer e beber ( Divulgação)

Comer e beber ( Divulgação)

Lucas Corazza é um fazedor de doces, como prefere se apresentar. Ou confeiteiro brasuca dos melhores, como a crítica especializada vem assinalando há algum tempo. O que importa não é o apelido que tenha o ofício, mas a pretensão do bamba: democratizar a confeitaria (ou a gastronomia, num sentido mais amplo) também por meio da preservação da rica identidade brasileira. Soa ufanista? Pode até ser. Autêntico? Opa. A ponto de ele publicar manifesto em defesa do tema na própria fanpage, repercutido de um jeito mais solto nesta prosa com a Metrópole.   “Vivemos um tempo em que todos querem a novidade, mas não podemos nos esquecer da nossa herança doce. Inovar, por meio do uso de técnicas clássicas e contemporâneas, faz parte, mas preservar receitas e ingredientes é importante também. Por exemplo. Quando se fala em resgate do bolo de fubá, me entristeço. Ele não deveria ter sumido. Que doce acompanha a sua xícara de café?”, indaga. Esculturas de chocolate e açúcar? É claro que ele domina a arte de fazê-las. Inquieto, porém, veio se reinventando ao longo dos quase 14 anos de carreira para que sua arte se perpetue – e com valor agregado.     “O advento das redes sociais mudou muito a compreensão do que é confeitaria, felizmente. Há um novo mercado surgindo, o que é positivo. Ao mesmo tempo, vejo grandes artesãos da confeitaria fechando, enquanto grandes marcas se mantêm no mercado. O açúcar é um momento de prazer, satisfação, luxo, por isso creio mais na conquista pela experiência, pela qualidade. Então, me vejo numa encruzilhada, pois é preciso achar um lugar nesse meio onde o que define sua permanência é o sucesso comercial”, situa, postando-se à revelia dos modismos e ao lado de experts como Mara Mello e Diego Lozano. “Esses e outros nomes são caros à confeitaria nacional. Queremos colocar doces de verdade na boca das pessoas, não somente açúcar. E, para chegar a eles, aos doces que merecemos, é preciso domínio de técnica, boa cadeia de fornecedores de produtos, pagar o justo pela mão de obra e pesquisa constante”.   Quindim, doce de abóbora de tacho, bolo de cenoura, tapioca com recheios mil, frutas do cerrado, da região Norte, as castanhas e outros tantos ingredientes estão disponíveis para fazer frente ao cacau que vira chocolate, superlativo e infalível até mesmo para Corazza, chocólatra assumido. “A gente se esforça como confeiteiro, mas o público também tem de questionar os produtos disponíveis e como vimos educando o paladar”, observa. Nascido e criado em São Paulo, fruto da miscigenação de ascendentes libaneses, italianos e brasileiros, Corazza cresceu vendo tigelas de hommus e sardela, caponata e babaganuche e de arroz e feijão juntinhas à mesa. Provou e prova de tudo um pouco. Sempre estudou sozinho, nem de longe é gastrônomo “formal”. Passou por restaurantes ícones como D.O.M., Eñe e Budha Bar. E estudou na França, nos centros Ecole Nationale Supérieure de la Pâtisserie (ENSP) e Bellouet Conseil de Paris, onde se encantou com as técnicas clássicas francesas. Ali, criou a filosofia de adaptá-las ao paladar e aos ingredientes brasileiros. “Precisamos aprender a executar e perpetuar nossas melhores receitas”, aposta.Confeitaria na rua   Uma das maneiras que Corazza encontrou para tornar seu trabalho mais acessível (no sentido da democratização que defende e, claro, da sobrevivência no mercado) foi marcando presença em feiras gastronômicas (vide @butantanfoodpark e @feirinhagastronomica_sp); e ainda em eventos hypados como o Lollapalooza – desde o ano passado, a alimentação é uma das atrações do festival, que terá nova edição em abril, outra vez no Autódromo de Interlagos. “Em meio à crise econômica e energética, manter um ponto de venda convencional é um superdesafio, custa cada vez mais caro. Democratizar, nesse sentido, surge como contraponto, alternativa mais viável desde que o projeto seja bem executado e criterioso em relação à higiene e à segurança alimentar”, sintetiza. Não é à toa que, desde janeiro, Corazza aposta na onda dos trucks. Sua confeitaria sobre rodas tem isolamento térmico, vitrine expositora fria, acabamento interno em inox, iluminação externa e envelopamento exclusivo. Éclairs recheadas de sorvete, bolo brigadeiro e cheesecake já entraram no menu, mas volta e meia ele adoça a boca dos visitantes com algo surpreendente. “Vendo doces de uma confeitaria elegante, delicada, saborosa e completamente artesanal, mas gosto de provocar com o simples. Uma vez levei um bolo de fubá com goiabada e calda de limão, coisa de infância, de memória afetiva, de família. Foi sucesso absoluto. O bacana de estar na rua é ver o sorriso do seu público, aquela reação imediata”, afirma.De arroba em arrobaEle também aparece na “telinha” vez em sempre e em vontade. No canal Fox, integrou o time de A Confeitaria ao lado de outros profissionais de estirpe, como Lozano e Carole Crema. Agora, será apresentado ao público como um dos jurados de Que Seja Doce, que estreia no dia 13 de abril no canal GNT. “As pessoas vão se divertir muito, verão que os participantes chegaram para arrasar, tem gente bem forte. E houve um entrosamento muito legal entre os jurados (Carole, da doçaria paulistana La Vie; e Roberto Strongoli, chef consultor) e Felipe Bronze (chef dos restaurantes cariocas Oro e Pipo), apresentador. Sempre me perguntam como foi julgar os participantes e uso uma frase que se tornou emblemática: ‘Eles colocavam palavras nas nossas bocas’. Em confeitaria não há gosto ou não gosto. Há proporções, texturas, apresentações”, pondera. A atração tem 30 episódios, que serão exibidos diariamente.     Entre feirinhas, participações em programas de TV, workshops e ene outras atividades, Corazza reserva tempo, ainda, para se portar como homem arroba à frente das redes sociais. É ele, sim, quem posta e interage com os fãs, invariavelmente. “Quando você se propõe a vender algo diferente, precisa mostrar que a filosofia acessível que defende é feita por alguém igualmente acessível e criativo. Minha figura é pública, estou exposto. Vivo atrás de novas experiências. Mostro que estou aberto e estudando incansavelmente. Do coração partido às receitas e aulas, falo de tudo que me interessa nas redes sociais”, resume.

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