Finger foods, desconstruções, releituras de clássicos, regionalismos. O menu dos bufês reforça, em bocados, as tantas tendências que se assentam na seara gastronômica. Equalizadas as técnicas e as inspirações, voi lá. Simples assim? Nem tanto. "Somos desafiados a realizar sonhos e, claro, a pretensão de qualquer cozinheiro é superar expectativas. Se antes os menus dos bufês eram mais óbvios, engessados por assim dizer, hoje é preciso personalizá-los, considerar cada perfil de cliente. Nada se repete e, se há uma tendência, é essa. É como desenvolver um novo perfume a cada evento", avalia a banqueteira e chef Daniele Rocha, à frente do paulistano Vila Brasil Buffet e do restaurante da família, que capitaneia há três anos.
Apaixonada por frutas e pescados, ela revela que tem se aplicado em descobrir alternativas criativas para surpreender pelo sabor e pela apresentação. "Adoro salmão e bacalhau, peixes de personalidade que funcionam bem para entradas. Mas, por que não lançar mão de um ótimo linguado, de carne branca e sabor delicado, prepará-lo grelhado ou ao forno, com crosta de castanha-do-pará, e fazer dele o prato principal?", provoca. Travada a prosa inicial com o cliente, o menu é esquadrinhado e dá-se sequência a uma bateria de testes e provas, até que tudo beire a perfeição. Afinal, menu, montagem e serviço têm de estar de acordo com a temática da ocasião.
"Se tenho liberdade para criar, para mostrar meu toque autoral, a satisfação é dobrada. E funciono muito bem sob pressão. Lembro de um evento para 1,5 mil pessoas num haras em Atibaia. Era um leilão, com convidados bastante exigentes. A cliente, mineira, queria que o serviço fosse empratado e pediu que incluísse receitas tradicionais. Foi uma satisfação muito grande vê-la aprovar as releituras que propus e que reportavam às raízes daquela que considero a mais rica das cozinhas regionais brasileiras", partilha.
A ideia para a receita da sobremesa, com doces de laranja da terra, de nata e de leite, tão arraigados às memórias daquela família, surgiu à mesa em roupagem gourmet e graças à parceria com fornecedores lá de Minas Gerais. Outro ponto que a cozinheira destaca é o aproveitamento de todos os ingredientes. "Naquela mesma ocasião, usei as aparas do prime suíno, que resultou numa costelinha com apresentação bem próxima a um carré francês, para preparar uma linguiça artesanal. O prato caiu como uma luva entre as opções de entrada", observa.
Sustentável
Representante da nova geração de cozinheiros e atenta aos preceitos da gastronomia sustentável, Daniele, de 32 anos, faz questão de aproveitar todas as partes dos alimentos, reciclar o óleo de cozinha (uma entidade parceira o converte em produtos de limpeza, utilizados no restaurante e no bufê), só usar carvão certificado e inteirar-se de projetos que contribuam com o fim do desperdício e com iniciativas sociais. "Temos de fazer a nossa parte, cuidar do meio ambiente. É imperativo. Além da atenção com os ingredientes que uso e com a cadeia produtiva, prefiro usar guardanapos de tecido em vez dos de papel, tenho parcerias com entidades para as quais destino parte dos alimentos, crio receitas alternativas no restaurante", enumera.
Daí aplaudir a proposta do Projeto Satisfeito, idealizado pelo vice-presidente do Instituto Alana e que já mobilizou uma leva de cozinheiros paulistanos. A ideia é que o cliente opte por porções menores se estiver disposto – ou satisfeito – e reverta a "economia" (1/3 do valor do prato normal) para ONGs brasileiras, africanas e asiáticas que atuam no combate à fome infantil.
Reinventar sempre
Apesar de estar no mercado de alimentação há pouco tempo, Daniele já se sente confortável para avaliar os percalços que ela e tantos veteranos vivem em relação à carreira. Ora, os custos de manutenção do negócio são elevados, há que se pensar em treinamento de equipes, em menus cada vez melhor elaborados e bem executados. "Os comensais estão cada dia mais exigentes, mas nem sempre compreendem como os restaurantes estabelecem seus tíquetes médios. O fato é que os produtos estão mais caros, e para todo tipo de cozinheiro. Há retração na economia, existe inflação e, por isso, temos de nos reinventar o tempo inteiro, buscar alternativas, ainda mais num ramo que oscila tanto quanto este", pontua a chef, com a chancela de quem atuou, por dez anos, como executiva do Grupo Silvio Santos. Formada em comércio exterior, até pouco tempo era uma das colaboradoras do "homem do baú". "Trabalhava na controladoria financeira", revela.
O ingresso na gastronomia deu-se por força das circunstâncias. Os pais da chef, descendente de italianos, mantinham um pequeno café na Vila Carrão. O estabelecimento tomou corpo e virou o Vila Brasil, restaurante hoje sediado na Mooca e que está completando uma década. O braço de eventos da casa surgiu de repente, fez sucesso e alguém que entendesse de finanças tinha que cuidar dos orçamentos. Daniele, ora.
"Passava a madrugada aprontando tudo, feliz da vida. Quando me dei conta, estava atendendo aos clientes diretamente, participando de degustações, pesquisando receitas e palpitando nos menus. Fiz cursos relacionados à área de eventos, ponderei à beça e mudei de ramo, consciente e apoiada pela família. Estava apaixonada pela cozinha", conta. E aí voltou à cátedra. "Queria aprender. Fui cursar gastronomia no Senac e vi um mundo de descobertas à minha frente. Reciclei o cardápio do restaurante, repensei o conceito do bufê e não me vejo mais fazendo outra coisa que não cozinhar."
Pitacos de cozinheiro
Daniele aponta que entre as características da geração de chefs da qual faz parte estão as trocas, os "temperos" que cada um agrega ao seu próprio universo de referências. "Alex Atala e Alain Ducasse são minhas referências máximas, mas procuro pesquisar o que os cozinheiros da minha geração estão aprontando e faço a distinção entre o que é modismo e o que é novidade. Vou construindo meu caminho, confiando na minha mão e no meu potencial. Meu negócio é o desafio", afirma, atenta às oportunidades.