CHEF LAURO

Do cavalo ao bacalhau

Lauro Lucchesi
28/03/2013 às 07:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 22:45

Com aquele perrengue todo que abalou recentemente a Europa deu coceira e não resisti: vou desfrutar do mote e meter minha colher de pau nesta cumbuca. Refiro-me ao bafafá sobre a carne de cavalo que os cidadãos de lá estavam consumindo em alguns produtos industrializados sem saber que era carne de cavalo.

Longe de fazer aqui a apologia do consumo da carne de cavalo, que a maioria dos brasileiros rejeita por tradição católica (há séculos ela é associada ao pecado pela Igreja católica porque era comum em festas pagãs) e pela associação do animal como leal e esforçado companheiro de trabalho do homem no campo, a carne de cavalo é, sim, muito boa, saudável, saborosa e seu comércio é legalizado por aqui.

Desde que o animal seja criado e abatido para estes fins, em condições sanitárias adequadas, não há problema algum em consumi-la. Mas o que arrepiou os cidadãos europeus não foi a carne de cavalo em si (a França, a Bélgica e a Itália, além da Ásia, são os grandes consumidores desta carne), mas o fato de ela estar ali clandestina, na surdina, sem menção ou referência dela nas embalagens.

Eles, os consumidores, sentiram-se enganados, feitos de trouxa, compraram gato por lebre; foi ai que o termômetro subiu e a jurupoca piou. Se lá, na comunidade europeia, que tem leis rígidas e uma fiscalização idem, algumas indústrias de alimento armam tal cilada, imaginem só o que pode rolar por aqui neste nosso imenso Brasil?

O nosso código que defende o consumidor é um dos mais avançados do planeta: reza que a apresentação, a embalagem ou o rótulo do produto devem assegurar informações corretas, precisas e claras, ou seja, em letras legíveis e em bom português, sobre as características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade, origem e os riscos que o mesmo apresenta a saúde do cidadão. Mas na pratica não é bem assim; boa parte das embalagens no mercado omitem informações elementares, funcionais, e dispõem de algumas que a maioria do cidadão comum nem imagina o que significa.

A Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – autarquia que atua na maioria dos segmentos relacionados a produtos e serviços que ameaçam a saúde da população, é a responsável por fazer o meio de campo entre indústria, comércio e o consumidor, ou seja, regulamentar e fiscalizar, enfim, por ordem na gafieira. É dela a responsabilidade de conferir desde a produção até o produto final que é oferecido ao consumidor.

A fiscalização da lá seus pulinhos, mas é bamba e coleciona alguns deslizes; a peteca nem sempre fica no ar e se espatifa no colo do cidadão. A peça fundamental para toda esta engrenagem funcionar bem é o cidadão; o consumidor. Por hora, que m faz a diferença somos nós, que colocamos a mão no bolso; então, não se avexe, é um direito constituído: desconfiou que esta sendo enganado, bota a boca no trombone, faça barulho. Porque, oxalá, tem muita gente por aí que adora trapacear e levar vantagem.

Já para as panelas!

RECEITAS DE CHEF

É prática comum entre os grandes chefs de cozinha ir pessoalmente às compras ou visitar os fornecedores para abastecer suas despensas e geladeiras. É uma parte saudável e prazerosa do serviço, conhecer o campo, onde e como são cultivadas as hortaliças, como é criado o cordeiro, o pato, o porco, e mesmo checar in loco, nas feiras livres e mercados, legumes e verduras, ervas e especiarias, peixes e carnes.

Quando se trata de produtos industrializados ou manufaturados, os chefs comandam exaustivos testes em suas panelas para confrontar a qualidade dos mesmos com as promessas elencadas pelo fabricante. Afinal, os grandes e famosos restaurantes têm seus nomes ancorados no prestígio e na capacidade de seu chef e qualquer deslize cairá sobre seus ombros de maneira desastrosa. Já nós, simples mortais, pouco tempo temos para isso, mas não deixa de ser um hábito saudável conferir minuciosamente, muitas vezes até questionando o feirante ou fornecer, sobre a origem e a qualidade do que estamos comprando na feira ou nos açougues.

O mesmo procedimento deve ser tomado com produtos industrializados, principalmente aqueles que vêm em embalagens opacas, como tetra pak ou latas, que obstruem o acesso visual ao conteúdo. Neste último caso, toda a atenção com o que diz a embalagem é pouca.

E VIVA A TRADIÇÃO!

Há muito tempo o bacalhau, para a grande maioria da população brasileira, ganhou o status de prato para ocasiões. O bicho tem ficado raro nos mares e caro nos supermercados. Assim sugiro que nesta data especial que convoca à mesa um dos pratos mais emblemáticos da gastronomia portuguesa, a tradição seja respeitada.

É a oportunidade (ou o pretexto) que muitos têm de saborear o peixe. Por mais criativos que possamos ser buscando alternativas para nossa mesa, um tenderzinho no Natal e um leitãozinho no Réveillon não fazem mal a ninguém! E, afinal, quem ai não gosta de um bom bacalhau na santa Sexta-Feira Santa? Para fazer uma elogiada bacalhoada não é necessário comprar aqueles lombos enormes e caríssimos, o do Porto Imperial; podemos conseguir bons resultados com um pedaço de bacalhau do Porto ou um generoso naco de ling e até mesmo do saithe.

Hoje temos uma receita muito apreciada em Portugal que, deixo claro desde já, pode sofrer pequenas alterações dependendo da região onde é preparada. Vamos lá!

Bacalhau com Natas

Ingredientes (para 8 pessoas)

- 1,2 kg de bacalhau a granel, salgado, cortado em postas largas;

- 300 g de batatas cortadas em cubinhos, cozidas e depois fritas em óleo;

- 2 cebolas médias em rodelas finas;

- 2 dentes de alho, finamente picados;

- 1 colher (sopa) de manteiga sem sal;

- 80 ml de azeite extra-virgem;

- 2 xícaras (chá) de molho Bechamel;

- 400 g (2 caixinhas) de creme de leite;

- 2 colheres (sopa) de cheiro verde, fresquinho e picadinho;

- 12 ou mais azeitonas pretas;

- Parmesão ralado ou farinha de rosca, o quanto baste;

- Sal e pimenta do reino moída na hora.

Ao trabalho

Dependendo da altura do bacalhau, deixo de molho em água gelada por 16h a 24h, trocando a água algumas vezes. Escorro bem e desfio o peixe em lascas não muito miúdas, descartando ossos e espinhas. Em uma frigideira larga e espaçosa, em fogo médio, douro a cebola e o alho com a manteiga e metade do azeite; aumento o fogo e junto o bacalhau, o cheiro verde e permito que frite por 8 a 10 minutos.

Acomodo o bacalhau em um refratário grande e por cima distribuo os cubinhos de batas já fritos e sem o excesso de gordura e rego com o restante do azeite. Em uma vasilha à parte, agrego bem o Bechamel ao creme de leite, confiro o sal de tudo, salpico um tico de pimenta e distribuo o molho por cima do peixe no refratário.

Por cima, coloco uma azeitona aqui e outra acolá, salpico com queijo ralado ou farinha de rosca e levo ao forno médio, pré-aquecido, por 30 minutos ou até que fique gratinado, com uma casquinha bem crocante por cima. Sirvo com arroz branco e salada verde.

Em tempo

Natas, em Portugal, é o nosso creme de leite. E nada impede que você acrescente ovos cozidos e rodelinhas de alho poro salteadas no azeite nesta receita.

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