Aflição e incerteza

Distantes e confinados

Campineiros natos e de coração, que vivem no Exterior, relatam como estão enfrentando o isolamento na Itália, Espanha e França

Kátia Camargo
13/04/2020 às 18:43.
Atualizado em 29/03/2022 às 16:15

Muitos brasileiros que moram em outros países estão passando pelo distanciamento social, causado pela ameaça do novo coronavírus, um pouco antes que o Brasil. Alguns deixaram seu próprio país para estudar, outros para trabalhar, outros se casaram com estrangeiros, mas todos estão enfrentando os desafios impostos pela pandemia. De acordo com a estimativa do Itamaraty, mais de 3,5 milhões de pessoas que nasceram no Brasil vivem no Exterior. Alguns deles que nasceram ou moraram em Campinas revelam para a Metrópole como está sendo esse período tão difícil por lá.Um vírus “maledetto” em meio à temporada italiana A jornalista Daniela Prandi e o marido Marcos Adami foram morar uma temporada em Matera, na Basilicata, no Sul da Itália, em novembro do ano passado. Ela conta que a cidade de oito mil anos, uma das mais antigas do mundo, tinha sido eleita a capital europeia da cultura de 2019. Além das muitas atrações turísticas, oferecia uma programação cultural intensa. “Eu e meu marido nos encantamos com a “Sassi di Matera”, o centro histórico preservado, com casinhas empilhadas de um lado do vale e as cavernas que receberam os primeiros habitantes do outro. Quase todos os dias aproveitávamos para subir e descer as infindáveis escadarias de pedra, e passear nas trilhas que tanto gostamos, sempre descobrindo um canto novo, um lugar para ver o pôr do sol. Com 60 mil habitantes, Matera, nos finais de semana, costuma receber turistas estrangeiros e muitos italianos, com espetáculos de arte, teatro, música e boa mesa. Hoje não há mais ninguém. Um vírus invisível, desconhecido, “maledetto”, nos trancou em casa”, conta Dani.A ideia do casal ao passar uma temporada por lá era melhorar o italiano e participar da cobertura jornalística de algumas corridas de ciclismo, área em que atuam, inclusive do Giro d'Itália, uma das provas mais importantes do esporte tão amado pelos italianos. “Conseguimos vaga em uma escola do governo, gratuita, com aulas três vezes por semana, e logo a língua de Dante começou a fazer sentido. “Parlar” ficou cada vez mais fácil. Na escola, a maioria dos alunos era composta de refugiados e a troca cultural intensa. Africanos, orientais, leste europeu, os colegas de classe revelavam suas, muitas vezes, trágicas histórias de vida. A “professoressa” Claudia, entre as muitas lições, algumas enervantes, como aprender preposições, nos divertia com suas aventuras cotidianas e suas explicações sobre o estilo de vida dos italianos. Logo após o feriado de Carnaval, simbolicamente, talvez, no momento em que íamos aprender a conjugar os verbos no futuro, as escolas fecharam”, lembra Dani.Ela conta que eles estão na quinta semana de quarentena, fechados em um apartamento térreo, pequeno, mas confortável, bem perto do centro histórico. “No começo, a ordem para ficar em casa não foi levada muito a sério pela população e deu no que deu. Logo a Itália superava a China no número de contagiados e mortos por Covid-19. O governo decretou multa de 3 mil euros e possibilidade de prisão por até cinco anos para quem descumprir as regras. Só se pode sair, e apenas um de cada família, para ir ao supermercado, à farmácia ou passear com o cachorro. A polícia faz rondas incessantes, as pessoas passaram a delatar os infratores, as sacadas dos apartamentos se tornaram palco de um tempo melancólico, o medo de ser contagiado aumenta a cada dia, a violência doméstica cresce e a contagem dos mortos é ao vivo pela TV”, relata.Dani fala sobre a incerteza do final dessa história. “Sinceramente, não sei se vou aprender a conjugar os verbos no futuro, nem se vou voltar a encontrar meus colegas de classe ou minha querida professora. Sei que não terá mais o Giro d'Itália, nem as tantas corridas e eventos que planejávamos ir. O que está para acontecer, nem o Papa Francisco, rezando na Praça São Pedro vazia, em uma imagem que impressionou o mundo, sabe. Da China chegam notícias de que é bem possível uma segunda onda de contágios. O governo italiano, pressionado, começa a flexibilizar as regras. Depois que um homem foi à imprensa reclamar que tinha sido multado porque resolveu dar uma volta no quarteirão com o filho, as “voltinhas” estão prestes a ser liberadas. “Depois da Páscoa”, anunciam. Só de pensar em poder sair para um passeio meu coração bate mais forte. É uma mistura de alívio e medo”, afirma Dani.Onde foi parar a alegria de Madri? Patrícia Andrea de Souza vive há 15 anos com os filhos gêmeos Maria Eduarda e Antônio, de 14 anos, em Madri, na Espanha. Ela trabalha na área de contabilidade de uma empresa que fabrica máscara, luvas, jalecos e está confinada com os filhos desde o dia 12 de fevereiro. “Só saímos na rua para ir no mercado e farmácia. Meus filhos estão tendo aula pela internet normalmente. Aqui só pode sair uma pessoa no carro, senão leva multa”, diz Patrícia.Ela conta que às 20h todo mundo saí na janela, aplaude e que essa parte é bem emocionante. “Mas nem consigo imaginar como ficará Madri depois de tudo isso, porque era tudo tão alegre, as ruas movimentadas, cheia de bares. Nunca vi uma Madri tão solitária. Eu conheço pessoas que já morreram de coronavírus, então acaba sendo mais perto do que a gente conhece”, conta.Ela conta que se preocupa com os pais, os amigos e com a questão da saúde no Brasil. “Eu alerto muito meus pais que moram em Campinas, para que eles não saiam de casa, se resguardem. Gostaria que todo mundo olhasse o que estamos passando aqui na Europa para tentar evitar que isso ocorra no Brasil”, diz.Em meio à plantação de uvas no interior da França Gisele, que morava em Campinas, se casou com o frânces Sebastien Coppeaux e são pais de Lya Maria, de 6 anos. Eles moram em Bonneil, região de produtores de champagne, na França. A pequena cidade tem aproximadamente 375 habitantes e fica a uma hora de Paris. Está localizada bem próxima de Château-Thierry, cidade que ganhou fama por ser terra natal de Jean de La Fontaine, autor da fábula A Cigarra e a Formiga.Eles trabalham nas vinhas e nesse período de distanciamento social tem dividido o tempo com o trabalho no campo, que não pode parar, e os cuidados com a filha que deixou de ir à escola.Apesar de Bonneil não ter registrado nenhum caso da Covid-19 até o momento, Gisele, Lya e Sebastien não visitaram mais os pais de Sebastien que moram na mesma rua deles. “Nos falamos por telefone. Tanto que comemoramos a aniversário da Lya, no último dia 21 de março, só nós três. Fizemos o bolo de coração que ela queria e decoramos a casa com o tema da personagem Moana que ela tinha escolhido para comemorar no parque com as amigas. Adiamos essa comemoração no parque, mas fizemos o dia dela ser bem alegre conosco”, conta Gisele.O parabéns foi cantado pela família, tanto do Brasil quanto da França, por meio de videochamada. “Mesmo distante fisicamente pudemos sentir o carinho de todos conectados pela internet, mas principalmente pelo coração”, conta Gisele.

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