Professora usa biografia do ativista para ensinar gramática, história dos EUA e direitos humanos
Martin Luther King discursa para a multidão na Marcha de Washington por Empregos e Liberdade em 28 de agosto de 1963: "Eu tenho um sonho"r ( Cedoc/RAC)
A professora Viviane Marques Silva, do Colégio Notre Dame de Campinas, usou o fascínio que as biografias podem revelar para, ao mesmo tempo em que trabalhava conteúdos gramaticais nas aulas de inglês, abordar a importância do respeito às diferenças culturais e também um pouco da história dos Estados Unidos. O personagem selecionado para conduzir as atividades em três salas de 8 ano foi o pastor e ativista de direitos humanos Martin Luther King (1929-1968), que ganhou destaque pela sua luta contra o preconceito racial.“Numa das aulas, comentei com os alunos, de forma rápida, sobre Luther King e nenhum deles sabia quem ele havia sido ou qual a sua importância para a história. Disso, surgiu a ideia de desenvolver um projeto focado totalmente em sua biografia”, contou a professora.O projeto, desenvolvido durante o segundo bimestre letivo deste ano, recebeu o nome de “I have a dream”, uma referência à famosa frase de Luther King, “Eu tenho um sonho”, em português, com a qual ele iniciou seu principal discurso, em 28 de agosto de 1963. Nessa fala, feita durante a Marcha de Washington por Empregos e Liberdade, Luther King falava da necessidade de um convívio harmônico entre todas as raças.Por sinal, foi a luta para que negros e brancos tivessem os mesmos direitos o que mais seduziu os alunos na biografia do pastor. A professora começou contando trechos significativos da trajetória de conquistas, como o ocorrido em 1955 com a costureira negra Rosa Parks (1913-2005). Em 1 de dezembro daquele ano, ela se recusou a ceder seu lugar para um branco em um ônibus, dando início a um movimento de boicote ao transporte público que culminou num déficit para as empresas. Naquela época, os brancos tinham privilégio nos lugares dos ônibus e os negros deveriam se levantar caso faltassem assentos. Rosa foi punida com multa e acabou presa.“Muitos alunos ficaram surpresos com esse fato e em perceber que os Estados Unidos, símbolo do desenvolvimento, é um país com altos índices de preconceito e muitas histórias de intolerância”, lembrou a professora. A partir desse primeiro estímulo, com a narração de um dos fatos mais marcantes na biografia não só de Rosa, mas também que desencadeou toda a luta antissegregacionista de Luther King, os alunos começaram a querer saber mais sobre esses personagens. “Muitos partiram em busca de novas informações pela internet, em livros e em casa”, disse Viviane.Certo dia, um dos alunos divulgou para a classe a sua descoberta: Luther King foi assassinado. “Encontrei aí um espaço para contar mais um trecho da história e também para abordar as manifestações de intolerância e a falta de respeito à diversidade.”Desde as manifestações que Luther King organizara em meados da década de 1950 contra a segregação nos transportes, ele passou a ser odiado por opositores e a receber ameaças. Em 1968, foi assassinado por James Earl Ray (1928-1998), que confessou anos depois. O crime aconteceu momentos antes de uma marcha, num hotel na cidade de Memphis, no Estado do Tennessee, no Sudeste dos Estados Unidos. GramáticaO trabalho foi uma maneira de envolver os aspectos culturais no aprendizado do idioma. “Chamou a atenção dos alunos o fato de os Estados Unidos terem um feriado dedicado à memória de Luther King”, afirmou a professora, se referindo à terceira segunda-feira de janeiro, em que o legado do ativista é celebrado com festas no país.As aulas de Viviane são totalmente ministradas em inglês para que os alunos possam vivenciar a imersão na língua estrangeira. Assim, a experiência de Luther King também serviu para que os tópicos gramaticais fossem trabalhados. “Os alunos estudaram voz passiva a partir da biografia. Como se tratava de um fato já ocorrido, foi fácil abordar os tempos verbais do passado e a diferença entre voz ativa e voz passiva, assuntos em que, geralmente, os alunos encontram dificuldades”, avaliou a educadora.Viviane também elaborou a prova bimestral baseada na história de vida do ativista e, agora, para a mostra de trabalhos que anualmente a escola realiza em setembro, os alunos estão produzindo uma encenação que será gravada em vídeo para ser exibida durante o evento. Cada turma adaptou, em inglês, a cena em que Rosa Parks se recusa a ceder seu lugar no ônibus. “Interessante notar como cada grupo reproduz a cena por ângulos diferentes, mas sempre fiel ao acontecimento”, disse. Para construir a narrativa, os alunos se basearam em dois livros: A Lesson For Martin Luther King Jr, de Denise Lewis Patrick, e Martin’s Dream, de Jane Kurtz.Finalizando com a dramatização, Viviane conseguiu trabalhar com todas as habilidades essenciais ao ensino de uma língua: a oralidade, a escrita e a leitura. Além disso, os alunos conheceram a capacidade de oratória e argumentação que marcou a personalidade de Luther King.DesdobramentosA realização do projeto nas salas de 8 ano coincidiu com o período de eleição para representantes de classe na escola e, durante o processo, os alunos candidatos deveriam demonstrar, por meio de discursos, as razões pelas quais gostariam de exercer a função. “Percebi em vários alunos a utilização de recursos de oratória e argumentação característicos de Luther King, um sinal de que esse conhecimento já passou a fazer parte da vida deles”, contou Viviane. Além disso, foram inevitáveis as referências ao presidente Barack Obama, o primeiro negro a chegar à Casa Branca, também lembrado como uma forma de luta e vitória contra o preconceito racial.