Estilista Ronaldo Fraga prova que esse mix de cultura e moda pode estar presente não apenas no circuito fashion, mas também nos ambientes culturais
Misturar moda com cultura brasileira é a marca registrada do estilista mineiro Ronaldo Fraga. Suas inusitadas criações e seus desfiles sempre emocionantes e muito aplaudidos são alguns dos indícios da inteligência, da criatividade, da simpatia e da dedicação desse apaixonado pela história do país e pelos personagens que a movimentaram e ainda a movimentam, inclusive em redutos distantes de onde o burburinho da moda se concentra.
Das viagens que faz para pesquisar matérias-primas e cultura local, essenciais para desenvolver suas coleções e trabalhos, ele costuma trazer também aprendizados que servem para a vida pessoal. “Meu ofício me dá a oportunidade de ir a lugares que por vias normais eu provavelmente não iria.
Eu tinha uma grande expectativa em relação à Amazônia, principalmente o Pará, e a experiência foi maravilhosa”, afirmou em visita que fez recentemente a Campinas para participar do Senac Fashion Day – Inverno 2013. “Voltei para casa ouvindo ópera paraense e tecnobrega”, revela sorrindo.
O resultado desse trabalho foi a coleção Turista Aprendiz na Terra do Grão-Pará – Verão 2012/2013, apresentada na São Paulo Fashion Week (SPFW) em junho deste ano, depois dele ter aberto mão de apresentar suas criações na temporada de inverno 2012 do evento. Na passarela repleta de plantas, modelos mostraram peças com uma pegada de alfaiataria desconstruída e formas amplas, estampas de pássaros, troncos e folhagens. Tudo finalizado com acessórios feitos por artesãs do município paraense de Tucumã.
Seus projetos, que valorizam ora a cultura ora a literatura, a arte contemporânea e as matérias-primas regionais, tiveram início em 2005 e já incluíram crina de cavalos do Rio Grande do Sul, bordados da Paraíba e de Pernambuco, entre outros. Também já abordaram temas sociais, como abandono e desamparo. “Cheguei a ter seis projetos por ano. Onde dava para chegar de avião, de ônibus e até de burro, eu chegava. Hoje, o negócio cresceu, só faço um projeto anual e dou assessoria para outros. Mas nunca vou deixar de trazer abordagens como essas para a minha marca”, garante.
Foto: Ronaldo Fraga , no Senac Fashion Day Ronaldo Fraga , no Senac Fashion Day Brasil tem muito o que mostrar
Conhecimento em relação a possíveis matérias-primas e pessoas de hábitos totalmente diferentes vão compondo a bagagem cultural de Ronaldo. Um exemplo de aprendizado que adquiriu em terras amazônicas foi em relação à jarina, uma semente conhecida como marfim da Amazônia que já foi utilizada para a produção de teclas de piano. “Todos os objetos de pesquisa que eu trouxe para a moda entraram na minha vida para não sair nunca mais. Quem acompanha meu trabalho de perto vê vestígios deles em todas as minhas coleções”, comenta.
De fato, seus desfiles são tidos como os mais emocionantes em grandes eventos de moda, como o SPFW. Zuzu Angel, Mário de Andrade, Guimarães Rosa e a bailarina alemã Pina Bausch são apenas algumas das personalidades que inspiraram e enriqueceram suas coleções. Bolachas Maria estampadas em suas peças em 2010 também quebraram estereótipos e provaram para o mundo da moda que a simplicidade, assim como a cultura, combinam bem com o universo fashion. Até a plateia ele já colocou para sambar interpretando músicas de Noel Rosa na passarela.
“Já explorei outras regiões do País, mas as coleções nordestinas acabaram marcando muito a minha trajetória. Internamente ainda há muito preconceito com a moda do Nordeste, mas o europeu faz pesquisas por lá e a transforma em peças chiques”, critica.
Respirando cultura
Integrante de uma geração que foi alfabetizada em escola pública de qualidade com a larga utilização de livros de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, o estilista acredita que é dessa sua raiz educacional que vem a constante busca de mostrar que, em se tratando de moda, o forte do nosso país é a criação. “Hoje, tudo é feito na China e em um mês está no Bom Retiro, em São Paulo. O Brasil não tem vocação para a produção de moda, falta articulação política do setor”, critica.
A firmeza de seus traços e a destreza com que descreve os tecidos apenas pelo cheiro exalado no momento do corte fazem dele um profissional completo e cada vez mais respeitado. Mas isso não o faz se sentir uma personalidade estrelada. “O glamour do desfile e o champanhe são apenas 0,1% do processo. É preciso ser realista. O trabalho do estilista é muito duro”, define.
Em Belo Horizonte, sua cidade natal e onde vive com sua esposa e com os dois filhos, ele começou a fazer cursos de desenho, até que chegou na área de moda no Senac, o que lhe rendeu seu primeiro emprego como desenhista em uma loja de tecidos. Graduou-se em Estilismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de lá seguiu para um curso de pós-graduação na Parsons School of Design, em Nova York. Depois ficou mais quatro anos estudando em Londres e, só então, voltou para o Brasil, aos 28 anos. Estrelou nas passarelas do Phytoervas Fashion, evento que se tornaria o Morumbi Fashion e, enfim, o São Paulo Fashion Week. De lá para cá, só surpreendeu.
Moda não é só passarela
Com seu suave e cativante sotaque mineiro, Fraga conta novidades que não estão atreladas apenas às passarelas. A primeira delas é o lançamento de seu livro Caderno de Roupas, Memórias e Croquis, no qual reuniu material das 35 coleções desenvolvidas ao longo de sua carreira. Há também uma exposição homônima ao livro aberta ao público até o início de dezembro no Palácio da Liberdade de sua cidade natal.
Estará em breve em Londres a convite do Victoria and Albert Museus para falar sobre seu trabalho que engloba moda e cultura brasileira, com foco em projeto desenvolvido no estado do Pará. Levará sua exposição sobre o Rio São Francisco para Bruxelas, na Bélgica, e ainda arrumará espaço na agenda para participar de eventos como a Bienal de Design, que este ano será na capital mineira, o Minas Trend Preview. “Desejo que minhas exposições possam viajar todo o Brasil”, finaliza.