CAMPINAS

Depoimentos à CPI reforçam abusos e violência em trotes

Em Campinas, comissão ouve depoimentos e recebe vídeo sobre violência e intimidação na PUC

Inaê Miranda
24/02/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 18:55
CPI da Assembleia Legislativa ouvidos depoimentos de estudantes e professores da PUC-Campinas ( César Rodrigues/ AAN)

CPI da Assembleia Legislativa ouvidos depoimentos de estudantes e professores da PUC-Campinas ( César Rodrigues/ AAN)

Alunos da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) voltaram a relatar casos violência física, verbal e tortura psicológica sofridos dentro e fora do campus em depoimentos na audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Universidades realizada nesta segunda-feia (23)  no plenário da Câmara Municipal de Campinas.  A comissão já havia ouvido quatro estudantes de medicina da PUC em audiência na Assembleia Legislativa, em São Paulo, na primeira semana de janeiro e resolveu agora fazer oitivas em Campinas pela alta demanda de testemunhas que poderiam depor.   Também está sendo avaliada a necessidade de uma audiência na cidade para ouvir relatos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). No casso dessa instituição, porém, já foram colhidos 12 depoimentos em encontro na Capital.   Nova audiência Ao todo, 23 pessoas foram convidadas para depor. Dez foram ouvidos e seis não compareceram — apenas dois deles com justificativa. Uma nova audiência será marcada na cidade, em data a ser definida, para ouvir o restantes. Quatro alunos acusados de abusos serão os últimos a falar.   Nesta segunda-feira, além de acusações contra estudantes, também foram feitos relatos de conivência de professores, que inclusive participariam de festas de veteranos. A CPI conduzida pelo deputado estadual Adriano Diogo (PT) — presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) —, investiga em universidades de todo o Estado denúncias de estupro, racismo e sexismo em trotes. Ainda esta semana, um relatório parcial deverá ser entregue ao Ministério Público.   Nomes apontados   Dois alunos de medicina que sofreram abusos e dois professores que presenciaram situações de violência foram os primeiros a serem ouvidos ontem. Uma professora da PUC-Campinas chegou a apontar nomes de alunos que realizam trotes e agiam como aliciadores da violência. “Agrediam fisicamente, psicologicamente, promoviam humilhação pública diante de sua opção sexual. Fez imitar a postura que seria de uma pessoa com essa opção para ridicularizá-lo”, afirmou a professora, referindo-se às agressões sofridas por um aluno de medicina.   A professora também citou um médico residente que agrediu uma aluna com tapas no rosto e comentou a repercussão da decisão de uma das turmas de medicina da universidade que denunciou um esquema de intimidação, ameaças, violência física e moral e trotes humilhantes. “Teve muita repercussão e muitos boatos de que os 37 (alunos) seriam isolados na vida universitária e prejudicados ao longo da vida acadêmica.”   Cobrança    Além das denúncias de trote, a turma também denunciou o valor cobrado de R$ 90 mil de cada turma para financiar a formatura, realização de encontros, jogos universitários e festas regadas a bebidas e drogas fabricadas pelos próprios estudantes.   Uma das alunas dessa turma levou à audiência áudios e imagens de conversas com os veteranos pelo celular, onde as ameaças e a conduta do trote ficavam evidentes. “Participamos de um encontro e uma das minhas amigas saiu chorando. Ela tremia. Tive crise de ansiedade e tomo antidepressivo até hoje. Rompemos com a ‘Família Medipuccamp’ não pagando e não participando de certas coisas. A gente é colocado numa situação em que ou naturaliza e reproduz aquela violência ou se revolta”, afirmou.   Festa com droga   A estudante falou ainda das festas “Open Bar” ou “Open de Maconha” financiada com o dinheiro da formatura. Outro estudante vítima de trotes também afirmou que desde que ingressou na faculdade, no ano passado, desenvolveu gastrite. “Em um ensaio da medicina, participei com outros ingressantes. Um foi forçado a ficar pelado, servimos bebidas sem camiseta. Juntaram a gente num círculo e nos fizeram ajoelhar, passaram lama, tinta na cara, dançar, pular, berrar. Jogaram cerveja na gente pelado à noite. Fui forçado a memorizar um hino que incentiva o estupro. O pior sentimento era achar que estava fadado a continuar naquela condição”, disse o jovem. À tarde foram ouvidos mais envolvidos, entre eles alunos acusados de promoverem os trotes.   Segundo o deputado Diogo, a CPI dura dois meses e meio e termina no dia 13 de março porque acaba o seu mandato. Antes disso, ele deve apresentar denúncia ao MP. Esta semana deve haver audiência todos os dias e um relatório parcial será entregue à Promotoria.   Críticas   “Tem alguns grupos de advogados querendo trancar a CPI. Temos que entrar imediatamente com o relatório no MP. Vamos entregar um relatório parcial e tentamos continuar com oitivas”, disse.  Ele afirmou ainda que as denúncias de trotes são tantas e tão graves que deveria ter uma CPI para cada uma das universidades.   “Teria que ter uma CPI para cada uma das medicinas do Estado de São Paulo. Estamos falando de estudantes de medicina das melhores e mais caras universidades do País. Que elite que estamos formando? Fora os outros núcleos da loucura, como Esalq, Poli, Unesp, Rio Preto.” O deputado criticou a postura das universidades e afirmou que elas muitas vezes algumas delas tentam “matar” os processos e sindicâncias para apurar os trotes. PUC instala processos disciplinaresSobre os fatos expostos junto à CPI das Universidades, a PUC-Campinas afirmou em nota ontem que já havia sido informada em 2014, quando desencadeou processos disciplinares internos, bem como, a comunicação do ocorrido para as autoridades externas competentes. Afirmou ainda que a prática de qualquer tipo de trote é proibida na universidade e que, comprovada a participação, os autores do trote devem ser submetidos às penalidades previstas em seu Estatuto e Regimento Geral.   Segundo a PUC-Campinas também é colocado à disposição dos alunos ingressantes o telefone (19) 3343-7241 para reclamações e denúncias de trote a calouros. A PUC-Campinas concluiu a nota dizendo que repudia qualquer atividade que se caracteriza como ato de zombaria, humilhação, violência ou ainda, qualquer situação constrangedora a que os calouros sejam submetidos.   “Nesse sentido, ofende esta instituição de ensino e sua comunidade a afirmação temerária de que estaríamos tentando ‘blindar’ alunos ou, de qualquer forma, obstar os trabalhos da CPI.”

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