GASTRONOMIA

Delicadeza à mesa

Paladar: aos poucos, o cordeiro ganha apreciadores no Brasil; e não é pra menos, pois poucas carnes são tão exclusivas a ponto de combinar textura perfeita, toques adocicados e sabor suave

Érica Araium
05/05/2013 às 05:30.
Atualizado em 25/04/2022 às 17:43

Delicada, macia, de sabor único, saudável. Os atributos da carne de cordeiro são tantos que, em poucos anos, o seu consumo evoluiu no País – estima-se que esteja em 800 gramas per capita ao ano. Ainda é muito pouco se levar-se em conta os hábitos de uruguaios, argentinos e chilenos, de quem ainda temos que importar a maior parte do produto, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Mas ela está no menu, repare. E se há novos cortes à mesa, que vão muito além do festejado carré francês ou do pernil, parte da “responsabilidade” é dos nossos cozinheiros, que instigam o comensal, à prova e das parcerias que esses têm fomentado com produtores locais, especialmente os artesãos da gastronomia. Nesse cenário, estamos bem representados.

Sediada na região de Campinas desde 2009, a Quirós Gourmet especializou-se em atender à demanda de restaurateurs, chefs e consumidores preocupados não só com o sabor, mas com a origem da matéria-prima. À frente da iniciativa de viés sustentável está a empresária Priscila Quirós, de 25 anos, descendente de espanhóis criadores de ovinos há um século. Atenta ao aumento da demanda interna pelo cordeiro, voltou os olhos às raízes – algo em voga no universo gastronômico – para desenvolver, em solo pátrio, um produto único de valor agregado e acessível. “As pessoas estão cada vez mais exigentes. Querem 4 qualidade, bons preços e carne disponível no padrão desejado o ano todo. Por essa questão, é importantíssimo atrelar volume de animais, alimentação, genética e tecnologia na criação”, defende, certa do desafio a que se propôs.

Foto: Janaína Maciel / Especial para Metrópole Priscila Quirós, empresária: fornecedora de restaurantes exigentes como Cayena Bistrô, Baracat, Due Cuochi Cucina, Fasano, Gero e Parisi

Gastrônoma, formada em administração de empresas e especialista em marketing, ela conta que pesquisou muito o setor do agronegócio até encontrar seu nicho de mercado, incentivada pelo pai, o empresário Juan Quirós, presidente do Grupo Advento. Depreendeu, então, que o cruzamento de três raças (Poll Dorset, de linhagens dos Estados Unidos e da Austrália; Sufoolk, da Austrália e Nova Zelândia; e White Dorper, da África do Sul) resultaria na matriz ideal a seu rebanho.

O modelo de negócio da família espanhola, que mantém criação de ovinos em Oviedo, capital de Astúrias, na Espanha, claro, serviu de inspiração. “Para honrar a nossa tradição, cuido de cada detalhe do processo. A criação é artesanal e não tenho pretensão de produzir em escala, mas de atender e superar as necessidades de cada cliente, seja o chef de cozinha ou o consumidor final”, assegura.

Foto: Divulgação Cruzamento das raças Poll Dorset, de linhagens dos Estados Unidos e da Austrália; Sufoolk, da Austrália e Nova Zelândia; e White Dorper, da África do Sul, resulta na matriz ideal para a gastronomia

Do campo à mesa

O projeto inicial, desenvolvido no distrito de Joaquim Egídio, numa pequena propriedade da família, foi implementado na Cabanha Oviedo, em Amparo, cidade localizada entre São Paulo e Campinas. “Nas fazendas, todo o manejo leva em conta o fato de que os animais devem sofrer o mínimo de estresse, inclusive na época de abate. Qualquer alteração hormonal pode afetar a qualidade do produto”, pontua Priscila.

E haja zelo. O rebanho é criado de forma livre e pastoreado por cães da raça italiana Maremano de Abruzês. A água mineral, que brota de 15 nascentes, a 900 metros de altitude, serve para abastecer os cochos. E, para minimizar as variações de temperatura, há um galpão climatizado a servir de abrigo aos ovinos. “Diferentemente do que ocorre noutras propriedades voltadas ao corte, sei das características de cada animal porque acompanho tudo de perto”, salienta.

No início da empreitada, ela apresentou o produto a chefs campineiros como Marco Baracat (Baracat) e Manuella Delatorre (Cayena Bistrô), a amigos gourmets, a donos de empórios e afins.

Cortes desenvolvidos em parceria, sabores testados e aprovados e, pouco tempo depois, até Marie-France Henry, restauratrice do tradicional francês La Casserole, já havia se encantado pelo produto. A proposta virou tão bem no exigente mercado paulistano que redes expoentes como Due Cuochi Cucina e Grupo Fasano (incluindo o Hotel Fasano, Gero, Gero Café, Parigi e Café Armani) têm a Quirós como fornecedora.

“Hoje, estou novamente focada no potencial gastronômico de Campinas, que conta com restaurantes excepcionais, chefs talentosos e um público muito exigente”, pontua a empresária. Além dos restaurantes já citados, Forneria San Pietro, Prime Italian, Vila Paraíso, Uva Bar e Badebec estão entre os clientes locais. “Quero desenvolver esse mercado, pois, além de estarmos próximos, o que favorece a logística, sei que posso formar grandes parceiros. Não tenho uma quantidade mínima para entregar.”

SUPERALIMENTOS

A fim de preservar as características organolépticas ideais, o rebanho da Quirós Gourmet é alimentado com farelos de soja, milho e trigo, e silagem de capim rica em proteínas, tudo produzido na Cabanha Oviedo. A engorda ocorre até que cordeiros atinjam peso vivo de cerca de 35 quilos, aos 110 dias de vida (menos de quatro meses, portanto). Resultado: a carne de cordeiro precoce apresenta pequenas quantidades de gordura saturada e alto teor de proteína.

Sabor de saúde

Carne de cordeiro é saudável? Depende. “Ela pode até ser muito gorda, o que a torna indesejável do meu ponto de vista, dado que o sabor da gordura é bem distinto. O brasileiro não está acostumado e temos a tendência de rejeitá-la. Entretanto, é fácil resolver isso controlando o tempo de alimentação adequado à raça e o cruzamento dos cordeiros”, pondera o professor Pedro Eduardo de Felício, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A alimentação dos animais, a genética, o tipo de criação exercem influência sobre as características do produto”, completa a zootecnista Mariana Masson Guizzo. Recentemente, ela divulgou pesquisa realizada na FEA, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) de Pirassununga, e orientada por Felício que aponta: “Cordeiros alimentados com soja grão, no comparativo com cordeiros alimentados com semente de girassol e caroço de algodão, tendem a apresentar características mais desejáveis à carne, principalmente, por terem incidência maior de ácidos graxos insaturados, como o linoleico e o linoleico conjugado.”

A lógica do “gosto”, se simplificada, pode ser pensada da seguinte maneira: quanto mais jovem o animal, mais rosada e tenra é a carne, maiores os teores de proteínas de alta qualidade e de gorduras consideradas saudáveis. Daí os cortes derivados de cordeiros e borregos (animal formado) serem melhor aceitos. Tempo de abate ideal? Até os quatro meses de idade. Já a carne mais madura (de carneiro, o animal adulto) apresenta sabor pronunciado e odor característico em função dos hormônios reprodutivos. Nesse caso, só tende a não torcer o nariz à iguaria quem está culturalmente habituado ao consumo.

Foto: Janaína Maciel/Especial para Metrópole Chef Manuela Delatorre e o ossobuco de cordeiro, uma de suas criações: qualquer corte, se bem trabalhado, resulta em bons pratos, desde que a matéria-prima seja de qualidade

Desafio aos produtores

Embora o Estado de São Paulo responda por menos de 3% da produção nacional, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na última década, o rebanho dobrou de tamanho em função da demanda: os paulistas já consomem cerca 1,2 quilo de carne de cordeiro ao ano, quase o dobro da média nacional. Especialistas do setor de ovinos ponderam que, enquanto as regiões Nordeste e Centro-Oeste dedicam-se à produção extensiva de carne e a região Sul, à produção de lã, o Sudeste ganha campo pela qualidade da carne.

Espedito Cezário, pesquisador da área de socioeconomia da Embrapa Caprinos e Ovinos, aponta os dados da última Pesquisa Pecuária Municipal (PPM) publicada pelo IBGE: o rebanho de ovinos do Brasil passou de 17,4 milhões de cabeças em 2010 para 17,6 milhões em 2011, um crescimento de 1,6%. Segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o país de quem o Brasil mais importa carne ovina é o Uruguai, seguido da Argentina e do Chile.

Além do carré francês

Priscila acredita que até as "triviais" costela, paleta e linguiça podem resultar em receitas deliciosas quando servis à alta gastronomia: por isso o tête-à-tête com os cozinheiros e o atendimento personalizado. Não existe carne de primeira, segunda ou terceira para quem sabe buscá-la em boas mãos e revelá-la ao comensal.

“Quando se tem um produto de ótima procedência, qualquer corte, se bem trabalhado, resultará num prato excelente”, pondera a chef Manuella Delatorre, do Cayena Bistrô, uma das primeiras a testar os cortes desenvolvidos pela Quirós Gourmet, os quais compara, em qualidade e sabor, aos que experimentou na Espanha, durante suas andanças investigativas e especialização gastronômica, anos atrás. “É uma carne delicada, de sabor suave, quase adocicada e magra”, resume a chef, árdua defensora da gastronomia sustentável e da valorização dos fornecedores.

Ela avalia que o neck (pescoço) de cordeiro pode ser consumido grelhado ou servir à preparação de fundo (resulta mais claro e menos espesso que o de boi, por apresentar menos tutano) e ragú, perfeito para rechear ou acompanhar massas. A carne moída inspira mini-hambúrgueres. O gigot, corte longitudinal do pernil, pode até virar um bife magrinho.

“É um desafio introduzir novidades, quebrar a resistência do cliente que nem sempre se dispõe a apreciar antes de julgar. Por isso, como cozinheira, tenho a obrigação de valorizar a matéria-prima e lutar contra o desperdício. Se tenho condição de desenvolver receitas diferenciadas, melhor ainda”, considera.

Faça em casa

 

Para facilitar a vida do consumidor, Priscila desenvolveu uma linha de kits gourmet que incluem porções de cortes selecionados, congelados e acondicionados em bolsa térmica e entregues em casa (Campinas, região metropolitana e São Paulo estão na área de cobertura). A encomenda pode ser feita on-line, via site da Quirós Gourmet, recém-reformulado e de fácil interação.

Há os “prontos”, que podem servir de quatro (Kit Aperitivo Gourmet) a 15 pessoas (Kit Oviedo Menu Degustação). Se quiser montar seu próprio kit, a lógica é igualmente simples e, não raro, a própria empresária termina por auxiliar as escolhas, tal fazia no começo da marca. “É, justamente, nossa intenção mostrar ao cliente final que existem outras maneiras de consumir a carne de cordeiro”, observa.

De quebra, cada kit acompanha receitas desenvolvidas por chefs parceiros, como Marco Baracat (Baracat) e Edinho Engel (Restaurante Manacá, de São Sebastião). Outras, postadas com periodicidade na fan page da Quirós Gourmet no Facebook, remontam àquelas compartilhadas, geração a geração, pela família da empresária. Um mimo e tanto.

Mais informações

Quirós Gourmet: quirosgourmet.com.br

Fan Page no Facebook: Quirós Gourmet

Cocções e temperos

 

O senso comum diz que a carne de cordeiro fica ótima assada ou grelhada, e que as marinadas funcionam bem para peças maiores, caso do pernil, ou maduras. Em parte, isso procede. Porém, acostumados às minúcias das técnicas de cocção, chefs vão além ao clamarem pela observância das características da proteína que têm em mãos.

Para ilustrar o que isso significa, a chef Manuella Delatorre, declarada apaixonada pelos cozimentos lentos em temperaturas controladas, sublinha a investigação do ingrediente. Explica, por exemplo, que a ponta da paleta, também chamada de jarret ou stinco, resulta em porções 4 menores que as de ossobuco (que demandam tempo maior de cocção). “Se, antes, optava pelo sous vide (cozimento a vácuo), para o jarret da Quirós, a lida com um produto tão delicado me fez preferir o braseado clássico. Por outro lado, se cozinhasse o ossobuco a vácuo e em temperatura controlada, a carne teria uma aparência desfiada, se soltaria do osso, algo indesejado. Também considerei o braseado”, ensina Manuella.

No caso da picanha de cordeiro, a toada é mais simples: a carne é cozida em alta temperatura, na parrilha (ou grelha). “A coloração mais escura que a peça apresenta em seu exterior se deve à reação de Maillard (proteínas desnaturadas se recombinam com os açúcares da carne). A capa de gordura impede que os sucos se percam, ressecando a carne. O resultado é uma carne saborosa, crocante por fora e suculenta por dentro”, detalha a chef.

Trata-se, portanto de uma carne versátil como ilustram as suas receitas selecionadas para esta reportagem: picanha acompanhada de batatas rústicas; e ossobuco de cordeiro escoltada por versão da chef à açorda portuguesa, molho de pimenta de cheiro (feito com fundo de cordeiro) e abobrinhas com toque de manjericão e hortelã.

E, por falar em hortelã... E quanto aos temperos? O que, definitivamente, não combina com carne de cordeiro? Excessos. Manuella ensina que sal, pimenta-negra em grão, alho picado, tomilho e alecrim, combinação que empregava no D.O.M. em “salpicadas”, para quase todos os assados, funcionam muito bem, inclusive em marinadas. “É o tipo da carne que pede parcimônia. Ela tem sabor característico, rústico. Dependendo da receita, pode-se até usar especiarias como canela e curry, contanto que esses sabores resultem muito sutis. A tendência gastronômica, hoje, sugere ao cozinheiro que interfira o mínimo possível na matéria-prima para que o sabor verdadeiro se revele. Se o produto for excelente, todas as características organolépticas serão exaltadas com um mínimo de esforço.”

Foto: Janaína Maciel / Especial para Metrópole Ossobuco de cordeiro acompanhado de açorda portuguesa, molho de pimenta de cheiro (feito com fundo de cordeiro) e abobrinhas com toque de manjericão e hortelã

Picanha de cordeiro

1 picanha de cordeiro

Sal e pimenta-do-reino preta moída na hora

Óleo para selar a carne

Sele a peça inteira em frigideira antiaderente com óleo de canola bem quente, deixando dourar igualmente em todos os lados.

Leve ao forno preaquecido a 180ºC para finalizar a cocção e sirva de acordo com o ponto de preferência. Dica: a carne apresenta- se mais macia quando servida ao ponto, ponto menos ou malpassada.

Batata rústica:

1 batata asterix grande cortada em 8 gomo

1 ramo de alecrim

1 colher (sopa) de manteiga

Sal e pimenta a gosto

Derreta a manteiga, adicione o alecrim e as batatas somente para envolvê-las na gordura. Coloque-as em uma assadeira em forno preaquecido a 180ºC e asse até que estejam macias (cerca de 20 min). Aumente o forno para 200ºC e deixe mais oito minutos ou até estarem bem douradas. 4

Cordeiro Delatorre

 

Para o ossobuco

1 pernil de cordeiro / 5g de tomilho / 5g de alecrim / 15g de alho / 5g de pimenta preta em grão / Sal grosso / Vinho branco

Pique os produtos secos (alho, ervas e pimenta) grosseiramente e deixe a carne marinando por 24 horas. Enrole a peça em filme plástico resistente para que assuma um formato cilíndrico homogêneo. Leve ao freezer e, quando estiver quase congelada, corte com altura de 3 centímetros. Asse em forno preaquecido a 180ºC durante 30 minutos de cada lado, coloque o vinho branco e complete com água até que ela esteja com líquido até a metade de sua altura (braseado clássico). Diminua a temperatura para 160º C e tampe a panela. Se houver evaporação de líquido, adicione à medida que preciso para não ressecar. Asse por mais uma hora em média ou até que esteja macio.

Guarnições do cordeiro Delatorrre:

Abobrinha na manteiga com manjericão e hortelã

1 abobrinha caipira de pescoço picada em cubos de 2 centímetros / 2 colheres (sopa) de cebola picada / 2 ramos grandes de manjericão e de hortelã despetalados / 1 colher (sopa) de manteiga

Derreta metade da manteiga e refogue a cebola. Adicione a abobrinha, salgue a gosto e tampe a panela. Vá mexendo como no preparo de pipoca. Quando estiver al dente, tire do fogo e adicione as ervas.

Açorda Brasuca

Broa de fubá amanhecida / Leite / 40ml de azeite / Ervas frescas picadas finamente (cheiro-verde, alecrim, tomilho)

Faça migalhas com a broa, cubra com leite e adicione o azeite e as ervas. Leve ao fogo baixo em frigideira com fundo grosso e mexa até obter um purê rústico. Corrija o sal e adicione pimenta dedo-de-moça bem picadinha.

Molho de menta e poejo

50g de açúcar mascavo / 300g de pimenta verde de cheiro (sem sementes e previamente assadas em forno a 180°C, temperadas com fio de azeite, alecrim e tomilho) / 10g de folhas de menta / 10g de folhas de poejo

Caramelize o açúcar, adicione as pimentas e o fundo de cordeiro. Deixe levantar fervura, abaixe o fogo e processe com mixer até obter um molho homogêneo. Reduza até chegar à textura desejada, retifique com sal e pimenta e finalize com as ervas, fora do fogo.

Fundo escuro de cordeiro

500g de neck de cordeiro / 1 cenoura / 1 cebola / 1 salsão / 1 alho-poró / 300ml de vinho branco

Pique todos os verdes grosseiramente e reserve. Asse o neck em forno a 180ºC durante 30 minutos. Leve uma panela ao fogo com um fio de óleo e adicione os legumes na sequência citada acima até ficarem bem dourados (sem queimar para não amargar). Coloque o neck de cordeiro, o vinho e cubra com água. Leve ao fogo muito baixo durante oito horas e complete com água caso necessário. Coe e reserve o caldo resultante.

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