SÉRGIO CASTANHO

Del Greco, um poeta de Campinas

02/02/2021 às 13:08.
Atualizado em 22/03/2022 às 08:42
S?rgio Castanho (Importação)

S?rgio Castanho (Importação)

Na minha última crônica rememorei aqui fatos passados na segunda metade da década de 1950 com um grupo de “rapazes” que se reunia no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas para tertuliar sobre artes em geral e literatura em especial. Dentre os tais rapazes, Paulinho Del Greco.

Há coisa de três anos, participando aqui em Campinas de missa de sétimo dia dum amigo, prestei atenção à leitura dos nomes dos falecidos na semana e quase caí do banco ao ouvir o nome “Paulo Marcos Nogueira Del Greco”. Mesmo sem contato com ele por meio século, saber de seu passamento para o mundo do Hades foi para mim um choque.

Chegando à casa, mal refeito do susto, pus-me a pesquisar, com ajuda do inefável doutor Google e algum apoio da minha vaga memória, sobre a vida do Paulinho. Como era possível alguém com a vivacidade e o talento do Del Greco ir-se desta sem deixar rastro? Teria ele, que tanto enaltecia o poeta D. H. Lawrence, “preparado seu barco da morte”? Como teria sido sua passagem por esta “terra devastada” do poeta anglo-americano T.S. Eliot, cujos poemas ele foi talvez o primeiro a declamar nestas Campinas? Muitas vezes dizia versos por ele mesmo traduzidos, como foi o caso de Ash Wednesday, a “Quarta-feira de Cinzas”.

Com igual ênfase dizia Rilke e suas Elegias de Duíno. Era enfim um farol da melhor e mais avançada poesia mundial do século vinte. Era o farol que iluminava as tertúlias dos “rapazes do Centro”, assim como Antero de Quental alumiava as reuniões do Cenáculo lisboeta ante os jovens eças, os jovens ramalhos e os jovens batalhas que as frequentavam. Lisboa era Campinas, o Cenáculo era o Centro de Ciências, Letras e Artes.

Como disse na crônica anterior, Del Greco estava com seus vinte e seis anos a esse tempo. Em Campinas fez seus estudos de nível médio e superior, este na Filosofia da PUC de Monsenhor Salim. Frequentou também todos os cursos e palestras que aqui se davam no Centro de Ciências. Entre nós desenvolveu seu talento poético. Pouco passado dos trinta anos mudou-se para a Pauliceia Desvairada que Mário de Andrade tão bem e tão alto cantou.

Já na década de 1960 publicou seus primeiros poemas e traduções na revista Diálogo, editada por Dora e Vicente Ferreira da Silva, ela poeta e exímia tradutora, ele filósofo, fundador e presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia. Del Greco entrava, pela porta dos Ferreira da Silva, no mais rutilante salão artístico e cultural paulistano. Encurtou e adaptou seu nome autoral para Paulo Marcos Del Greco.

O poeta, crítico e ensaísta Rubens Jardim escreveu: “Paulo Marcos Del Greco é um dos poetas mais injustiçados deste país. Publicou um único e excelente livro nos anos 60, Lamentações de Fevereiro, na coleção Novíssimos – de Massao Ohno”.

O mesmo Jardim atribui-lhe a classificação de poeta bissexto, criada por Manuel Bandeira. Não se conformando com o esquecimento da crítica em relação a Paulo Marcos, ele lembra que Rimbaud pouco publicou e Augusto dos Anjos só deu à luz um único livro – e, no entanto, são nomes célebres e celebrados. “Um excelente poeta jogado às traças”, desabafa Rubens Jardim.

Para matar a curiosidade do leitor, vejamos trecho de uma das lamentações do nosso poeta: “Aqui é Babilônia. É parte alguma / onde tudo está. E armado em sangue / singra o tempo vazio o espaço exangue. / As palavras estão cansadas. / Sem deuses, a palavra cai / na conjura dos povos, / dorme no sobressalto das sílabas / e ressoa difícil, inquieta / no labirinto dos significados. / Semente que aguarda a madurez dos mitos / Palavra / árvore de lúcidas sombras / e frutos pressentidos / nas raízes”. Por esses versos podemos constatar o acerto de João Carlos Quartim de Moraes, para quem, na poesia de Paulo Marcos Del Greco, “as palavras vêm ainda banhadas de mistérios noturnos da existência. (...) Não há compromisso com nada que seja decadente. Todas as possibilidades estão ainda em aberto.”

Como que atendendo ao apelo de D. H. Lawrence, Del Greco, em 2006, preparava seu barco da morte e pedia aos céus: “Senhor, não me confiaste a graça da beleza, / não mereci a rapidez da corça / nem ganhei plumas que me dessem cores. / Lentamente, sobre o chão que me deste, / busco entender o que me foi destinado. / O aljôfar das noites inutilmente passa em minha pele. / Castiga-me a nitidez do sol como uma ideia fixa. / Sou só. / Na multidão dos Teus seres perco-me para encontrar / o que me salvaria. / Fiel à sem-razão de não ser nada, / peço, Senhor, que estendas sobre mim / a piedade dos homens. / E que uma vez, uma só vez, / movido por algum sentimento que ignoro, / alguém me tome em suas mãos / como quem colhe flores.” O título desta pequena e triste joia literária é A Lesma.

Foi incrustada nos Poemas do quintal, dados à luz por Rubens Jardim no portal Cronópios em 2006. Doze anos depois, em 18 de janeiro de 2018, Paulo Marcos deixou de ver toda luz.

Del Greco, como assinava em seus poemas, Del Grecco, como o conheci quando era só o Paulinho junto aos rapazes do Centro, foi o poeta que em Campinas começou seu canto. O poeta de Campinas morreu aos 86 anos onde nasceu, em Espírito Santo do Pinhal.

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