As obras escolhidas, produzidas entre os séculos 16 e 20, acompanham a emergência do mundo moderno
Freitas Neto: "O desafio dos palestrantes é elucidar o cotidiano em torno do sugerido pelos clássicos" ( Divulgação)
Um clássico não o é por acaso. Ele se revela nas releituras e nas questões inéditas que emergem ao longo do tempo. O Café Filosófico CPFL de março e abril aborda clássicos da literatura mundial e sua relação com temas do cotidiano. O ciclo de palestras tem transmissão on-line e entrada franca, abrangendo oito clássicos da literatura e filosofia universais. Com curadoria do professor de História da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) José Alves de Freitas Neto o módulo 'Os Clássicos da Literatura' e o 'Cotidiano' pretende estimular a reflexão sobre o mundo contemporâneo a partir da obra de Maquiavel, Miguel de Cervantes, Thomas Hobbes, Shakespeare, Flaubert, Jorge Luis Borges, Mário de Andrade e Clarice Lispector. Entre os palestrantes estão nomes como José Miguel Wisnik, Noemi Jaffe, Leandro Karnal e Margareth Rago, entre outros. Criar uma ponte “A proposta é fazer uma ponte entre os clássicos e o cotidiano, seguindo critérios cronológicos e de temas atuais. A ideia é discutir a modernidade a partir do século 16, chegando ao século 20”, diz Freitas Neto. “Não estamos à procura de receitas, mas de compreender como o diálogo entre nosso tempo e referências da cultura ocidental pode ser encontrado”, afirma o curador. “A proposta é estimular o interesse pelos clássicos, ao atingir um grande público em múltiplas plataformas, e permitir que as pessoas não se sintam intimidadas pelos cânones, mas instigadas a lê-los ou relê-los”, reforça. Fazer pensar “Flaubert, por exemplo, aborda a presença feminina, os desejos, os vínculos. Com Borges temos uma referência do mundo latino-americano; com Cervantes analisamos os sonhos e as expectativas heroificadas. Maquiavel aborda a aversão ao mundo da política. Vários discutem os dilemas éticos e de identidade contemporâneos. O objetivo do Café Filosófico é fazer pensar”, coloca o curador. No primeiro encontro, na sexta-feira (6), o professor apresenta dois livros de Maquiavel: 'O Príncipe' e 'A Mandrágora'. “'O Príncipe' é focado na política pública. Já 'A Mandrágora' é um texto teatral sobre um casal que não consegue ter filhos e nessa tentativa se vê às voltas com uma série de engodos e tramoias. O curioso é que a transparência que se exige na política não se aplica na vida privada. A versão política diz mais sobre nós que sobre os políticos. Na vida privada toleramos certos desvios que não são aceitos na questão pública”, aponta Freitas Neto. Dicotomia “Há uma dicotomia do que se estabelece como certo na vida privada e na pública”, analisa. “Maquiavel traz para o campo da vida privada as discussões sobre o cumprimento das normas, a capacidade de burlar regras, a perseguição de objetivos que produzam a glória e, ao mesmo tempo, as dificuldades morais que são postas a cada escolha concreta. É uma questão que está na ordem do dia. Na política condenamos quase todas as práticas dos líderes e nas questões pessoais há uma zona cinzenta. Com seu texto ágil e bem-humorado, o autor nos adverte sobre nossos limites éticos e sobre a capacidade humana de enganar-se”, coloca o professor. “O objetivo não é discutir o mérito do clássico, mas reconhecer que as obras que compõem este ciclo são marcadas por, ao menos, dois aspectos centrais: a originalidade e a universalidade das questões que são propostas”, aponta Freitas. Segundo ele, as releituras e as abordagens devem ser feitas a partir de questões que envolvem o cotidiano e que nos provocam a pensar em nossa vida contemporânea. As obras escolhidas, produzidas entre os séculos 16 e 20, acompanham a emergência do mundo moderno e as questões sobre a autonomia dos indivíduos e seus paradoxos. “As obras e os autores marcam o nosso modo de pensar e seguem atuais por instigar questões que podem ser reposicionadas na atualidade. Este aspecto do diálogo entre o presente e o passado é fundamental em um clássico. O desafio dos palestrantes é elucidar aspectos do nosso cotidiano em torno do que foi sugerido pelos clássicos.”