ESPAÇO GOURMET

Côte de boeuf niçoise

Desprezados por muitos, ossos são ingredientes-chave de caldos e fundos, dão textura a molhos e realçam a carne

17/03/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 00:44

O homem e o osso são velhos companheiros. Há milhares e milhares de anos, quando caçar exigia esforços coletivos e era uma tarefa árdua, a carcaça dos animais abatidos era consumida até a última migalha. Literalmente, muita gente roía um ossinho, principalmente, em busca do energético e nutritivo tutano. O osso ainda servia de arma, instrumento para destrinchar e cortar, adorno para guerreiros e para as moçoilas da aldeia. Hoje, com os avanços das técnicas de desossar e os tantos cortes sofisticados de carne, muitas pessoas preferem deixar os ossos de lado. Os açougueiros que deem cabo neles ou que vão para o lixo ou as fábricas de ração animal.

Raramente, encontramos nas gôndolas dos supermercados cortes variados em que os ossos se fazem presentes. Porém, independentemente do hábito moderno dos consumidores os desprezarem, a maioria dos chefs de renome e de requintadas casas dão a eles valores inestimáveis. Em cozinha profissional, não se trabalha sem ossos. São ingredientes importantíssimos na elaboração e estruturação de fundos e caldos para molhos que dão vida e sabor a receitas sofisticadas.

Em todo restaurante estrelado, longe dos olhos da clientela, sempre há num canto do fogão uma enorme panela com ossos, aparas de legumes, vegetais e especiarias em permanente ebulição. É um processo que não para – alguns fundos ou caldos exigem até 72 horas de fogo brando para reduzir e chegar à textura e ao sabor ideais. Feitos com maestria, são insuperáveis. E não há nas prateleiras versão industrializada à altura deles. Com certeza, são eles que faltam em casa quando a comida não fica com aquele saborzinho idêntico ao do restaurante.

Não são apenas os ossos de bovinos que são valorizados. Os de aves e caças, as cascas de camarões, as cabeças e aparas de peixes, tudo é transformado em base. Um exemplo é o pirão de peixe, feito a partir da fervura da cabeça do animal. E tem mais: a carne que vem abraçadinha aos ossos tem sempre um sabor especial, porque eles são responsáveis por dar ao alimento um complexo diferenciado de sabores, realçando suas virtudes, deixando-o mais úmido, suculento e saboroso quando assado, grelhado, frito e guisado corretamente. Com a palavra, aqueles que não se avexam frente a uma generosa rabada ou costela assada. Vamos trabalhar!  

Carne & osso

Cortes mais comuns em que carne e osso ditam as regras

Carré – Termo francês que designa a peça que inclui a carne e a sequência de ossos da costela. Mais comuns são o de cordeiro e o do porco; às vezes, o da vitela. Normalmente, o carré é servido assado, com molhos feitos com os sucos de seu cozimento.

Ossobuco – O de boi é o mais comum e acompanha o risoto alla milanese. É um corte da canela ou panturrilha do animal envolvido por farta camada de carne musculosa, que deve ser cozida lentamente, durante horas, para ficar macia e não desmanchar o tutano. É usado também em sopa.

Costela – A de ripa (ou assado) é retirada da parte superior do tórax bovino, tem ossos mais longos e largos e a carne rija, ótima para assar ou brasear. A ponta de agulha ou minga vem da parte inferior do tórax bovino, tem ossos mais finos e gordura entremeada com cartilagem. A de suíno pode ser assada, braseada, refogada ou cozida.

Bisteca ou chuleta – Corte extraído do lombo do boi. Macia e com um pouco de gordura, fica muito saborosa quando frita, grelhada ou assada lentamente no forno. Tempere somente momentos antes de prepará-la.

Rabo de boi – Ideal para cozidos e ensopados, é bastante popular no Brasil. Quando cozido, os ossos liberam o colágeno, dando sabor e textura única ao prato.

T-Bone – Extraído do lombo do boi, em cortes transversais, tem um osso em forma de T no meio. De um lado leva a carne do final do contrafilé e do outro, a parte central do filé-mignon. Frito, assado ou na churrasqueira, é imbatível.

Mocotó – É o pé do boi, muito apreciado pelo colágeno liberado durante o longo cozimento, resultando em um caldo denso e saboroso. Tem muita cartilagem, pouco músculo e pouquíssima gordura. 

RECEITA

 INGREDIENTES

(para 4 pessoas)

Para a costela

4 pedaços de costela minga de + ou - 450g, com osso

600g de mirepoix (cenoura, cebola, salsão e alho-poró rusticamente picados)

6 dentes de alho, com pele, amassados com o cabo da faca

1 buquê de salsinha verde, alecrim e tomilho

120g de extrato de tomate (+ ou - ½ xícara de chá)

150ml de um bom vinagre de vinho tinto

600ml de vinho tinto seco, de boa procedência

100ml de vinho do Porto

2 litros de caldo de carne (pode ser feito com 3 tabletes)

60ml de óleo vegetal (milho, girassol ou canola)

Sal e pimenta-do-reino preta, quebrada na hora

Para Guarnecer

12 cebolas pérolas inteiras (ou cebolinhas miúdas para picles)

70g de bacon em cubinhos

3 dentes de alho picadinhos

30ml de azeite extra virgem

½ xícara (chá) de azeitonas verdes e ½ de pretas, sem caroço e picadas

COMO FAZER

Limpo bem a carne, eliminando o excesso de gordura e pele, e acaricio cada pedaço com um pouco de sal e pimenta-do-reino. Permito que descansem por 15 minutos. Numa caçarola larga, não muito alta e de fundo grosso, coloco o óleo, aqueço bem e, em fogo alto, selo os pedaços de costela até dourar. Retiro e reservo. Na mesma panela, salteio o mirepoix até os legumes ficarem douradinhos e junto às carnes. Ainda na mesma panela, em fogo médio, coloco o vinagre e deixo reduzir pela metade. Acrescento o vinho tinto e o do Porto e espero reduzir, novamente, pela metade. Junto o extrato de tomate, o buquê de ervas, o caldo de carne e o mirepoix e mexo levemente. Escolho uma assadeira robusta e nela acomodo as costelas com o molho, cubro com papel alumínio e levo ao forno preaquecido a 170°C por quatro horas ou até a carne se render macia.

Confiro o cozimento algumas vezes e, precisando, junto mais caldo de carne. Pouco antes de desligar o forno, elimino o papel alumínio para a carne pegar brilho e dourar. Retiro do forno e reservo as costelas, coo o caldo, descarto as partes sólidas e levo ao freezer. Quando esfriar, elimino a camada de gordura que se solidificou. Para finalizar, coloco na caçarola o azeite, aqueço em fogo médio, junto o bacon, mexo e remexo, junto as cebolinhas, o alho, as azeitonas e salteio tudo. Após três ou quatro minutos, retiro e reservo.

Na mesma caçarola, coloco duas ou três conchas do molho e as costelas, espero ferver, abafo e deixo em fogo médio por mais dez minutos. Decoro e sirvo (agora sim, com ou sem os ossos, você pode escolher) com um pouco de molho e com a guarnição salteada. Acompanha purê de batatas ou batatas salteadas.

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