Jorge Massarolo, editor ( Cedoc/ RAC)
Parei o carro no balão do Timbó esperando o sinal abrir. Nisso se aproxima um rapaz carregando umas maquininhas coloridas que expelem bolhas de sabão. Fiquei lembrando de quando era criança como nos divertíamos com uma caneca cheia de água, sabão em pó e um canudinho. Agora não precisa mais nem soprar. É só apertar um gatilho. Meu devaneio é interrompido por um comentário do vendedor. Não entendo o que ele diz e automaticamente respondo “não, obrigado”. Ele se afasta, dá uns dois passos, retorna e questiona: “porque é que quando a gente diz bom dia as pessoas respondem 'não, obrigado'. Não consigo entender”, diz ele. Fico surpreso com a intervenção. Nas entrelinhas, ele estava me chamando de mal-educado por não ter ouvido que ele havia me cumprimentado e eu respondido com uma frase pronta. Sim, ele tem razão. Não é pelo fato de ele estar na rua vendendo um produto, garantindo seu sustento, que deva ser ignorado. Confesso que nunca faço isso, geralmente brinco, converso com os vendedores, o que às vezes deixa meu filho Enzo meio assustado. Nesse dia estava um pouco aéreo, tinha acabado de sair de uma consulta médica e fiquei pensando na recomendação do cardiologista. Abaixei o volume do rádio do carro e passei a conversar com o vendedor. Ele próprio tentava explicar a situação. “As pessoas têm medo, pensam que a gente é ladrão, ou estão pensando nos seus problemas e ignoram a gente”. Concordei e tentei argumentar, mas ele estava mais afeito a falar do que ouvir. A conversa ia se prolongar, mas o semáforo abriu e fui embora sem comprar o aparelho moderno de fazer bolinhas de sabão. Desse encontro ficou a sensação de que viramos máquinas assustadas ou limitadas em nosso pequeno mundo de problemas. O carro representa uma pequena fortaleza onde tentamos nos esconder atrás de vidros escuros e portas trancadas. Uma fortaleza frágil. Meu carro não tem nada disso, inclusive ando com a janela aberta, mas desta vez fui pego de surpresa. Andei mais um pouco e parei no semáforo da Avenida Brasil com a Barão de Itapura. Mal o carro para, outro ambulante surge (parecem mágicos) vendendo raquetes elétricas para matar mosquitos. Era o que estava procurando, mas não tinha tempo de ir no mercado, para lutar contra o mosquitinho infernal da dengue. Compro uma, agradeço, ele também agradece e vamos cada um para um lado, satisfeitos, desta vez sem questionamentos sobre quem somos, o que estamos fazendo aqui etc e tal. Uma semana depois, a raquete parou de eletrocutar os mosquitos. Terei que ir ao mercado.