Crime de estelionato é obter vantagem devida para si, mediante artifício e ludibriando a outra pessoa
Rinaldo Puia de Souza, do 1º DP, diz que ganância faz com que as pessoas caiam em golpes (Del Rodrigues/AAN)
O delegado Rinaldo Puia de Souza, titular do 1º DP de Piracicaba, foi acionado por uma agência bancária para tentar convencer uma mulher a não sacar R$ 10 mil para entregar a uma pessoa, que se recusava a dizer quem era. Mesmo com a viatura na porta do banco, e mostrando sua carteira funcional, a mulher não arredava o pé e muito menos queria acreditar quando o delegado afirmava que ela seria vítima de um "conto do vigário" - nome dado aos golpes de estelionatários.Ela dizia que daria R$ 10 mil e ia ganhar R$ 50 mil, dinheiro este que daria para reformar a casa, ajudar sua irmã e que ninguém, nem mesmo um delegado, iria impedi-la. A mulher só desistiu quando Rinaldo Puia telefonou para o filho dela e explicou a situação para ele, que convenceu a mãe a parar com o que era considerada uma loucura.Esse, segundo o delegado, é um dos golpes que ocorrem com frequência, não só em Piracicaba, mas em qualquer cidade do país. É o crime de Estelionato - obter vantagem devida para si, mediante artifício e ludibriando a outra pessoa. A pena é de um a cinco anos de prisão.Puia contou ao Grupo RAC quais são os golpes mais comuns, em que os estelionatários não escolhem idades das vítimas e sim a conta bancária e as carteiras. Um crime muito comum, segundo ele, é o furto das bolsas. "As mulheres têm o costume de virar as bolsas e colocá-las na parte de trás do corpo facilitando a ação dos golpistas, que abrem ou cortam a bolsa e tiram as carteiras", alerta."Sempre orientamos para que andem com o mínimo de documentos necessários, inclusive com pouco valor em dinheiro". Ele diz ainda que os cartões bancários não devem ser levados na bolsa, muito menos a senha junto com o cartão. Isso, segundo o delegado, facilita a ação dos ladrões.Outro tipo de golpe frequente, de acordo com ele, acontece quando a pessoa confia em qualquer um que está no banco e entrega o cartão com a senha. "Na dúvida, a pessoa deve procurar um funcionário da agência. O importante é não confiar e não andar com a senha. Para as pessoas de mais idade, o conselho é que vá direto ao caixa da agência bancária para fazer a transação".Há, ainda, segundo Rinaldo Puia, o famoso golpe do bilhete premiado. Neste, a vítima, induzida pela ganância, pensando num parente que precisa ou nela mesma, acaba sendo ludibriada e achando que vai ganhar muito. Ao final se vê lesionada e sem tudo aquilo que conseguiu guardar."Costumamos dizer que quem cai num golpe como este é porque vai com muita sede ao pote. O pote acaba quebrando e a pessoa continua com sede. É levada pela ganância, no afã de ajudar terceiros, família, e acaba caindo neste golpe que é muito antigo". Hipnotismo?A maioria das vítimas, de acordo com Rinaldo Puia, após voltar à realidade diante de um golpe destes, diz que não sabe como caiu e que os golpistas atordoam de tanto que falam rápido e sem parar.Nenhum tipo de hipnose ou spray é utilizado contra esta vítima, diz o delegado. "O que existe é uma procura de justificativa posterior, principalmente quando se dá conta de que foi enganada de forma tão bizarra. Na verdade, a pessoa que está sendo enganada só enxerga, na sua frente, o que faria com aquela soma elevada que viria para ela", observa.No momento em que é oferecido o dinheiro, segundo a autoridade policial, a pessoa está pensando em comprar o carro ou arrumar a casa. "Depois que cai a ficha é que a pessoa fica procurando justificativa para aquilo porque, na verdade, a vontade de ter aquele dinheiro para satisfação própria ou da família leva a não pensar que poderia estar sendo enganada. E não são só os idosos. As vítimas são pessoas de qualquer idade e condição social". Para que as pessoas não sejam envolvidas nos 'contos', segundo Puia, pincipalmente as idosas, é necessário que façam as operações bancárias direto no caixa. "Se, por acaso, for ao banco para retirar quantias altas para entregar a estranhos, é de fundamental importância que comunique ao caixa o que está fazendo", alerta."Muitos deles não perguntam ao cliente o motivo do saque, por ser indelicado. A qualquer sinal de golpe a pessoa deve acionar a polícia. Idosos jamais devem ir aos bancos sozinhos", lembra.Aquela situação de alguém jogar um envelope ao chão, a outra pegar e o tal dono do envelope dizer que vai dar uma recompensa pela ajuda, também não passa de mais um golpe. "O dinheiro que está dentro desta nota, nada mais é do que papel xerocado em folhas de sulfite. Muitos deles seguram a bolsa da vítima enquanto ela vai buscar seu presente numa loja que o golpista indica. Quando ela volta descobre que a loja não existe e que também perdeu a bolsa com todos os documentos e dinheiro", completa.CadeiaFoi o golpe foi do sequestro. Desesperado, um idoso foi ao banco, segurando o celular que estava ligado. Falou que precisava depositar, urgente, R$ 5 mil numa conta do Rio de Janeiro, porque a sua filha estava sequestrada. "Eles seguram a vítima na linha para que ela não consiga receber telefonema do parente que estaria sequestrado, então a vítima crê que seu familiar esteja mesmo nas mãos dos criminosos", explica o gerente, que não quer ser identificado por medidas de segurança.Neste caso, de acordo com ele, o idoso já havia depositado R$ 4.900. "Bloqueei rapidamente o saldo da conta e o cartão. O falsário estava no banco do Rio de Janeiro tentando sacar o dinheiro no caixa eletrônico, mas não conseguia porque, pelo valor, teria de ir direto à boca do caixa. A polícia foi acionada e ele preso em flagrante. Quando a pessoa abre o jogo fica fácil ajudar", diz.ParceriaA psicóloga Lucelena Nogueira Boaventura (foto), formada pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), avalia que na cultura brasileira a sorte é sempre hipervalorizada e que, talvez por isso, a pessoa que dá o golpe consegue envolver a vítima no sentido de ser parceira de sua sorte. “O que ganhamos, dividimos”. E quem é que não gostaria de receber um valor interessante tão fácil, sendo que o cotidiano é tão desgastante e todos estão sempre correndo atrás do dinheiro?”Também, segundo ela, há o fator ego, em que a vítima acaba se sentindo privilegiada por viver aquela situação e não quer perder a oportunidade de se dar bem. “Há algo que considero muito mais importante, apesar de haver uma certa ganância ou falta de avaliação do merecimento sobre tal valor ou qualquer atributo. Os golpistas não fazem parte dos esteriótipos que estamos acostumados a considerar bandidos. Logo, nossa referência de desconfiança cai”, destaca.“Imaginamos ladrões negros, pobres, rápidos e grosseiros. De repente, aparece alguém bem vestido, educado, com quem é fácil se sentir identificado, pois ele também acabou de ser o sortudo ou partilha com você a possibilidade de receber um valor. Isso faz com que se dilua os valores que o faziam refletir se é certo ou errado fazer aquilo, pois se o golpista está fazendo você não pode ficar para trás. Assim, acabam aceitando as ofertas sem avaliar merecimento ou não”. Veja também Hospital da PUC alerta para ação de estelionatários Golpistas ligam para quarto do paciente cobrando honorários médicos ou complementares Quadrilha promete dinheiro e rouba idosos Grupo liga para aposentados, diz que é da Caixa, que irá renegociar dívida, e pega procuração