B. J. DOS PERDÕES

Condomínio desvia rio para manter projeto paisagístico

Condomínio Ribeirão do Vale é chamado de "Veneza Paulista" por causa dos canais entre as casas

Cecília Polycarpo
13/02/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 19:24
Condomínio usa água do Rio Cachoeirinha, afluente do Atibaia, para criar cenário parecido com Veneza (Ninja Mídia/ Reprodução)

Condomínio usa água do Rio Cachoeirinha, afluente do Atibaia, para criar cenário parecido com Veneza (Ninja Mídia/ Reprodução)

Em Bom Jesus dos Perdões, a 73 quilômetros de Campinas, moradores de um pequeno oásis banhado por um dos afluentes do Rio Atibaia desconhecem a palavra racionamento. O condomínio Ribeirão do Vale tem parte do Rio Cachoeirinha cimentado para formar pequenos canais que passam entre as casas de alto padrão.   Os terrenos das 100 residências do local, já apelidado de “Veneza Paulista”, têm vista para a água — que foi desviada de seu curso natural apenas para “fins paisagísticos”, segundo a administração do local. A poucos metros do condomínio, moradores de chácaras simples do bairro Marinas sofrem com a estiagem e dependem de caminhões-pipa da Prefeitura.   Outorga   Foto: Mídia Ninja/ Reprodução As ruas do Ribeirão do Vale são ligadas por pontes O conjunto de casas de alto padrão foi construído no fim da década de 1970 às margens da Rodovia D. Pedro I (SP-065) e, à época, houve autorização da Marinha para uso do ribeirão. A Associação Amigos Marinas do Atibaia, que representa o condomínio, informou que a outorga foi renovada pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (Daee).   O Correio esteve no local na manhã de desta quinta-feira (12) e verificou que as casas do condomínio são espaçosas e quase todas elas têm piscinas em seus gramados. Em um dos quintais, um morador pescava no canal: a água tem diversas espécies, como bagres, pacus e tilápias. A paisagem é composta também por pedalinhos, um dos atrativos para as crianças.   As ruas são ligadas por pontes que passam sobre os canais. Apenas duas casas no condomínio estão à venda, uma por R$ 400 mil e outra por R$ 330 mil. A escritura, no entanto, não é definitiva: o comprador adquire apenas os direitos possessórios.Apesar da abundância do recurso, o abastecimento das residências não é feito pelo Cachoeirinha. O ribeirão recebe detritos de diversas empresas instaladas na cidade e chega ao condomínio já poluído. O sistema de tratamento de água e esgoto é municipal e a captação é feita no Rio Atibainha, afluente do Atibaia.   Arejadores   Para tentar amenizar a situação do ribeirão, a administração do condomínio disse que comprou três grandes arejadores para aumentar a oxigenação dos canais e manter os peixes vivos enquanto a água passa pelo empreendimento. Luiz Carlos Orlandinho, presidente da associação que representa os moradores do condomínio, afirmou que a água sai mais limpa do Ribeirão do Vale do que quando entra. A vazão também não é alterada, segundo ele.     A administração alega que tem a outorga para a canalização do curso d’água. “A autorização para fazer isso existe há mais de 30 anos e o Estado renovou. Está tudo dentro da lei.” O vice-presidente da associação, Paulo Saulo, disse que o local paga R$ 12 mil por ano pelo documento de utilização do córrego. “Esses canais não causam impacto nenhum ao Atibainha. Já estavam aqui quando eu cheguei no condomínio. Mas regularizamos tudo.”   O Correio entrou em contato com o Daee para verificar se o local possui outorga ontem, às 17h05, mas a assessoria de imprensa do órgão afirmou que o departamento responsável funciona até as 17h. De acordo com o Daee, todas as concessões anteriores a 1993, ano em que foi criado o departamento, precisaram ser regularizadas para continuarem valendo. A assessoria de imprensa da Prefeitura de Bom Jesus dos Perdões também foi procurada. A funcionária disse que algum representante da Administração retornaria o contato, o que não ocorreu.   ImpactoO professor de engenharia hídrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie Francisco Toledo Piza disse que o principal impacto ambiental causado pela canalização do ribeirão é a supressão da mata ciliar. “No passado, não havia a preocupação de se preservar o fundo de vale dos córregos com a mata nativa”, disse. No Ribeirão do Vale, não há mais a vegetação original, mas apenas alguns eucaliptos na beira da D. Pedro.   O especialista falou que a canalização também aumenta a velocidade de vazão do córrego. “Em alguns casos, a rapidez com que o ribeirão sai do condomínio pode causar erosão das margens do rio.”   Poços secaram   Foto: Dominique Torquato/ AAN Helena mora em bairro próximo à "Veneza Paulista: poço secou e armaneza água da chuva O entorno do Ribeirão do Vale, no bairro Marinas, tem diversas chácaras. Mas diferentemente do condomínio, as casas não são de veraneio. Poços artesianos abastecem a maioria dos imóveis, que não têm ligação com a rede de água e esgoto da cidade. Mas a maioria dos poços secou.   A dona de casa Helena Soares, de 60 anos, disse que seu poço artesiano está empoeirado e frequentemente precisa ligar para a Prefeitura enviar um caminhão-pipa para socorrer a família. “Não tem mais água na terra. Quando eu construí a casa com meu marido, há três anos, a água jorrava. Nunca imaginei que fosse passar por uma situação dessas.”   A água do caminhão-pipa, ela disse, é apenas para lavar roupa, banho e limpeza da casa. Para beber, ela compra água mineral no supermercado. Em fevereiro do ano passado, quando a crise hídrica na cidade atingiu seu ápice, montou com o marido um sistema caseiro para captar água da chuva. A tubulação improvisada retira a água da calha da casa, que é conduzida até a caixa d’água. “Mas coloquei tela em tudo e coloco produto para tornar a água potável. E também para matar o mosquito da dengue”, contou.    Veja também Campinas cobra garantias de que receberá água do Cantareira Prefeito diz que analisa medidas jurídicas para resguardar o direito da cidade ter água para o abastecimento, mesmo que seja com algum sacrifício Governo já estuda o uso de 4ª volume morto É avaliada a viabilidade de bombear parte de uma reserva técnica estimada em 70 bilhões de litros USP vai orientar projeto de água de reúso Sanasa encomendou estudos de potabilidade com descarga direta em ETA (Estação de Tratamento de Água)

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