ANTONIO CONTENTE

Como um toque de magia

24/04/2022 às 23:14.
Atualizado em 24/04/2022 às 23:14

A convivência de pessoas em pequenos grupos pode propiciar bom ambiente para o exercício da memória; que é capaz de burilar o presente para melhor desenhar o futuro. Certamente era isso que permeava os encontros diários, nos anos 80 do século passado, de um grupo de amigos no anexo de um restaurante no entorno da Praça Bento Quirino. Nos dias animados ocupavam mais de dez cadeiras. Envolvendo pessoas de várias atividades, como advogados, professores, empresários, comerciantes etc. Entre eles, a discreta figura de Marquinho que, talvez por timidez, falava pouco. E, certamente devido a esta característica, os membros da confraria lhe davam pouca importância. Por exemplo: nunca o consultavam sobre nada. E se acaso o bom moço dissesse algo, o fim das palavras seria percorrer o prosaico caminho de entrar por um dos ouvidos de quem escutava; e sair pelo outro. Caso a alguém ali fosse dada oportunidade de emitir opinião sobre o camarada, seria capaz de dizer que ele apenas passava pela vida. Sem nela imprimir a mais longínqua ou remota marca.Mas o destino que, por ser caçador, está sempre a armar tramas, também no caso de Marquinho fazia exatamente isso. E tudo começou a acontecer numa bela manhã, com a totalidade dos membros do grupo reunida. Falavam, em certo instante, de coisas triviais; de repente, todos calam. É que perceberam, ao mesmo tempo, a bela, belíssima mulher que surgiu na porta do estabelecimento. Cabelos curtos, claros, o copo coberto por um vestido de seda; daqueles que, deslizando por impulsos do imponderável, melhor se encaixam a mostrar cada reentrância do corpo mais que perfeito. Tinha os olhos escondidos por óculos de aviador dos anos 50; ao dar os primeiros passos no ambiente, aumentou a sensação do assombro. Para surpresa geral, se dirigiu exatamente à mesa dos amigos de todos os dias. A abrir enorme, luminoso sorriso que inundou o ambiente. Sorriso jogado exatamente sobre a pouco requisitada figura do nosso tímido Marquinho.— Como vai você? — Ela cicia.— Ora, mas que prazer! — O rapaz levanta.Gesto logo imitado por todos, subitamente pálidos de espanto diante de tanto charme, beleza, formosura.Como se não bastasse, ela aproxima o rosto do rosto do nosso súbito herói e pespega-lhe um beijo. Isso feito, os dois se afastam para papear por alguns instantes. Na despedida a beldade murmura: — OK, então te espero lá.Ao voltar o rapaz à mesa pipocam perguntas sobre de quem se tratava. A resposta, apenas vaga: — Ah, ela? É a doutora Thaïs, advogada...Como, todavia, a vida não pode ser tão simples, pois, se assim fosse, nós, que escrevemos, não teríamos temas para crônicas, naquele exato instante a vida de Marquinho começou a mudar. Imperceptivelmente, na cabeça de cada um dos postados diante do rapaz, alguma coisa detonou a observação antes impensável: uma pessoa que tem tal intimidade com deusa tão constitucionalissimamente perfeita, não pode ser um qualquer. E, efetivamente, daquele dia em diante as atenções sobre o rapaz se intensificaram, e muitas possibilidades de negócios passaram a surgir. Ele tinha pequena empresa de consultoria e propaganda que, de repente, os influentes do pedaço passaram a requisitar. E tanto, e de tal forma, que um súbito impulso de prosperidade começou a permear a vida profissional do fulano. Desde a manhã em que Thaïs aparecera à sua frente passou a ser visto como alguém competentíssimo.À medida que semanas e meses correm, era raro o dia em que um dos estrelados participantes da mesa não se dirigisse ao outrora quase ignorado. Tantas eram as solicitações profissionais, que ele já planejava sair do relativamente acanhado escritório encravado no Centro velho para uma casa no Cambuí.Na realidade, isso tudo de fato aconteceu, e, hoje, Marquinho é um milionário executivo de vários negócios. Provavelmente a turma do ponto de encontro nas proximidades da estátua de Carlos Gomes nem mais se reúne. Todavia, pelo menos duas vezes por mês, alguns deles se encontram para um uisquinho de fim de tarde, “happy hour”, nos amplos escritórios do nosso herói. No bate papo, sempre, um leve fundo musical perpassa pelo ambiente. A repetir os trinados de suspiroso violino a tocar a belíssima “Meditação”. O trecho mais lindo da ópera Thaïs, de Jules Massenet. Que só Marquinho ouve como fundo musical para algum tipo de oração...

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